Convidado para participar num debate sobre as eleições britânicas do passado dia 7 de Maio, tive que analisar os seus resultados com atenção. Partilho algumas conclusões a que cheguei, contrariando nalguns casos algumas análises superficiais que ouvi na noite eleitoral e no dia seguinte e que não levavam em conta as particularidades do sistema eleitoral britânico.
Agora, umas notas sobre o coração do sistema britânico, os seus círculos uninominais, que podem fazer confusão a muita gente em Portugal, numa altura em que se debatem possíveis reformas do nosso sistema eleitoral.
O sistema britânico é, de facto, muito injusto e desequilibrado do ponto de vista da representação eleitoral.
Num sistema proporcional comum e dependendo da configuração dos círculos com listas plurinominais, os Conservadores, nestas eleições de 7 de Maio de 2015, obteriam provavelmente entre 235 e 260 deputados (tiveram 331), os Trabalhistas entre 195 e 210 (elegeram 232), o UKIP entre 80 e 90 (teve apenas 1), os Liberais-Democratas entre 50 e 55 (ficaram-se pelos 8), o Scottish National Party à volta de 30 (voaram para 56) e os Green cerca de 25 (elegeu 1 somente). Os grandes prejudicados foram os partidos médios e pequenos (LibDem, UKIP e Green), com enorme benefício para os maiores partidos (Tories e Labour) e outros com forte concentração regional da votação (SNP, um grande partido regionalizado).
Em Portugal, debatem-se hoje possíveis alternativas de modificação do nosso sistema político e eleitoral, que desenvolveu precisamente os defeitos opostos: excesso e poder dos partidos e seus directórios, afastamento cavado entre eleitos e eleitores e despersonalização e irresponsabilidade dos mandatos parlamentares. Um dos caminhos possíveis é o da introdução de círculos uninominais, como o artigo 149º da Constituição veio permitir desde 1997 - o Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, de que sou um dos subscritores, também aponta para aí, entre outras possibilidades.
Porém, perante esta evidência do sistema britânico, não faltará porventura quem, menos informado ou com má fé, proclame: isso NUNCA!
Impõe-se, assim, uma prevenção e um esclarecimento: os círculos uninominais do sistema britânico não têm nada, mesmo nada, a ver com os círculos uninominais de que se fala numa possível reforma eleitoral em Portugal. Nem a nossa Constituição o permitiria - e muito bem.
O artigo 149º, nº 1 da Constituição é explícito a balizar as condições de uma reforma com essa componente: «círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.» Ou seja, os "nossos" círculos uninominais seriam apenas uma componente parcial do sistema e sem poderem afectar que, no globo do apuramento, a representação proporcional segundo o método d'Hondt fosse minimamente afectada. Está-se a pensar, portanto, num sistema misto "à alemã" (que pode comportar, aliás, diversas variantes, ainda melhores do que na Alemanha), o qual está bem testado e demonstrado como assegurando a justa representação proporcional na composição do Parlamento.
O sistema britânico apenas é possível no Reino Unido, ou em países de cultura política similar - e não sei mesmo se conseguirá resistir muito mais tempo à erosão que a consciência repetida da injustiça de resultados tão desproporcionados tem vindo a provocar na própria opinião pública britânica.
Há outros sistemas de círculos uninominais exclusivos em que a injustiça é corrigida pela introdução de uma segunda volta entre os mais votados. A segunda volta obriga a que os eleitos tenham necessariamente votações muito expressivas, tendencialmente mais de metade dos votos. Mas, ainda assim, conduz à transferência forçada de votos entre a 1ª e a 2ª voltas e traduz-se também numa sub-representação de correntes minoritárias, ainda que politicamente relevantes.
Já li defender que a escolha dos britânicos teria a ver com uma opção consciente e deliberada no sentido de favorecer a governabilidade. É verdade que este tipo de sistema favorece a formação de maiorias de um só partido e, portanto, a estabilidade governativa. Mas não é por isso que o sistema existe.
O sistema britânico e o seu fundo enraizamento na mentalidade britânica resultam de o seu Parlamento ser o mais antigo do mundo. O actual Parlamento foi instituído em 1707 pelo Tratado de União, mas descende do anterior Parlamento da Inglaterra, estabelecido em 1215 e, na forma bicameral, com a Câmara dos Comuns ao lado da Câmara dos Lordes, desde 1341.
Daí, esta forma de eleição dos Comuns. Os deputados vinham a cavalo ou de diligência para Londres e aí ficavam longos períodos. Portanto, cada terra elegia o seu representante individual. E o paralelo com a Câmara dos Lordes, de origens mais antigas, era óbvia: assim como, na nobreza, cada território era representado pelo seu Senhor (Duque, Conde ou Barão), assim também, na representação do povo, cada território elegia o seu "Comum".
Os sistemas proporcionais de listas de partidos são desenvolvimentos bem mais recentes, após as profundas modificações nas condições de vida e nos sistemas de transportes e comunicações que o progresso foi ditando. O sistema d'Hondt, por exemplo, foi concebido apenas já no final do século XIX e os sistemas proporcionais multiplicaram-se apenas ao longo do século XX. Também em Portugal, foi um sistema eleitoral à inglesa que funcionou quer na Monarquia constitucional, quer na I República, com todos aqueles defeitos que esse sistema de uninominalidade exclusiva deixou na nossa memória difusa e no nosso espírito colectivo: injustiça, caciquismo, manipulação, excesso de localismo.
