quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Uma visão crítica do recente Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) sobre o regime de convergência dos sistemas de pensões

(as nossas cabecinhas estão como o quadro atrás...)
O recente Acórdão nº 862/2013, sobre a convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social, já deu muito que falar, sobretudo num sentido de completa concordância com o mesmo.

Lamento dizer, mas eu discordo desse Acórdão, pelas razões que passo a explicar:

Desde logo, quando a explicação de uma solução jurídica é tão bizantina que faz apelo a mil e um raciocínios e minudências, alguma coisa estará errada…

Na verdade, o Acórdão em questão pronuncia-se sobre uma Lei da AR em termos de considerar que essa lei viola do princípio da protecção da confiança legítima, que o TC faz decorrer do artigo 2º da Constituição (Estado de Direito).

Como é que aí chega? Enquadrando em primeiro lugar a redução de 10% em determinadas pensões pagas pela CGA como um possível contributo excepcional para o sistema e não como uma forma de tributação especifica sobre certas categorias de contribuintes.

Para o TC esse contributo é portanto admissível e é nesse âmbito que enquadram a medida (sendo o sistema previdencial um sistema de repartição, em que as pensões são suportadas pelas contribuições dos trabalhadores no activo e respectivos empregadores (denominado pay-as-you-go), no caso das contribuições serem insuficientes para pagar as pensões, os princípios da solidariedade e da justiça intergeracional (cfr. artigo 8.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro) também podem justificar o esforço contributivo dos actuais beneficiários. .. Assim, poderia concluir-se que a redução de pensões assumia a natureza de contribuição para a segurança social, um tributo de natureza idêntica às quotizações que efectuam os actuais subscritores e futuros pensionistas).

O TC admite, de seguida, a possibilidade de ser alterado o quantitativo da pensão paga, em função das reais possibilidades pagadoras do sistema (… a concretização legislativa dos direitos sociais é levada a cabo pelo legislador em função dos recursos disponíveis em cada momento histórico. Este argumento é reforçado: “como afirma Gomes Canotilho, uma tese de “irreversibilidade de direitos sociais adquiridos” deve entender-se “com razoabilidade e com racionalidade, pois poderá ser necessário, adequado e proporcional baixar os níveis de prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio direito social”. Nesta perspectiva, a própria garantia da manutenção do conteúdo mínimo do direito à pensão pode exigir a diminuição do seu montante, de forma a preservar recursos para a manutenção desse núcleo essencial.).

Nesta linha, o TC afirma mesmo que “afirmar o reconhecimento, autónoma e imediatamente decorrente do texto constitucional, do direito à pensão, não significa que se possa afirmar o direito a uma determinada pensão”.

Ou seja, o nosso TC não reconhece no direito à pensão o valor substantivo de direito equivalente a direito de propriedade, que por exemplo o TC Alemão entende existir: “o legislador não está proibido de alterar a forma como materializa o direito à pensão, podendo alterar ou até mesmo reduzir o seu montante, tendo em consideração a evolução das circunstâncias económicas ou sociais”.

É claro que para o TC, esta possibilidade está limitada: “apesar de um inequívoco reconhecimento de que o legislador possui liberdade para alterar as condições e requisitos de fruição e cálculo das pensões, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de respeitar vários limites constitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princípio do Estado de Direito. Deste modo, as alterações que o legislador pretenda levar a cabo têm de se fundar em motivos justificados – designadamente a sustentabilidade financeira do sistema –, não podem afectar o mínimo social, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, e da protecção da confiança.”

Continua o TC, dizendo que no caso presente “Estamos perante um dos casos em que a lei se aplica para o futuro a situações de facto e relações jurídicas presentes não terminadas, modalidade de retroactividade que a doutrina chama de «retroactividade inautêntica» ou «retrospectiva».”.

É neste ponto que o TC entende que “o princípio da protecção da confiança pode pois ser mobilizado nas situações da chamada retrospectividade, ainda que o valor jurídico da confiança possa ter aí um menor peso do que nas situações de verdadeira retroactividade”, acrescentando - ponto determinante - que “A metodologia a seguir na aplicação deste critério implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas.”.

Desta forma, o TC procede à ponderação dos interesses contrapostos, desde logo, a questão da sustentabilidade do sistema: “Com efeito, invoca [a lei] que o desequilíbrio financeiro estrutural da CGA, com um défice anual que ascende a 2,6% do PIB, e que é coberto por transferências do Orçamento, em cerca de 60% das prestações pagas anualmente, associado à situação de emergência económica e financeira em que o país se encontra, torna a situação insustentável, exigindo medidas como as constantes das normas questionadas.”.

O nosso TC considera mesmo que Os interesses públicos conexos com a sustentabilidade do sistema público de pensões, a justiça intergeracional e a convergência do regime de pensões da CGA com o regime geral da segurança social anteriormente analisados são consonantes com os princípios directores de uma eventual reforma estrutural do mesmo sistema concebida de harmonia com o programa constitucional plasmado no artigo 63.º da CRP.”, mas, de seguida analisa esses «interesses públicos» para os desclassificar.

Considera, por um lado que “É inequívoco que os destinatários das normas questionadas são titulares de um direito à pensão já constituído e consolidado na sua esfera jurídica e que dispõem de expectativas legítimas de receberam mensalmente o montante da pensão a que têm direito”, e que “os destinatários da medida em causa têm vindo, desde o momento da reforma, a gerir o seu dia a dia com base num determinado rendimento, que tinham para si como um rendimento fixo, já que o nosso sistema actual é baseado no sistema de benefício definido, em que se garante a cada pensionista uma taxa fixa de substituição sobre os vencimentos de referência (cfr. Acórdãos nºs 353/12 e 187/2013). Tendo em conta esse rendimento fixo, e acreditando na estabilidade do mesmo, os pensionistas poderão mesmo ter assumido diversos compromissos que se podem tornar inviabilizados com tal medida, deixando-os assim na impossibilidade de cumprir os mesmos.”

