quinta-feira, 28 de abril de 2016

O póquer, a política e as empresas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, ontem saído no jornal i.
Criar as condições que estimulem o reforço dos capitais das empresas portuguesas deveria ser hoje uma prioridade, mesmo que isso implique acabar de vez com o póquer político atualmente em exibição.


O póquer, a política e as empresas
O póquer, como jogo, baseia-se em utilizar uma parte da realidade, aquela que um jogador conhece em exclusivo, para este tentar alterar a perceção do conjunto da realidade que os outros jogadores têm. 
Por isso baseia-se muito na capacidade de “convencer” os outros duma realidade global que, de facto, não existe. 
Os jogos políticos, no sentido trivial do termo, têm por vezes muito de póquer, e esta abordagem é passível de ter sucesso a curto prazo. 
Mas a abordagem predominante “de póquer” não é suscetível de ter sucesso a médio e longo prazo, porque dessa forma os povos não podem fazer as escolhas persistentes de investimento empresarial e de formação e qualificação pessoal, dado que não podem ter uma perspetiva fundamentada de estabilidade do quadro operacional em que irão atuar no futuro. 
E daí a diferença abismal que distingue um estadista de um “político de ocasião”. 
Por maioria de razão, um verdadeiro empresário tem de saber construir paciente e persistentemente novas realidades, baseadas em projetos de investimento, no recrutamento de colaboradores e em tecnologias que têm em vista criar produtos e serviços que satisfaçam os interesses da sociedade em que se inserem. 
Uma aposta num investimento empresarial é sempre um “risco e um desafio ao futuro” que se prolongará por muitos anos, às vezes mesmo por várias gerações. Por isso os empresários se baseiam no “risco calculado”, tanto quanto possível minimizado por ser fundamentado nas análises de mercado e nas tecnologias, a fim de se poder garantir a segurança de todos os envolvidos no investimento e, desde logo, os trabalhadores, empresários, bancos financiadores, clientes e fornecedores. 
Ora Portugal tem sido, desde outubro passado, ator involuntário de um formidável jogo de póquer, jogo esse que permitiu ao atual primeiro-ministro alcançar esse lugar depois de ter perdido as eleições mas que, ao mesmo tempo, se transformou num “bluff” que é um risco permanente sobre a consistência da mais importante aposta da sociedade portuguesa a médio e longo prazo: a permanência de Portugal na moeda única europeia, o euro. 
A prosperidade económica dos países da União Europeia e, por maioria de razão, dos países do euro, baseia-se na competitividade de que as empresas instaladas nos respetivos territórios têm de dispor para sobreviverem no mercado global. 
A moderna solidariedade europeia do pós-guerra, desde as suas origens no Tratado de Roma, baseia-se na construção de um enquadramento legal e político que permita a “todas as suas empresas competir com regras abertas e idênticas em todo o espaço europeu”. 
É daí que desejavelmente se cria a riqueza que permitirá manter o “pilar social da Europa”. 
Por isso, os Estados tudo devem fazer para que os seus cidadãos mantenham as suas poupanças nos seus países e para que essas poupanças sejam utilizadas para investir em empresas que criem emprego nesses mesmos países. 
Por maioria de razão, isso deve acontecer em Portugal, país acabado de sair de um resgate que tem ainda uma muito elevada dívida pública e privada, onde as empresas estão no geral muito descapitalizadas e em que o Estado absorve uma parcela desmesurada de riqueza criada. 
Tudo aquilo que, no póquer político que temos vindo a viver nos últimos seis meses, contribua para atrasar investimentos nas empresas portuguesas, ou para afugentar a captação de capital estrangeiro para o nosso país, só cria desemprego e põe em risco a coesão social e a permanência de Portugal no euro. Além disso, e por arrastamento, enfraquece ainda mais a estrutura financeira das empresas e, por consequência, a da nossa banca, pelo aumento do crédito malparado a que tal inevitavelmente vai conduzir. 
Por isso, criar as condições que estimulem o reforço dos capitais das empresas portuguesas deveria ser hoje uma prioridade, como já foi referido publicamente pelo atual ministro da Economia, Caldeira Cabral, o que todavia não teve ainda qualquer tradução prática, mas que a deve ter a curto prazo, mesmo que isso implique acabar de vez com o póquer político atualmente em exibição. 
Assim o exige a construção de uma democracia de qualidade em Portugal.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

quinta-feira, 21 de abril de 2016

A sociedade civil tem de ser chamada a atuar

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído ontem no jornal i.
Vive-se hoje no país uma ameaça profunda à existência de uma situação económica equilibrada que possibilite a implementação de estratégias de crescimento.
 
