quarta-feira, 17 de junho de 2015

A habitação, o Estado e a qualidade da democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O adequado funcionamento do mercado de arrendamento é, assim, um instrumento precioso na eficiência da utilização dos recursos financeiros.
A habitação, o Estado e a qualidade da democracia
Portugal tem um sector de habitação vasto e complexo que, no seu conjunto, tem uma enorme influencia no sucesso económico e na estabilidade financeira do país.

Desde logo, porque o país tem, além das designadas “primeiras habitações”, um número muito elevado de “segundas habitações”, e ainda dispõe de muitas “habitações de turismo” destinadas tanto a cidadãos nacionais como estrangeiros, incluindo também emigrantes nacionais que são normalmente residentes em países estrangeiros.
Apesar da muito elevada importância económica e financeira das duas últimas vertentes, foi no primeiro sector, as “primeiras habitações permanentes”, que o Estado se preocupou em intervir politicamente ao longo dos últimos 130 anos.

Na III República, o paradigma seguido foi o de fomentar a aquisição de casa própria, a maior parte das vezes com recurso ao crédito bancário. De facto, desde 1974 que os novos arrendamentos para habitação têm tido um papel secundário que só a grave crise financeira de 2011 veio de novo relançar através duma lei, inspirada pela troika, que teve como objectivo racionalizar uma situação de congelamentos/degradação de muitos milhares de rendas antigas, cujo valor era claramente incapaz de permitir que os proprietários fizessem a adequada manutenção do património edificado.

Note-se que, em termos financeiros, o principal objectivo da dinamização do mercado do arrendamento é o de, em simultâneo, diminuir o endividamento bancário das famílias que desejam uma habitação e dispõem de pouco capital, ao mesmo tempo que incentiva os aforradores a investirem directamente num património remunerado através das respectivas rendas.

O adequado funcionamento do mercado de arrendamento é, assim, um instrumento precioso na eficiência da utilização dos recursos financeiros, bem como na estabilidade social dos agregados familiares.

Pode já hoje dizer-se que a última Lei do Arrendamento Urbano permitiu uma dinamização e racionalização do mercado de habitação das grandes cidades portuguesas, como não se via desde os anos 60 do século passado.
Isso conduziu também a uma requalificação apreciável de muitas habitações, sendo hoje possível encontrar para alugar em zonas centrais de Lisboa T2 renovados a 320 euros e T3 a 475 euros.

Estes valores estão muito abaixo daquilo que era possível encontrar há dez anos, o que claramente revela que o mercado está, de facto, a funcionar em benefício da sociedade em geral.

Por isso, não se entende a proposta recente dum grande partido político para se “utilizar verbas da Segurança Social para financiar a renovação urbana”, sendo citados como objectivo de rendas valores por vezes superiores àqueles que o mercado já hoje proporciona às famílias.

A qualidade da democracia exige o conhecimento profundo das matérias de que se trata, bem como “ir ao terreno” recolher os dados concretos para detectar eventuais “falhas de mercado”, se e quando elas efectivamente existirem.
Não é manifestamente esse, hoje, o caso no mercado de arrendamento para habitação, onde de resto as autarquias têm já uma actuação muito significativa no segmento social.

Investir largas dezenas de milhões de euros dos recursos da Segurança Social numa tentativa para distorcer um “mercado que funciona com grande liquidez e transparência “ é um duplo risco: põe-se em causa a solidez do património que assegura a sobrevivência futura dos reformados, pois as rentabilidades irão estar, na prática, muito abaixo do previsto, e afastam-se os investidores privados, que têm investido verbas importantes neste sector, apesar da grave crise que o afectou .

Mas, já agora, a atenção política em matéria de “gestão da habitação” deverá centrar-se também na área das despesas aceites em sede de IRS como custos fiscais para quem investiu no arrendamento.

De facto, se um proprietário tiver de ir a tribunal reclamar uma renda que o inquilino não lhe pagou, as despesas com o advogado e as custas judiciais não são aceites como custos fiscais. Nem os honorários dos arquitectos e dos engenheiros que assegurem a conservação do património edificado. Já para não falar no computador onde tem de passar os recibos das rendas…

É de bradar aos céus!

A qualidade de uma democracia avançada tem também de passar por aqui!
Clemente PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico

NOTA: artigo publicado no jornal i.

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