Consequentemente, “a redução das pensões operada através do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII é uma medida regressiva que mina a confiança legítima que os pensionistas têm na manutenção do montante de pensão que foi fixado com base na legislação vigente à data em que se aposentaram.”

Face a isto, o TC entende que cumpre “saber se o interesse público na diminuição das transferências do Orçamento do Estado em vista do financiamento do défice estrutural da CGA – pois é nisto que se cifra a consolidação orçamental operada pelo artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII - justifica a redução das pensões dos beneficiários da mesma CGA”, entendendo que “a resposta não pode deixar de ser negativa”.

O facto de a resposta não poder deixar de ser negativa deve-se a que a Lei em questão enferma de vários erros de fundamentação quanto às suas razões e fundamentos de facto - no entender do TC - não conduzindo à solução que o Governo defende, mas a outra que o TC entende que é aquela que se vai verificar (por exemplo “não se afigura que as normas questionadas conduzam a uma efectiva e real convergência”).

Entrando na fundamentação de facto da reforma, entende o TC que “Na verdade, uma solução «isolada» e em contradição com o princípio da responsabilidade colectiva pelo sistema, não é uma solução adequada à unidade do sistema, nem é capaz de assegurar, só por si, a necessária equidade”, e que A medida em causa traduz-se numa medida avulsa, isolada, ad hoc, que se concretiza numa simples ablação abrupta do montante das pensões. Ela não se insere num contexto de reforma sistemática, não sendo enquadrada em medidas estruturais que se preocupem em assegurar, de forma transversal, o interesse da convergência a outros níveis.”.

Também o modo como a reforma cumpriria os seus efeitos, (“a transição de regimes acelera e consuma com efeitos imediatos (designada na doutrina por “one shot”) a convergência entre os dois sistemas”) merece a critica do TC, “Quer dizer: mesmo medidas susceptíveis de satisfazer adequadamente os interesses públicos apontados exigiriam sempre, para uma justa conciliação com as expectativas dos afectados, soluções gradualistas que atenuam o impacto das medidas sacrificiais.

Em suma: “a violação das expectativas em causa – especialmente relevantes, atento o facto de assentarem em pensões já em pagamento, e atento ainda o universo de pessoas abrangidas –, só se justificaria eventualmente no contexto de uma reforma estrutural que integrasse de forma abrangente a ponderação de vários factores. Só semelhante reforma poderia, eventualmente, justificar uma alteração nos montantes das pensões a pagamento, por ser acompanhada por outras medidas que procedessem a reequilíbrios noutros domínios. Uma medida que pudesse intervir de forma a reduzir o montante de pensões a pagamento teria de ser uma medida tal que encontrasse um forte apoio numa solução sistémica, estrutural, destinada efectivamente a atingir os três desideratos acima explanados: sustentabilidade do sistema público de pensões, igualdade proporcional, e solidariedade entre gerações.”.

E, em suma, digo eu: a violação do principio da protecção da confiança legitima, assenta para o TC não na ablação de uma parte do valor das pensões, mas antes na FORMA como o Governo procurou cumprir esse desiderato, ou seja, o TC não concorda com a forma como o Governo entende governar e acha que devia governar de outra maneira.

Eu fico aterrado: um tribunal constituído de juízes não eleitos por ninguém, pretende impor à AR uma visão sobre aquilo que entende ser a forma de governar o País. 

Vou repetir: o que determinou o chumbo da lei, ao contrário do que o bando de comentadores analfabetos pretende, não é a violação de um qualquer princípio fundamental inscrito no bronze da CRP, essa Lei de Ouro que os magalas de Abril nos impuseram. Não! O que para o TC é repelente é a forma como o Governo propôs cumprir o objectivo, a forma como pretende governar.

Muito haveria para dizer sobre a invocação do princípio da protecção da confiança legitima, um dos princípios liberais mais obviamente violados - e à descarada - em Portugal desde o 25 de Abril. 

Mas não é disso que se trata: do que se trata é que o TC discorda da forma como o Governo governa e, pior do que tudo, eu acho que houve Juízes (que são visivelmente pouco aptos) que nem se deram conta do que subscreveram…

Temos assim um Governo de juízes, que vai atrás de chavões da oposição de esquerda e se pretende opor em definitivo à forma como o Governo governa. 

No ano passado, por exemplo, o mesmo grupo de togados entendeu que a Contribuição Especial de Solidariedade, que já vai no 2º ano e é um roubo, não violava princípio nenhum…!

Estamos tramados!

Bom Natal para todos!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Um Herói e um Santo


Não vale a pena dizer que há santos, se não considerarmos Mandela um Santo.

Um Santo e um Santo Milagroso. O que pode ser dito da forma como conseguiu, pela força do seu carisma, transformar um país racialmente dividido da forma mais perniciosa, numa nação multirracial onde pode haver lugar para todos?

Antes de Mandela, a solução à vista para a África do Sul passava ou por uma guerra incivil entre brancos e negros, ou por essa guerra antes ou depois de os brancos criarem o seu próprio bastião territorial, para o que ainda tinham exército e força.

Depois de Mandela, aquilo que antes parecia impossível tornou-se a realidade dominante. É um milagre ou não?

Nunca fui dos que achavam a África do Sul branca uma entidade diabólica: bem entendo esses brancos, que lutaram contra os Ingleses para ter o seu próprio país, construíram uma nação forte e poderosa na qual viviam bem e tinham as suas vidas enraizadas, e olhavam com horror para a África pós-colonial e para o desastre em que ela se tornou.