Erros estratégicos geram falta de crescimento
e falta de crescimento agrava sempre a pobreza
 
A sociedade civil tem de ser chamada a atuar
Escrevi há semanas sobre as constantes ameaças que estão a sofrer as nossas pensões de reforma. De lá para cá, essas ameaças têm vindo a aumentar de forma preocupante. 
Fala-se na decisão perigosíssima de alocar fundos que protegem as nossas pensões a investimentos imobiliários, pondo em risco o nosso sistema de segurança social numa decisão tomada por uma classe política completamente impreparada. 
Ouve-se falar da criação de um ‘’banco mau’’ para limpar balanços dos bancos para que, muito possivelmente, os contribuintes e, em particular, os pensionistas venham a pagar as incompetências e, em muitos casos, a corrupção que levou bancos a concederem créditos a quem não o deviam ter feito. 
E o que dizer sobre as notícias vindas a público sobre o impacto de imensas offshores, que motivaram até o nosso recém-empossado Presidente da República a mencionar que os últimos casos punham em causa os sistemas democráticos ocidentais? 
Subscrevi em agosto de 2014 o manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”, documento de grande qualidade e atualidade que se concentra em imprescindíveis reformas do sistema eleitoral, com o objetivo de aproximar eleitores de eleitos para a Assembleia da República e do sistema de financiamento dos partidos políticos. 
Voltando às ameaças sobre a nossa economia, gostava de me concentrar sobre uma que afeta muito negativamente os custos de produção, o nível de emprego, o nível de investimento, o nível de impostos, e que afeta mais uma vez o nível das nossas já tão baixas pensões de reforma: trata-se da ameaça das 35 horas de trabalho semanal. 
Como industrial que sou há mais de 30 anos, gostava de mencionar que um sistema de 35 horas de trabalho é, para uma indústria e para outras atividades, uma enorme fonte de desestabilização na formação dos turnos de laboração. Quer queira a classe política ou não, hoje em dia, a concorrência tende a ser feita entre fábricas com laboração contínua (7x24h) ou laboração contínua durante cinco dias da semana (5x24h) pelo menos nos estrangulamentos, que normalmente são os centros de carga associados aos maiores investimentos. 
Logo, o número de horas de trabalho semanal dividido por 5 é bom que seja um número que, multiplicado por um dígito inteiro, dê 24, o número de horas de trabalho que se pretende laborar por dia. Aqui reside a grande vantagem da semana de trabalho de 40 horas, porque com três turnos de 8 horas cada completa-se facilmente o dia de trabalho. 
Normalmente fazem-se começar os turnos às 0, às 8 e às 16 horas. Se, pelo contrário, trabalharmos 35 horas semanalmente, vemos que em cada um dos três turnos de 7 horas falta uma hora, ou seja, faltam 3 horas de trabalho diário – detalhe que é tudo menos despiciendo, atendendo aos impactos que tal acarreta nos custos de produção, devido ao pagamento de horas extraordinárias ou ao recrutamento de pessoal adicional para trabalhar um número limitado de horas, situação que não é interessante nem para o empregado nem para o empregador. 
Só defende um regime laboral de 35 horas semanais quem anseia por maior pobreza no país e, por isso, os países da Europa ocidental com balança comercial positiva sempre defenderam, no passado recente, a utilização de sistemas de laboração com 40 horas semanais. 
Relativamente à utilização da semana de trabalho de 35 horas no setor público estatal, parece-me tratar-se de uma reforma do Estado pela negativa, em que as contas podem ser muito bem cozinhadas para efeitos de apresentação ao povo, mas em que todos os contribuintes mais tarde ou mais cedo serão chamados a pagar os custos adicionais que tal acarreta. 
Vive-se hoje no país uma ameaça profunda à existência de uma situação económica equilibrada que possibilite a implementação de estratégias de crescimento e existe ainda um fosso cada vez maior entre os cidadãos e a classe política dirigente, pelo que a sociedade civil devia fazer ouvir as suas opiniões relativas aos problemas que mais a afetam. 
Perguntas, subscrições e quaisquer outros assuntos relacionados com o manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade” podem ser tratados através do e-mail
Fernando TEIXEIRA MENDES
Gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Investimento público - mais do mesmo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