Por isso, importa reter esta ideia fundamental: se, hoje em dia, fossem introduzidos círculos uninominais em Portugal, estes seriam apenas uma componente parcial do sistema que em nada afectaria a justiça da repartição proporcional no Parlamento. Poderiam, desde logo, ser apenas círculos de apuramento e não directamente de eleição; e, sendo também de eleição directa (como na Alemanha), teriam de comportar, no sistema global, um conjunto de instrumentos de compensação nos círculos plurinominais que corrigissem qualquer distorção da representação popular proporcional.
O sistema britânico é, de facto, muito injusto e desequilibrado do ponto de vista da representação eleitoral.
Num sistema proporcional comum e dependendo da configuração dos círculos com listas plurinominais, os Conservadores, nestas eleições de 7 de Maio de 2015, obteriam provavelmente entre 235 e 260 deputados (tiveram 331), os Trabalhistas entre 195 e 210 (elegeram 232), o UKIP entre 80 e 90 (teve apenas 1), os Liberais-Democratas entre 50 e 55 (ficaram-se pelos 8), o Scottish National Party à volta de 30 (voaram para 56) e os Green cerca de 25 (elegeu 1 somente). Os grandes prejudicados foram os partidos médios e pequenos (LibDem, UKIP e Green), com enorme benefício para os maiores partidos (Tories e Labour) e outros com forte concentração regional da votação (SNP, um grande partido regionalizado).
Em Portugal, debatem-se hoje possíveis alternativas de modificação do nosso sistema político e eleitoral, que desenvolveu precisamente os defeitos opostos: excesso e poder dos partidos e seus directórios, afastamento cavado entre eleitos e eleitores e despersonalização e irresponsabilidade dos mandatos parlamentares. Um dos caminhos possíveis é o da introdução de círculos uninominais, como o artigo 149º da Constituição veio permitir desde 1997 - o Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, de que sou um dos subscritores, também aponta para aí, entre outras possibilidades.
Porém, perante esta evidência do sistema britânico, não faltará porventura quem, menos informado ou com má fé, proclame: isso NUNCA!
Impõe-se, assim, uma prevenção e um esclarecimento: os círculos uninominais do sistema britânico não têm nada, mesmo nada, a ver com os círculos uninominais de que se fala numa possível reforma eleitoral em Portugal. Nem a nossa Constituição o permitiria - e muito bem.
O artigo 149º, nº 1 da Constituição é explícito a balizar as condições de uma reforma com essa componente: «círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.» Ou seja, os "nossos" círculos uninominais seriam apenas uma componente parcial do sistema e sem poderem afectar que, no globo do apuramento, a representação proporcional segundo o método d'Hondt fosse minimamente afectada. Está-se a pensar, portanto, num sistema misto "à alemã" (que pode comportar, aliás, diversas variantes, ainda melhores do que na Alemanha), o qual está bem testado e demonstrado como assegurando a justa representação proporcional na composição do Parlamento.
O sistema britânico apenas é possível no Reino Unido, ou em países de cultura política similar - e não sei mesmo se conseguirá resistir muito mais tempo à erosão que a consciência repetida da injustiça de resultados tão desproporcionados tem vindo a provocar na própria opinião pública britânica.
Há outros sistemas de círculos uninominais exclusivos em que a injustiça é corrigida pela introdução de uma segunda volta entre os mais votados. A segunda volta obriga a que os eleitos tenham necessariamente votações muito expressivas, tendencialmente mais de metade dos votos. Mas, ainda assim, conduz à transferência forçada de votos entre a 1ª e a 2ª voltas e traduz-se também numa sub-representação de correntes minoritárias, ainda que politicamente relevantes.
Já li defender que a escolha dos britânicos teria a ver com uma opção consciente e deliberada no sentido de favorecer a governabilidade. É verdade que este tipo de sistema favorece a formação de maiorias de um só partido e, portanto, a estabilidade governativa. Mas não é por isso que o sistema existe.
O sistema britânico e o seu fundo enraizamento na mentalidade britânica resultam de o seu Parlamento ser o mais antigo do mundo. O actual Parlamento foi instituído em 1707 pelo Tratado de União, mas descende do anterior Parlamento da Inglaterra, estabelecido em 1215 e, na forma bicameral, com a Câmara dos Comuns ao lado da Câmara dos Lordes, desde 1341.
Daí, esta forma de eleição dos Comuns. Os deputados vinham a cavalo ou de diligência para Londres e aí ficavam longos períodos. Portanto, cada terra elegia o seu representante individual. E o paralelo com a Câmara dos Lordes, de origens mais antigas, era óbvia: assim como, na nobreza, cada território era representado pelo seu Senhor (Duque, Conde ou Barão), assim também, na representação do povo, cada território elegia o seu "Comum".
Câmara dos Lordes em 1708 |
Câmara dos Comuns em 1793 |
Por isso, importa reter esta ideia fundamental: se, hoje em dia, fossem introduzidos círculos uninominais em Portugal, estes seriam apenas uma componente parcial do sistema que em nada afectaria a justiça da repartição proporcional no Parlamento. Poderiam, desde logo, ser apenas círculos de apuramento e não directamente de eleição; e, sendo também de eleição directa (como na Alemanha), teriam de comportar, no sistema global, um conjunto de instrumentos de compensação nos círculos plurinominais que corrigissem qualquer distorção da representação popular proporcional.
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