Esses brancos não eram europeus imigrados, eram africanos, tanto como os negros, e bem sabiam que no dia em que a «sua» nação colapsasse o destino seria o de vaguear por esse mundo, sem uma casa a que pudessem chamar sua.

Viviam, aliás, numa sociedade que para os brancos era livre e democrática.

Mas como é evidente, a tribo branca sul-africana teria de entender que 3 milhões de sul-africanos não podiam eternamente impor as suas soluções a 20 milhões de sul-africanos negros.

A verdade, também, é que sem De Klerk, o Presidente branco, talvez todo o carisma de Mandela não tivesse chegado para fazer um milagre.

Por isso, também De Klerk recebeu o Nobel da Paz.

Mas a verdade é que, se o perdedor era De Klerk, o vencedor é que tinha contas a ajustar e uma vida de prisão para ressarcir. A imensa grandeza de Mandela permitiu-lhe ser maior que as circunstâncias, ultrapassar rancores e animosidades pessoais, perseverar e vencer a batalha da sua vida, que era a batalha do povo Sul-Africano.

Como disse alguém, Nelson Mandela permitiu-nos voltar a ter esperança na bondade dos seres humanos. Já não é pequeno milagre.


domingo, 1 de dezembro de 2013

"O dia mais de todos de entre todos os dias de Portugal"

Deixo aqui o discurso que proferi, há minutos atrás, na Praça dos Restauradores, nas comemorações do 1º de Dezembro, no período dedicado à Homenagem aos Heróis da Restauração.

Discurso do coordenador-geral do M1D
José Ribeiro e Castro
Cerimónias oficiais do 1º de Dezembro
Lisboa, Praça dos Restauradores
1 de Dezembro de 2013


Cá estamos de novo, com uma gratidão que nunca conseguiremos pagar à Sociedade Histórica da Independência de Portugal e à Câmara Municipal de Lisboa, por manterem ininterruptas desde há mais de 100 anos as comemorações oficiais nacionais desta data fundamental do nosso calendário. 
O 1º de Dezembro é o dia da nossa liberdade: não da liberdade individual, da liberdade de cada um; mas da nossa liberdade colectiva nacional, da liberdade de todos. Sem este dia, não seríamos. 
Não é demais repetir o grito do Presidente da Sociedade Histórica há dois anos, confrontado com a lamentável intenção do Governo de acabar com este feriado: o 1º de Dezembro é a data sine qua non, a data sem a qual Portugal livre, independente e soberano teria terminado. Não deixaremos que seja assim. Nem que nos tirem a liberdade, nem que nos tirem a data oficial para a afirmarmos e celebrarmos. Começa-se sempre a deixar-se de ser livre no dia em que se perde a consciência disso – e do muito que custou.
Depois de terem apagado este dia, eliminando a solenidade nacional, é curioso ver alguns precipitarem-se, agora, para equiparar a situação actual do país à de 1640; e quem aprecie repetir, dia sim, dia sim, que estaríamos até num quadro de “protectorado”.
É facto que o país, mercê do endividamento desmesurado que acumulou, da dependência que como devedor insolvente contraiu e da assistência externa que teve de contratar, se encontra numa situação deplorável de soberania diminuída e limitada. Acontece a todos os falidos. E é também verdade – como sempre alertámos – que, se nunca há uma boa altura para acabar com o 1º de Dezembro (o único feriado em que celebramos o valor fundamental da independência nacional), este tempo desgraçado e acabrunhado foi um momento particularmente desastrado para o fazer. Este tempo reclama, ao contrário, que exaltemos todas as referências que puxem pelo nosso sentido gregário, que alimentem o nosso patriotismo, que fortaleçam a vontade e o brio em sermos livres, confiantes, de cabeça erguida e passo firme.
Mas o paralelo acaba aí, no fortalecimento caloroso de sentimentos e emoções nacionais, que são indispensáveis à travessia dos tempos de crise e ao triunfo sobre a crise.  A imagem do protectorado é engraçada e sugestiva uma vez; mas é errada se repetida como mote ou estribilho. Nós não estamos sob protectorado. Isso não é tecnicamente correcto. E, se fosse verdadeiro, seria ainda pior.
O meu professor de Direito Internacional Público ensinou-me que o protectorado é uma situação de acordo entre Estados soberanos, em que o “protegido” perde para o “protector” a direcção das suas relações internacionais e de defesa, ficando subordinado à sua esfera, mas mantém instituições próprias e governo interno. Ora, poderíamos dizer que a situação de Portugal é exactamente ao contrário, pois fomos intervencionados não por um Exército, mas pelo Orçamento: aquilo em que mantemos soberania e liberdade são a política externa e de defesa, embora no quadro dos sistemas de alianças a que pertencemos; e onde estamos diminuídos na nossa soberania é exactamente em todas as áreas de governo interno, por isso que brutalmente condicionadas pelos constrangimentos orçamentais do grande devedor fragilizado em que Portugal se tornou.
É errado excitarmo-nos com paralelos com 1640, como se a situação actual do país fosse um outro 1580. Não é. Nós não fomos invadidos, nem estamos ocupados. Não houve nenhum questão sucessória que nos pusesse sob tutela. Não houve nenhuma batalha que, ao perdê-la, nos submetesse. A troika não é a Duquesa de Mântua e, se está cá, é porque a chamámos para nos socorrer da nossa insolvência. 
O perigo desses paralelismos ligeiros, quando levados além do estímulo saudável ao nosso brio e à nossa vontade nacional livre, é apagarem a nossa própria responsabilidade. E, nessa medida, não ajudarem a libertar-nos, mas arrastarem a nossa decadência.
Os “invasores” que nos conduziram à difícil situação em que estamos somos nós próprios. Fomos nós mesmos que nos invadimos; fomos nós mesmos que nos colocámos neste buraco. E somos nós também que dele temos de sair. 
Os nossos “invasores” são os que nos endividaram para além do tolerável: o Estado, o sistema financeiro, outros ainda. Não é boa política gritar contra estrangeiros, quando o mal está cá dentro – e temos de o superar e resolver pela reforma do Estado e reorientação da economia. Não é sensato culparmos estrangeiros em vez dos nossos maus governos, por cuja eleição só nós somos responsáveis. 
Não é boa política denunciarmos um falso “protectorado” para, de facto, agirmos como um “acocorado”. Na União Europeia, nós somos um Estado igual, um Estado igual a todos os outros, um parceiro de todos os demais, um pilar de uma construção comum. Não há protectorados na União Europeia: não há Estados directores e Estados vassalos. O discurso lamuriento do “protectorado” impede e bloqueia aquela política europeia assertiva de que precisamos há tanto tempo: uma política para a Europa, uma política para Portugal.
O 1º de Dezembro é o dia certo para o lembrarmos. Este dia em que reafirmamos, briosos, a Nação livre e independente dos portugueses é também o dia em que podemos afirmar, sem embaraço, nem contradição, a vontade de construirmos e defender a União Europeia como União de Estados-Nação, efectivamente iguais entre si, livres e independentes, solidários e coesos.
Recordo duas ideias fundamentais que temos afirmado:
O 1º de Dezembro não é um dia contra ninguém; é o dia a nosso favor. 
Este dia não é propriedade de ninguém. Este dia é de todos – é o dia mais de todos de entre todos os dias de Portugal. 
Ao revigorarmos aqui,  no dia de hoje, com o projecto das bandas filarmónicas e o projecto das Tunas académicas, no cenário da Avenida da Liberdade, dos Restauradores e do Rossio, o carácter popular e a inspiração jovem das celebrações anuais deste “novo 1º de Dezembro”, sabemos que esta é a melhor forma de concretizarmos a absoluta determinação do nosso Movimento: “Pedimos desculpa por esta interrupção; o feriado segue dentro de momentos.”
Termino como ontem à noite:
Pedimos a Deus que nos proteja e a Portugal: que nos guarde, que nos inspire; que guarde e inspire os nossos filhos e netos por muitos séculos por diante.Olhamos o futuro com confiança. 
Viva Portugal!