As diferentes clientelas do poder político utilizarão a sua influência para concretizar projetos de interesse pessoal e deixarão Portugal ainda mais pobre do que já está.
Investimento público - mais do mesmo
O programa de investimentos e apoios diversos desenhados pelo governo, que prevê gastar 10 500 milhões de euros em quatro a cinco anos, em grande parte com origem nos fundos comunitários, representa a continuidade do pensamento de governos anteriores, segundo o qual o investimento público promoverá o desenvolvimento económico e social do país. Ora isso, podendo ser verdade noutras circunstâncias, não acontecerá agora, seja porque não existe um programa coerente de desenvolvimento, mas uma lista de objetivos em grande parte questionáveis, seja porque não existe nenhuma estratégia que oriente esse investimento, seja porque, mais uma vez, as diferentes clientelas do poder político utilizarão a sua influência para concretizar projetos de interesse pessoal e deixarão Portugal ainda mais pobre do que já está. 
A ideia peregrina de fazer um debate público para influenciar os investimentos a fazer só pode piorar a situação, porque não havendo uma estratégia de crescimento económico, tal debate conduzirá fatalmente a uma enorme diversidade de projetos sem massa crítica para as mudanças necessárias na economia do país. Por exemplo, promover o mercado interno em vez das exportações, gastar mais dinheiro público, ou dos trabalhadores através da Segurança Social, com o objetivo de recuperação do parque imobiliário das cidades - objetivo infelizmente desprezado no passado -, ou a obsessão com as energias renováveis, nomeadamente eólica, são o resultado de algum primarismo estratégico ao serviço das diversas clientelas interessadas apenas em si próprias.
Mesmo os gastos previstos com objetivos meramente sociais, sendo desejáveis e compreensíveis em vista da pobreza existente, não são sustentáveis sem uma forte base de crescimento económico e de criação de empregos, isto é, sem uma nova estratégia e sem um novo modelo económico. De facto, este modelo baseado no investimento do Estado já foi usado no passado recente e falhou economicamente, além de ter promovido o desperdício e a corrupção. 
É por estas e por outras razões que, neste jornal, tem sido enfatizada a necessidade política de desenvolvimento de uma democracia de qualidade, verdadeiramente democrática, com instituições fortes e independentes, de forma a desenvolver em Portugal o pensamento estratégico, o estudo sério dos problemas nacionais e o fim da promiscuidade entre a política e os negócios, fator este suficiente, só por si, para conduzir ao fracasso este novo programa, que corre o risco de repetir os erros do passado e pelas mesmas razões. 
Por outro lado, o hábito de criar objetivos financeiros, para mais previamente divididos por setores, é um erro revelador da ausência de cultura profissional dos governos. De facto, a metodologia correta passa por, primeiro, definir a estratégia de desenvolvimento, depois elaborar os projetos que melhor e de forma mais competitiva possam servir essa estratégia e só depois tratar da melhor forma de financiar cada projeto, tendo em conta as suas prioridades relativas. O debate público tem certamente utilidade, mas principalmente na fase de consensualizar a estratégia e, no final, para criticar a hierarquização das prioridades. 
Este hábito nacional de definir envelopes financeiros para setores concretos, fazendo-o sem estratégia e sem uma visão global das metas de maior impacto no desenvolvimento do país, faz com que o primeiro objetivo a atingir pela burocracia nacional seja gastar o dinheiro de cada envelope, em que o primeiro beneficiário da distribuição do dinheiro é o próprio Estado, central e autarquias, além de incentivar o aparecimento de projetos tão desnecessários como pouco ou nada rentáveis. Para mais, sabendo-se que não existe a tradição de avaliar cada projeto realizado com o dinheiro dos contribuintes portugueses e europeus. 
Em resumo, a intenção do governo de consumir uma tão elevada quantia dos fundos europeus de forma leviana e pouco profissional, para mais quando não existe uma ideia clara e consensual sobre o nosso modelo de desenvolvimento, só pode dar mau resultado. O que terá consequência graves, nomeadamente porque se trata de uma última oportunidade para, no nosso tempo, mudar para melhor o destino coletivo dos portugueses.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