sábado, 30 de novembro de 2013

Dia 1: Portugal livre

Há poucos minutos, na abertura do I Concerto de Portugal, da Restauração e da Independência Nacional, fiz uma breve saudação que deixo aqui:


Saudação do coordenador-geral do M1D, José Ribeiro e Castro
I Concerto de Portugal, da Restauração e da Independência Nacional
Lisboa, Portas de Santo Antão (aos Restauradores)
30 de Novembro de 2013



Neste I Concerto de Portugal, da Restauração e da Independência Nacional, organizado pelo Movimento 1º de Dezembro, em que ouviremos compositores portugueses por uma jovem orquestra portuguesa, seu maestro e dois solistas, portugueses, saudamos a História e a identidade do nosso país, Portugal.
Lembro D. Afonso Henriques, nosso rei fundador – e a rainha D. Mafalda. Lembro D. João I, O de Boa Memória -  e a rainha D. Filipa de Lencastre. Lembro D. João IV, O Restaurador – e a rainha D. Luísa de Gusmão. Saúdo o Presidente da República, Prof. Cavaco Silva. Lembro todos os nossos Presidentes que presidiram ao país e todos os Reis e as Rainhas que reinaram em Portugal, independente desde há quase 900 anos. 
Lembro todos os que nos defenderam livres e independentes e nos guardaram do perigo do fim ou da submissão.
Evocamos os nossos heróis e os nossos mortos do povo de Portugal, a quem devemos a liberdade, que não é fácil, nem é gratuita. Homenageamos todos os que sofreram e morreram por nós. Celebro os nossos militares, os soldados e marinheiros que nos têm defendido. 
Saudamos os portugueses sem distinção, todos os portugueses. Estamos aqui unidos todos os 10 milhões que vivemos em Portugal e todos os 5 milhões de portugueses e luso-descendentes que vivem e trabalham nas comunidades espalhadas pelo mundo.
Abraçamos todos os que na Comunidade de Países de Língua Portuguesa partilham a nossa língua comum e com quem partilhamos História, cultura e modo de ser e pensar. Lembro os navegadores, que nos deram a conhecer uns aos outros.
Foco-me na nossa Pátria. Firmo-me na nossa Língua, na nossa identidade, na nossa liberdade nacional.
Pedimos a Deus que nos proteja: que nos guarde, que nos inspire; que guarde e inspire os nossos filhos e netos por muitos séculos por diante.
Olhamos o futuro com confiança. 
Viva Portugal!


O dissensual


Mário Soares chegou a ser o homem mais consensual de Portugal. Fê-lo por mérito próprio. A sua coerência e constância pela liberdade e pela democracia; a coragem e determinação com que liderou, no plano político civil, a luta dos portugueses contra a deriva totalitária, em 1975; a sua lendária bonomia; o modo como exerceu dois mandatos presidenciais, sobretudo o primeiro - fizeram-no personificar a expressão de que tanto gostava, "o Presidente de todos os portugueses", e encarnar longamente essa imagem. 

Hoje, está claro que corre o risco de acabar como o homem mais dissensual de Portugal. Fá-lo também por demérito próprio: assume-se como o cavador de cizânias, fracturas, conflitos e divisões por toda a parte. 

Não está em causa a combatividade politica que mantém e que é saudável, embora o exponha a riscos e a críticas: baixa-o do pedestal e vai pondo em causa o estatuto de impunidade que conquistara. Mas é antes a falta de noção da medida e a tendência para o excesso, para a demagogia e até para a falsidade e a irresponsabilidade. Chega a dar a ideia de que não escolhe alvos - vai tudo a eito. Como se diz na gíria: "chuta para onde está virado".