O sectarismo funcional da refundação do CDS


A palavra "refundação", usada muitas vezes como coisa boa, tem um lado detestável: o sectarismo cronológico que consagra. "Antes de", não haveria; tudo só teria começado "depois de". É um sectarismo funcional.

A direcção do CDS anunciou por estes dias uma iniciativa política parlamentar na área da família e da natalidade. É um movimento positivo. Duplamente: primeiro, porque é bom tomar iniciativas; segundo, porque este temário é importante, sendo fundamental colocá-lo regularmente na primeira linha da agenda nacional.

Poderia fazer alguns comentários sobre o seu conteúdo: sobre aspectos fundamentais que omite (nomeadamente, quanto a erros ou falhas do governo PSD/CDS anterior); ou quanto ao impacto de algumas propostas. Talvez venha a fazê-lo, mas não hoje, nem aqui. A iniciativa política é boa.

O que aqui comento é outro aspecto: a afirmação de que o partido só trabalhou estas áreas desde 2007, justamente o ano em que Assunção Cristas entrou no CDS e chegou à sua direcção. A frase exacta, ontem repetida insistentemente em vários boletins de notícias da TSF, é esta: um tema que é "uma preocupação consistente do partido desde 2007".

Quem não se sente não é filho de boa gente.

Fui o presidente do CDS no período exactamente anterior, 2005/07. E quer eu próprio, quer a minha direcção tomámos várias iniciativas na área da família e da natalidade. Começámos a assinalar sempre o Dia Internacional da Família, a 15 de Maio - existe desde meados da década de 90, mas isso nunca fora feito; e assinalava-o quer por cá, quer em sessões que organizava com outros colegas no Parlamento Europeu, onde era deputado. Fiz intervenções e coloquei questões sobre a crise demográfica, no âmbito europeu, algumas vezes em articulação com o meu irmão, que era o presidente da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas e que mais puxou pelo tema "crise demográfica" em Portugal - a partir de 2008, promovi a divulgação e o debate, em Bruxelas e Estrasburgo, dos documentários "Inverno Demográfico", que constituem um importante marco internacional nesta área;  mas isto foi a sequência e o corolário de trabalho desenvolvido desde anos antes. A partir de 2002 e até 2099, fui o vice-presidente do Intergrupo para a Família e a Criança (extinto depois de ter saído do Parlamento Europeu), onde os temas Família e Natalidade foram abordado regularmente, preparando debates ou entradas em relatórios. Em 2003, deputado europeu do CDS, patrocinei e fiz financiar a tradução e a divulgação de um relatório muito crítico sobre políticas e práticas muito negativas do UNFPA, que têm afectado a família e a natalidade em vários países do mundo. Em 2005, como Presidente do CDS, preparei e fiz aprovar a Carta do Autarca Democrata-Cristão, que tinha um capítulo próprio sobre "Autarquias Amigas da Família" - esta Carta do Autarca, que poderia ir sendo acrescentada e melhorada, foi, entretanto, a pouco e pouco, jogada no lixo pela direcção que me sucedeu (sinal do mesmo "sectarismo funcional"), embora algumas das suas ideias e orientações permanecessem, sem menção de fonte e de origem. No final da minha presidência, iniciámos um novo instrumento de informação e reflexão política: um "Boletim Económico" (do CDS), quinzenal, muito bem feito, embora com meios rudimentares, pelo Fernando Paes Afonso com o Miguel Morais Leitão. O primeiro número desse Boletim foi nem mais, nem menos do que sobre uma análise cuidada da evolução da demografia em Portugal e das suas consequências para a economia - o que, para a época, era uma abordagem inteiramente "revolucionária".