Ficou na memória a evocação por Soares, há meses, do regicídio, sem o condenar - ficando até a um milímetro de parecer que o recomendava. Choca a forma grosseira como distrata o Presidente da República, desrespeitando o cargo e a função que também foram suas. Espanta vê-lo falar, por vezes, como se fosse chefe de um pequeno partido radical e extremista, senão mesmo de uma facção. Choveram as críticas recentes aos apelos implícitos à violência social e política. Multiplicam-se episódios de verbo excessivo. E, hoje, em artigo no PÚBLICO, calhou a vez do Patriarca, a quem Soares se atira como gato a bofe.

No texto intitulado "O Papa Francisco e a Igreja portuguesa", Mário Soares finge elogiar o Papa Francisco, que é um estilo que sempre cultivou: aprecia muito elogiar os Papas, ao mesmo tempo que recorda não ter religião e ser agnóstico ou ateu. Mas este elogio ao Papa está ali como puro artifício retórico, para alvejar D. Manuel Clemente: elogia o Papa para o espetar no Patriarca. 

Soares chega a citar a recente «Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" do Santo Papa» (sic), que eu quase que aposto que ainda nem leu sequer. E, a seguir, prego a fundo sobre o novo Bispo de Lisboa :
«[...] A Igreja portuguesa tem mantido um silêncio inaceitável, tal como o actual patriarca, em relação ao Papa. Parece que não gosta dele ou mesmo que o detesta.
Prefere a corrupção e a imoralidade, que reinava no Vaticano, à solidariedade do Papa que respeita os pobres? Que patriarca é este que há meses não fala e, em especial, de Sua Santidade. Aliás, quando era bispo fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista – que afinal não é; tendo em conta o que não diz agora, parece que nunca foi.»
Tudo para acabar o texto num desforço histórico, carregado de torpeza:
«Não deixe que a Igreja portuguesa volte a ser o que foi no tempo do colonialismo e da ditadura...»
O texto de Soares revela, aliás, desconhecimento - ficando a dúvida sobre se decorre mesmo da ignorância do próprio autor ou se pretende apenas jogar com a ignorância dos leitores. É que D. Manuel Clemente tem falado múltiplas vezes sobre o novo Papa. E como poderia não o fazer? O Papa Francisco tem marcado de tal forma a actualidade que seria impossível não o citar, nem comentar.

A ignorância ou a falsidade reveladas por Mário Soares são tão fortes, que ignora que a Igreja portuguesa acaba de publicar uma mensagem apostólica sobre questões sociais (um dos temas incontornáveis da nossa actualidade) - «Desafios éticos do trabalho humano» -, aprovada há 15 dias pela Conferência Episcopal presidida por D. Manuel Clemente, onde o Papa e sua doutrina são directamente citados. Soares não a leu, como por certo também não leu a Evangelii Gaudium...

Se tivesse lido a mensagem dos bispos, teria lido isto: "O Papa Francisco sublinhou, recentemente, que importa «voltar a colocar no centro a pessoa e o trabalho. A crise económica tem uma dimensão europeia global; no entanto, a crise não é apenas económica, mas também ética, espiritual e humana. Na raiz existe uma traição ao bem comum, quer da parte do indivíduo, quer da parte de certos grupos de poder. Por conseguinte, é necessário tirar a centralidade à lei do lucro e do rendimento, e voltar a dar a prioridade à pessoa e ao bem comum» (...) Seria contraditória, em si mesma, qualquer medida que procurasse promover o emprego à custa de outras dimensões da dignidade humana. Assim, recordou o Papa Francisco num encontro com os trabalhadores: «No centro deve estar o homem e a mulher, como Deus deseja, e não o dinheiro». A dignidade do capital está no serviço das pessoas e na promoção do seu progresso."

E, ontem mesmo, dir-se-ia que, por providencial coincidência, de novo o Patriarca de Lisboa fartou-se de falar do Papa e do seu exemplo, numa muito concorrida sessão pública por ocasião do encerramento do Ano da Fé, "Uma Esperança Sem Fronteiras".

Disse aí, nomeadamente, D. Manuel Clemente nessa sessão: «Por que é que o Papa Francisco admira tanto as pessoas? É porque é autêntico. As pessoas percebem que as suas declarações brotam de um vivência muito constante.» 

As notícias informam mais: "D. Manuel Clemente falava sobre o Papa a propósito da história da relação entre a fé e os direitos humanos, que antecedeu uma conversa entre o padre José Tolentino Mendonça e Nello Scavo." E continuava o Bispo de Lisboa: "Segundo D. Manuel Clemente, a forma natural como o actual Papa trabalhou activamente para defender os direitos humanos dos seus concidadãos resulta de uma transformação da relação entre a Igreja e a noção de direitos humanos que tem pelo menos dois séculos de história, apesar de «a generalidade das pessoas que lutaram pelos direitos humanos referirem Jesus como fonte de inspiração». Se essa relação nem sempre foi pacífica, isso deve-se em parte ao facto de no mundo latino, que inclui Portugal, as conquistas dos direitos humanos se terem feito à custa de conflitos com monarquias que estavam muito associadas à Igreja. Porém, em simultâneo, noutras partes da Europa onde os católicos eram e ainda são minoritários, são estes que tomam a dianteira para reivindicar os seus direitos humanos."

A notícia da Rádio Renascença anuncia outras figuras na sessão de ontem: "D. Manuel Clemente falava no primeiro painel de uma conferência que conta ainda com a presença de Jorge Sampaio e do arcebispo maronita de Damasco, Samir Nassar, (...) sobre a situação na Síria." Ou seja, bastaria Mário Soares ter falado com Jorge Sampaio e evitava escrever disparates... Assim, passa desnecessariamente por mentiroso - apenas intriguista e mentiroso.

O artigo de Mário Soares no PÚBLICO de hoje não é tanto ser violento e injusto. É ser revelador de intolerância, o pior do jacobinismo e um terrível defeito de carácter.

Este Soares azedo, avinagrado, venenoso e iracundo, depois de ter sido "o Presidente de todos os portugueses" corre o risco de acabar como o Presidente de quase nenhum português. Soares que, nas eleições presidenciais de 1991, chegou a colher 3,5 milhões de votos (70,35%), tombou para menos de 800 mil (14,31%) quando se reapresentou em 2001, ficando bem atrás de Manuel Alegre. Hoje, teria menos que isso.

O mal fatal das referências é quando as perdemos, porque se perdem e perderam a si próprias.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Texto escrito em 2008, de acordo com o meu acordo «ortográfico»

Ao longo dos anos tem-se tornado para mim numa evidência o divórcio crescente entre o público e a classe politica portuguesa.
Esse divórcio assenta no abismo entre as expectativas do público sobre o que o «governo» pode fazer pelo País e aquilo que o «governo» está disposto a fazer pelo País.
É o paradoxo democrático: as maiorias são eleitas para governar e depois governam para ganhar eleições.
Isto tem a ver com o sistema dos partidos. Os partidos são imprescindíveis ao funcionamento da democracia representativa, mas só são úteis enquanto são fieis aos seus valores.
Os partidos formam-se à volta de núcleos matriciais de ideias e valores. É desse caldo de cultura que decorrem os seus programas e propostas, articulados à volta de um projecto de sociedade e de uma visão para o País.
Quando os partidos perdem de vista aquilo que foi a causa da sua formação e passam a tratar as opções politicas, as escolhas de fundo, como um «mercado eleitoral» em que se vendem «produtos» em nichos de mercado de causas populares que «rendem» votos, os cidadãos ficam privados de alternativas politicas e de escolha de modelo de sociedade.
Uma sociedade assim é uma sociedade bloqueada. É o caso da sociedade portuguesa, em que ao bloqueio das opções politicas de fundo, se chamou «consenso social».
O «consenso social» em que vivemos, baseado em mil e um grupos de interesses, sindicatos e corporações várias, não gravita à volta do interesse público mas procura satisfazer os muitos interesses daqueles que têm forma de pressão sobre o Estado. Aos outros, resta viver habitualmente e pagar impostos.
Qualquer português mediamente informado devia saber hoje que o que pode esperar do partido que governa o País, é o mesmo que podia esperar do partido que perdeu as últimas eleições.
Em suma, os portugueses votam sem opções, em partidos cada vez mais iguais na sua prática governamental e dos quais esperam cada vez menos. Espanto seria que não se abstivessem cada vez mais e não descressem da classe politica crescentemente.
Há 25 anos filiei-me no CDS, um partido democrata-cristão, assente nos valores da defesa da vida e da família, na economia social de mercado, na valorização do povo português e na defesa inteligente da nossa soberania nacional.
Ao longo desses 25 anos esse partido passou por altos e baixos mas guardou o essencial dos seus valores e procurou, nos governos de que fez parte, marcar a diferença.
Hoje verifico que esse partido, depois da sua última experiência governamental, ganhou o gosto do poder e perdeu o sentido dos seus valores; Ao ponto de encarar agora como normal viabilizar nas próximas eleições quem quer que as ganhe... com maioria relativa.
Deixei de me rever num partido cujo último objectivo é apenas o de partilhar do «consenso nacional» à mesa do Conselho de Ministros, com os outros.

Decidi desfilar-me do CDS. A minha esperança é que quer à direita, quer à esquerda haja cada vez mais gente a compreender que sem opções claras e escolhas de fundo a fazer pelo povo português, não há democracia real e um dia a casa vem abaixo... e cai-nos em cima.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Cadê a política europeia?


Desde 2011 que o digo: a política europeia do país e do Governo é absolutamente fundamental e decisiva. Infelizmente, passaram-na a lugar quase clandestino no Palácio das Necessidades e não se tem dado por ela. À parte a eterna melodia sazonal dos "fundos comunitários", alguém sabe o que o Governo pensa e faz em matéria de projecto europeu? E os partidos?

Não deveria ser assim talvez: o projecto europeu deveria estar estabilizado e em velocidade de cruzeiro. Mas, na verdade, a crise europeia e a nossa própria crise fizeram de novo da política europeia a prioridade das prioridades da política externa portuguesa. Quem não o entende não entende nada do tempo que vivemos.

Por um lado, temos que ajudar a superar as dificuldades da União Europeia - e marcar, aí, a nossa visão e os nossos interesses: somos parte, não colónia; somos parceiros, não súbditos. Por outro lado, somente na Europa e nas políticas gerais europeias é que poderemos melhorar as condições do nosso próprio desempenho.

Hoje, o prestigiado economista, Paul De Grawe, que não é de todo um eurocéptico - antes pelo contrário -, vem pôr o dedo na ferida: «A Comissão é agente dos credores e não vos representaNem mais! 

Dentro da troika, a Comissão Europeia tem sido, tudo o indica, o parceiro mais duro e difícil. E deveria ser ao contrário - basta ler os Tratados europeus, se servem para alguma coisa.

Aliás, se, como esperamos, a troika sair em Junho, nós continuaremos com a CE e o BCE - e certamente com um quadro de metas e obrigações bem pesado e exigente. Vender a ilusão de uma "libertação" no pós-troika é uma fantasia tola, que poderá ter consequências políticas e sociais bem agudas.