É verdade que, na direcção que me sucedeu, Assunção Cristas foi escolhida para liderar um Grupo de Missão sobre Natalidade, que apresentou um Relatório em Novembro de 2007. Este relatório é uma base de referência positiva, sem dúvida. Mas daí a dizer que é o começo da História...

Um dos aspectos mais caricaturais do "portismo" é a tendência irreprimível para o a.P./d.P. - antes de Portas, depois de Portas - em que todos os biógrafos oficiais e outros divulgadores avençados têm de mostrar-se suficientemente adestrados: antes de mim, as trevas; depois de mim, o dilúvio. É certo que Assunção Cristas e a sua direcção não terão razões para temer o "portismo", que os não vê como dilúvio, mas como continuidade - os mais fervorosos adeptos de Paulo Portas e de Assunção Cristas vêem-no como S. João Baptista do "cristanismo". Porém, Assunção Cristas deverá, ao menos, na continuidade em que se inscreve, reparar e eliminar os seus traços egocêntricos mais negativos. Um partido aberto e verdadeiro não é assim.

A História não começou em 2007. O sectarismo funcional nunca presta; faz mal.

O CDS tem, desde sempre, um longuíssimo compromisso com a Família e a Natalidade. É mesmo uma sua marca matricial. Citei acima algumas coisas que fiz e em que intervim, mas conheço outras de muito antes. Em matéria de Família, lembro-mede outras desde a fundação do partido em 1974 e até aos inícios dos aos '80. E, quanto à Natalidade, o CDS foi sempre, que me lembre, um olhar desperto, um espírito atento e uma voz de alerta e proposta.

José Ribeiro e Castro

terça-feira, 12 de abril de 2016

Azeredo Lopes

Azeredo Lopes, ministro da Defesa Nacional
Devo dizer que gosto de Azeredo Lopes. Costumava apreciar o que escrevia em crónicas de imprensa e conheço a importante carreira de serviço público e de intervenção cívica que já desenvolveu. E certamente prosseguirá.
Porém, nunca damos para tudo. E alguns factos recentes na área da Defesa Nacional, que é a sua pasta ministerial, criaram um imbróglio lamentável e abriram um conflito que será muito, muito difícil superar.
Quando foi da "crise das bofetadas", aberta por João Soares, admiti que o primeiro-ministro pudesse fazer uma remodelação, deslocando Azeredo Lopes para a Cultura (para que tem perfil e experiência) e encontrando outro titular para a Defesa, com maior experiência e conhecimento no relacionamento com a instituição militar. Seria uma forma airosa de interromper um problema que só pode acastelar-se. Assim... vamos ver.
Critico a forma como, publicamente, tirou o tapete às chefias do Exército e as colocou quase sob ultimato, a propósito de umas putativas homossexualidades em jovens alunos do Colégio Militar. É o que se chama uma tempestade num copo de água: na realidade não houve nada; apenas umas declarações sobre hipóteses abstractas, num contexto geral da vivência do colégio e do seu corpo de alunos. O ministro agiu, talvez sob pressão política interna da geringonça, sem ponderar nada: nem a hierarquia militar; nem as exigentes responsabilidades da direcção do Colégio Militar; nem a imperativa lealdade e lisura da relação entre a tutela ministerial e a instituição militar; nem o facto de os alunos do Colégio serem jovens e até muito jovens, todos menores de tenra idade; nem a circunstância do particular rigor e atenção que são impostas pelo regime de internato escolar. Nada. O preconceito da agenda LGBT radical soou mais alto e soprou o vendaval do costume.
Lamento a demissão do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Carlos Jerónimo, seguida já, ao que parece, também da demissão também do Vice-Chefe, General Pereira Agostinho. Saúdo, porém, a sua dignidade e o alto sentido institucional, que só será de estranhar e lamentar se não tiver eco mais vasto.
Enfim, considero deplorável o comportamento dos partidos políticos, assim como de outros responsáveis. À excepção do BE e da sua agenda, o silêncio é tão notório e tão lamentável, que não chega falar de política de avestruz; é mais política de minhoca ou toupeira.
A coisa é, aliás, mais caricata, quando logo explodiram críticas e se multiplicaram comentários, nas redes sociais, contra o facto de o ministro Azeredo Lopes ter aparecido, há dias, a passar revista a militares em formatura... trajando sem gravata e de colarinho aberto. Está mal que o ministro tenha feito isso - os militares são educados  no aprumo e no rigor do trajar. Mas o facto de a falta de gravata "enfurecer" os críticos, ao mesmo tempo que se calam sobre o incidente em torno do Colégio Militar, diz muito da falta de coragem, falta de sentido de grau e de medida, falta de clareza e falta de capacidade de acção política. Uma lástima fanfarrona. Faz-me lembrar a invasão de Ronald Reagan à ilha de Granada para lavar a honra norte-americana ferida no desastre vietnamita...
Hoje, o PSD deu sinal de questionar o ministro. Vá lá... do mal , o menos. Vamos ver o que acontece, que anda tudo cheio de medinho.
O ministro da Defesa Nacional, há dias,
passando revista a tropas em parada