A falta que nos faz uma política europeia decente, conhecida, digna desse nome! Mobilizadora.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Em tempos de discussão sobre a reforma do Estado


Hoje, no átrio do Palácio da Justiça de Lisboa, vi uma exposição sobre as maquetas do que estava previsto ali fazer - e não foi feito.

O actual Palácio da Justiça foi inaugurado em 1970 e era para a época de um enorme arrojo e ousadia. Tem cerca de 30.000 metros quadrados, espaços públicos generosos, magnificas salas de audiência, secretarias judiciais espaçosas e bem iluminadas, previsão ampla para a instalação de serviços.

Mas não é tudo: o edifício existente é apenas um dos vários que estavam previstos naquilo que seria o fórum da Justiça. Um segundo edifício, no topo daquilo que teria sido a praça central do Fórum, albergou a pequena instância criminal e uns tantos mais serviços desgarrados e dispersos.

O conjunto poderia ter tido cerca de 70 a 80.000 metros quadrados, amplamente suficientes para albergar todos os serviços de Justiça da Comarca de Lisboa.

O custo do que falta construir, e para o qual há terreno que é do Ministério da Justiça e foi adquirido ao Ministério da Defesa e permutado com a Universidade Nova - por mim, já agora - para esse exacto fim, era da ordem de 50 milhões de euros quando em 2003 mandei fazer uma estimativa sobre esta matéria.

Em vez disso, preferiu o então Ministro Alberto Costa, adjudicar sem concurso, o arrendamento daquilo que veio a ser o Campus da Justiça, na Expo.

O custo actual do Campus da Justiça deverá ser neste momento - e até 2016, quando termina o arrendamento - de 15 milhões de euros por ano, o que significa que, em 10 anos, o Estado Português gastou 150 milhões de euros, três Fóruns da Justiça, numa coisa que nunca será sua, mal servida de transportes públicos, onde não reuniu os serviços de Justiça, porque não pode, excêntrico, de absurda localização em relação ao centro de gravidade da cidade, em suma, um péssimo negócio para o Estado Português e um mau serviço prestado à Justiça.

Dentro de três anos termina esse arrendamento. A ver vamos em que condições é renegociado, mas neste momento o Estado nem tem alternativa, estando inteiramente nas mãos do fundo de pensões que é dono dos edifícios.

Estamos mais do que a tempo de pensar em poupar e fazer bem: fazer o Fórum da Justiça, para o qual há terreno, há projecto e há um terço do dinheiro que noutras condições será gasto no infame Campus da Justiça.

Eu sei que é talvez de mais pedir ao actual governo que «pense», mas não estão já fartos que o vosso dinheiro seja gasto à tripa forra e despudoradamente?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ele há grandes questões...


O pauperismo, a prostituição…

O nível de pensamento político do Conselheiro Acácio ficou sintetizado nesta frase imortal cunhada pelo Eça de Queiroz.

É nessa linha argumentativa, de igual valor e contributo intelectual, que o nosso contemporâneo Paulo Portas, o ex-incisivo jornalista do Independente, o cunhador de frases mortais, o tribuno nº 1 da República, escreveu o Guião da Reforma do Estado, 112 páginas de inanidade inerme (oh, pleonasmo!), bacoquices várias, banalidades aos saltos, ideias desgarradas e ideias feitas, que são o pior que há em documentos que pretendem abrir caminhos.

Como alguém escreveu, este guião dá mau nome a qualquer reforma do estado que venha a seguir.

Tenho a certeza que eu e os meus amigos, de borla e num mês, faremos uma proposta de reforma do estado bem melhor e mais fundamentada que esta triste massa de vulgaridades que Portas nos serviu.

Espantoso é que haja quem vislumbre no papel coisas importantes, ideias que merecem discussão, ou vejam revelar-se nele o inimigo «neo-liberal» que sempre suspeitaram em PP.

Eu olho, vejo, releio, e não consigo! Não está lá nada, a não ser o reflexo lastimável do que Paulo Portas pensa…

Lá dizia o Zé Ribeiro e Castro: «montra sem armazém…».

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Quem cria emprego não são as empresas, são os consumidores?


Ontem fui a uma conferência sobre a reforma do IRC. Quase todos os intervenientes estavam de acordo sobre que muitas das medidas previstas na reforma fazem sentido, podem de facto ajudar as empresas simplificando-lhes a vida e tornando o imposto mais justo.

Já quanto à descida da taxa já em 2014, ninguém pôde defendê-la uma vez que no actual contexto de redução de rendimentos, salários e pensões e aumento de IRS, poucos poderão entender que, por exemplo a EDP, com lucros superiores a mil milhões de euros, pague menos impostos.

Depois da parte técnica da conferência, sobreveio um debate, entre por um lado, Francisco Almeida Mendes, do CDS e João Galamba, do PS.

O representante do CDS, colega de escritório de António Lobo Xavier, disse previsivelmente, que era uma boa reforma, e que a descida da taxa seria sempre uma boa noticia, ou não?

Já Galamba, do PS, atacou a reforma in totum, por entender que faz parte de um “compacto ideológico” do actual governo que consiste em desvalorizar o factor trabalho e valorizar o capital. Ora, declarou, quem cria empregos não são as empresas, são os consumidores, citando a revista Forbes.

Esta conversa levava-nos longe, mas, abreviando: de facto, sem procura solvente, não pode haver oferta, e portanto, sem consumidores, as empresas não tendo a quem vender, não empregam nem produzem. É verdade.

Mas porventura escapa a Galamba que a procura solvente pressupõe que os rendimentos dos consumidores estejam em linha com a sua produtividade, pois caso contrário, a única forma de financiar esse consumo é através do endividamento.

Por outro lado, não é verdade que os consumidores são também produtores de bens e serviços, e que as empresas onde trabalham só lhes darão emprego se o puderem manter através de um financiamento adequado à sua actividade?