ACTUALIZAÇÃO: Afinal, o Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército não apresentou a demissão. É este o teor de um esclarecimento público. Tratou-se de uma precipitação noticiosa.

A margem de erro

Sondagem AXIMAGE - Abril 2016

Surpreendeu-me a excitação provocada nalguns círculos à direita pela última sondagem da Aximage, publicada pelo Correio da Manhã e pelo Jornal de Negócios.
 
Devo dizer que, da minha experiência, habituei-me a respeitar as sondagens da Aximage: são as que erram menos e acertam mais. A minha reserva não é, portanto, por desconfiança; mas por não ver nos números quaisquer motivos para festas. Os comentários festivos e celebratórios, porém, abundaram.
 
Racional e objectivo foi Nuno Garoupa, que, num post no Facebook, comentou: «tudo na mesma seis meses depois das eleições... os 38,6% do PàF dividem-se agora em 33,5% do PSD e 4,3% (sic) do CDS.» E, na verdade, se formos ver os números da sondagem do mês anterior, o quadro é substancialmente o mesmo: então, os 38,6% do PàF dividiam-se por 36,1% do PSD e 2,2% do CDS.
 
Em resumo: a coisa não mexe.
 
Olhando ainda aos números, não vejo que alegria se possa sentir no PSD por baixar de 36,1% para 33,5%, nem tão-pouco no CDS por "subir" de 2,2% para 4,2%. Será que ter previsões de 4,2% são motivo de festa? Ou antes motivo de preocupação?
 
Nem os números pessoais de Assunção Cristas (13,1 pontos, numa escala de 20) servem de consolação, mesmo comparando com a última avaliação anterior de Paulo Portas (apenas 6 pontos). Primeiro, normalmente, os novos líderes recebem sempre primeiras avaliações muitos positivas, que, depois, entram em declínio - é, portanto, indispensável aguardar pela evolução nos próximos meses. Em segundo lugar, estas avaliações dizem muito pouco - Paulo Portas, por exemplo, que, na Aximage, via sucederem-se as avaliações negativas, aparecia, quase sempre, em alta no painel da Eurosondagem. E, terceiro, a "popularidade" dos líderes pouco ou nada tem a ver com a votação atribuída aos partidos, como podemos confirmar por todos os casos apresentados neste mesmo exemplo concreto.
 
Mais importante - e objectivo - é atentarmos, quanto ao CDS, na margem de erro da sondagem. A margem de erro apresentada na Ficha Técnica é de 4,0%. Ou seja, o CDS tanto pode ter subido como descido face à sondagem anterior. No anterior inquérito, tanto podia valer 6,2% como ter passado para abaixo de zero. E, neste, tanto pode valer 8,2% como 0,2%, ou qualquer valor intermédio.
 
É muito arriscado - e um bocadinho tolo - querer tirar conclusões de sondagens quanto a partidos com baixa expressão numérica. E festejar estes números, quanto ao CDS em particular, só pode partir de quem queira mal ao CDS.
 
O CDS continua a aparecer como o quinto partido, o que é muito mau. Foi aí, aliás, que a direcção anterior o deixou: lanterna vermelha parlamentar.
 

domingo, 10 de abril de 2016

O ano de todos os perigos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído na passada sexta-feira no jornal i
As coisas desmoronam-se, o centro não aguenta, a anarquia está à solta no mundo, aos melhores falta convicção, enquanto os piores estão cheios de paixão intensa…

O ano de todos os perigos
O ano de 2016 já corre acelerado, passamos do inverno para a primavera sem nos darmos conta de como a vida passa rápido, mas ainda há muito ano para viver e muitos cabos das tormentas para dobrar.

Há dias, Nouriel Roubini, o mago que “adivinhou” a crise de 2008, escrevia no site Project Syndicate um curto artigo intitulado “2008 revisited?”.

Também no Project Syndicate, Anatole Kaletsky escreveu um artigo intitulado “When things fall apart”, em que nos remete para os versos de W. B. Yeats, “The Second Coming”:
“Things fall apart; the center cannot hold/ Mere anarchy is loosed upon the world…/ The best lack all conviction,/ while the worst are full of passionate intensity…”
“As coisas desmoronam-se; o centro não aguenta/ A anarquia está à solta no mundo.../ Aos melhores falta convicção,/ enquanto os piores estão cheios de paixão intensa…”
Esta é a verdade. As coisas desmoronam-se ou podem desmoronar-se facilmente.

Roubini identifica vários perigos potenciais:

A crise da Eurozona, um possível Grexit, uma aterragem violenta da economia chinesa e o seu possível impacto nas bolsas mundiais.

Os sérios problemas que enfrentam os mercados emergentes, que decorrem do menor crescimento da economia chinesa, a queda dos preços das commodities (petróleo, minérios, etc.) que conduzem a um défice gémeo das balanças de pagamentos e orçamentos (ver o caso do Brasil), inflações em aceleração e baixo crescimento económico ou mesmo recessão;

A emergência de graves riscos geopolíticos, dos quais o mais evidente é a completa desestabilização do Médio Oriente;

A queda dos preços de produtos de base como o petróleo, que provoca a queda das bolsas mundiais, bem como subidas súbitas dos spreads para os países menos desenvolvidos e mais dependentes desse tipo de exportações e, portanto, maiores riscos de incumprimento por parte desses países;

A situação aflitiva da banca mundial, confrontada com incumprimentos sucessivos, queda acentuada de lucros, políticas de juros negativos por parte de alguns bancos centrais (Europa, Japão) e as resoluções bancárias através do bail-in dos accionistas e credores institucionais, que põe uma pressão adicional na obtenção de crédito;

Finalmente, a Europa, que pode entrar em erupção a qualquer momento, entre a crise grega, a situação problemática dos seus bancos, a crise dos refugiados e a pressão que está a causar no sistema Schengen, com a concomitante subida de movimentos nacionalistas, a possível saída do Reino Unido da União Europeia, a pressão russa nas fronteiras europeias…

Como se não bastasse este quadro de fundo deprimente, Portugal, que é um pequeno país à escala europeia, tem ele próprio problemas intrínsecos, endógenos, relacionados com a estabilidade do seu sistema político, a sua economia anémica, os riscos orçamentais criados pelo actual governo, que fazem antever a possibilidade real de nos mantermos em incumprimento das normas europeias, para além de um completo bloqueio das soluções que nos permitiriam ultrapassar esta situação.

Esse bloqueio tem duas origens: uma Constituição datada, que parece não permitir qualquer evolução, e um sistema político bloqueado entre dois contendores principais que dizem o contrário um do outro, consoante estejam no governo ou na oposição.

A qualquer momento, qualquer um dos riscos enunciados pode verificar-se e iniciar-se um processo de desmoronamento da economia mundial a que só os mais fortes sobreviverão sem traumas sérios. Em relação a esses riscos não podemos fazer nada, ainda que nos fosse possível um diálogo maior e mais interventivo com os nossos parceiros europeus em situação mais parecida com a nossa.

Mas há coisas que só dependem de nós: disciplinar as contas públicas, ter uma estratégia coerente e consistente para baixar a dívida pública de forma significativa, vigiar de forma eficiente e atenta o sistema bancário para evitar novas destruições de valor pagas pela comunidade no seu todo, lançar um conjunto de reformas coerente que liberte as forças produtivas do país do colete-de-forças das “taxas e taxinhas” e “regras e regrinhas” com que lidam, no seu desespero, as pequenas e médias empresas que fazem o essencial do tecido produtivo do país.

Os sinais estão todos aí e chegou a altura de os “melhores” se dotarem de forte “convicção” e vencerem “os piores”, cuja “paixão intensa” ameaça Portugal e o mundo. Sem forte convicção e espírito de patriotismo capaz de ultrapassar diferenças de mero interesse pessoal, não vejo como seja possível resistir e vencer.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

terça-feira, 5 de abril de 2016

"Offshores", a caverna de Ali Babá


Surpreende como a vida traz de volta e com impressionante realismo os contos da infância. A história de "Ali Babá e os 40 Ladrões" começa assim:
 
«Chegaram àquele lugar quarenta homens muito fortes e bem armados de espadas, com caras de poucos amigos. Ali Babá os contou e concluiu que eram quarenta ladrões. Os homens desapearam dos cavalos e puseram no chão sacos pesados que continham ouro e prata. O mais forte dos ladrões, que parecia ser o chefe, aproximou-se da rocha e disse:
— Abre-te, Sésamo !
 Assim que essas palavras foram pronunciadas, abriu-se uma porta na caverna. Todos passaram por ela e entraram na caverna, e a porta se fechou novamente. Depois de muito tempo, a passagem da caverna voltou a se abrir, e por ela saíram os quarenta ladrões. Quando todos estavam fora, o chefe disse: 
— Fecha-te, Sésamo ! 
Os bandidos colocaram os sacos em suas montarias e voltaram pelo mesmo caminho pelo qual tinham vindo. Ali Babá os seguiu com os olhos até desaparecerem. Quando se viu em segurança, e ninguém por perto, desceu da árvore, dirigiu-se à rocha e disse: 
— Abre-te, Sésamo ! 
A porta se abriu e Ali Babá ficou sem palavras diante do que seus olhos viram: uma grande caverna cheia dos tecidos mais finos, tapetes da Pérsia, belíssimos,  e uma enorme quantidade de moedas de ouro e prata dentro de sacos. »
 
Estamos, nestes dias, a ser inundados por revelações escaldantes do mundo dos offshores, obtidas a partir de uma firma de advogados do Panamá, os "Panama Papers". Ora, o efeito mais sério destas revelações é o descrédito completo do sistema financeiro (que já estava bastante abalado) e a desconfiança máxima no sistema político nacional, europeu e global, se nada de verdadeiramente modificador for feito.
 
Na verdade, isto é aquilo que os poderes sempre souberam e que os comuns não sabiam. E convém ter presente que estas revelações panamianas são apenas uma gota de um oceano muitíssimo maior.
 
Um professor de Economia meu amigo comentou-me o caso assim: «Oh! Todos sabem disto, todos sabem. Isto é o mesmo que entrar num banco e revelar o dinheiro que cada um lá tem depositado.» E, de facto, é assim. Em síntese: nada disto aconteceria se os bancos o não movimentassem e, portanto, se os sistemas políticos o não permitissem. O que o mesmo é dizer: isto acabará se os bancos quiserem (ou a tanto forem obrigados) e os poderes políticos obrigarem.
 
Deixemo-nos, portanto, de fantasias. Estes poços de traficâncias e de corrupção só serão encerrados ou regularizados, se a política assim o decidir de uma vez por todas. Isto é a consequência de anos consecutivos de esconderijo, de dissimulação e de impunidade, em que uns foram seguindo outros até à caverna de Ali Babá.
 
Atingimos um patamar caótico. Seria bom que este fosse o golpe final num sistema completamente podre.
 
É bastante pueril a alegria excitada que vibra por aí com a demissão do primeiro-ministro islandês, David Gunnlaugsson. Não é só ele que está em causa. São todos os primeiros-ministros do mundo inteiro, diante do olhar curioso e exigente da opinião pública mundial.
 
Se não fizerem o que devem, impondo a reforma radical e saneadora do sistema, tudo não passará de música celestial.
 
«Abre-te, Sésamo!» - é o que é preciso. De uma vez por todas.