A frase de Galamba pressupõe que bastaria ter uma politica expansionista de rendimentos, salários e pensões para permitir às empresas portuguesas produzir mais, vender mais e crescer.

Ora, isto não é verdade: existe em Portugal um legado acumulado de dívida que tem de ser pago pelas empresas e cidadãos, antes de estes poderem consumir mais. É a isto que se chama ajustamento: a correcção do excesso de capacidade de consumo em face do crescimento da produtividade.

Mas não deixa de ser verdade que, sem consumidores, as empresas portuguesas não têm a quem vender. Pois é! Mas, quais consumidores?

A frase de Galamba, pressupõe uma estratégia de crescimento baseada no crescimento do consumo interno; a politica do Governo consiste em encontrar fórmulas para permitir às empresas portuguesas ganharem competitividade no mercado internacional, ou seja, encontrar os consumidores que lhes faltam cá, lá fora, um crescimento baseado nas exportações.

João Galamba tem visivelmente em mente um artigo que saiu no Foreign Affairs, há uns meses, intitulado Austerity Doesn't Work, de Mark Blyth. O mesmo autor escreveu um livro intitulado The Austerity Delusion, no qual desenvolve a tese do artigo, que consiste em dizer que a estratégia de crescer através das exportações mercê de ganhos de competitividade advenientes da austeridade, pode funcionar para uma empresa ou para um país, mas não para todos ao mesmo tempo.

Evidentemente que essa «corrida para o fundo» - como Galamba e o dito Blyth lhe chamam - não funciona para todos, mas pode funcionar para os primeiros e deve funcionar ao menos para aqueles cujos preços relativos já sejam mais altos que os da concorrência.

A politica «austeritária» (como a esquerda adora dizer) foi implementada na Alemanha, pelo Chanceler Schroeder (SPD), com o sucesso assinalável que se verificou quando a Alemanha recuperou uma competitividade perdida nos anos 90 e explodiu de novo nos mercados mundiais.

Agora, esta politica implica uma aposta: a de que os sacrifícios de hoje darão frutos amanhã, o que significa que não chega corrigir os rendimentos, salários e pensões, é necessário criar condições de investimento que permitam às empresas investir e crescer.

Veremos se o Governo de Portugal é capaz disto - tenho dúvidas pelo que vi até agora - mas a «via Galamba» não me deixa dúvidas, é o caminho sem retorno, para o abismo, no meio de muitos iPads, iPhones, e «vestidinhos clixs». E que se lixe a troica, claro!
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O colapso do Estado de Direito - a propósito do caso «Maddie»


Num dia muito quente do inicio de verão de 2003, ia eu a meio da manhã, já passado Amarante a caminho de Mirandela para  celebrar com o Presidente da Câmara local um protocolo quanto à instalação do Tribunal Administrativo e Fiscal, entretido na leitura dos jornais, quando tocou o telemóvel: era o meu chefe de Gabinete.
Perguntava-me se tinha ouvido as noticias na rádio. Não tinha, estava a ler os jornais; então que ouvisse, o Paulo Pedroso tinha acabado de ser preso, no âmbito do processo da «Casa Pia».
Arredada ficava a possibilidade de ver nessa noite o Porto jogar contra o Celtic em Sevilha a final da taça UEFA.
Dizer que fiquei de boca aberta ou especado de espanto, é pouco. O Dr. Paulo Pedroso tinha sido Secretário de Estado e pouco mais de um ano antes era Ministro da Segurança Social. Nesse momento era Deputado e porta-voz do Partido Socialista. Dizia-se que era o nº 2 de Ferro Rodrigues. Preso? Nem era um caso de «sic transit gloria mundi». Era um caso de queda a pique, tão trágica e chocante que não havia palavras para explicar.
Nos dias seguintes a imprensa não falava de outra coisa. No Público, Augusto Santos Silva insinuava uma cabala, uma maquinação contra o PS, e se havia maquinação contra o PS que envolvesse a polícia judiciária e o sistema de investigação penal, o Ministério da Justiça estava na berlinda, claro.
Ninguém de entre os responsáveis do Ministério revelou saber mais do que as noticias saídas nos jornais e nas televisões: a prisão em directo, a invasão da Assembleia da República com as câmaras de televisão atrás, acusações vagas...
Senti um calafrio: que diabo, pode-se ser preso com base «nisso»? em directo? Na TV? Um deputado da República? Desde esse momento mantenho uma opinião: se a acusação contra Paulo Pedroso se viesse a revelar insubsistente, estávamos a assistir ao colapso do Estado de Direito.
Muitos meses depois Paulo Pedroso seria libertado após o Tribunal Constitucional ter declarado que o processo não se tinha revestido do mínimo de garantias de direitos e liberdades, e nem chegou a ser acusado porque a Relação de Lisboa revogou o despacho de acusação por entender que não continha o mínimo de indícios que permitissem formular uma acusação.
Para mim já não foi surpresa: sabia há meses que aquela acusação não podia dar em nada porque a prova era exclusivamente testemunhal e as testemunhas não pareciam ser fiáveis.
Surpresa foi não ter acontecido nada: nem aos investigadores do Ministério Público que com ligeireza deduziram uma acusação insubsistente, nem ao Mmº Juiz de Instrução, o célebre «justiceiro» da T-shirt, que depois de ter escaqueirado o crédito da Justiça Portuguesa foi à vida dele.
A Justiça interiorizou mais um fiasco, absorveu-o e esqueceu-o. Portugal ficou mais, mas muito mais pobre.
Em Maio de 2007 uma menina inglesa desapareceu no Algarve. Meses depois, os órgãos de investigação criminal chegavam à conclusão habitual: a culpa era de certeza dos Pais. Provas? Indícios? Motivos? Para quê, se há a imprensa? Os Pais foram constituídos arguidos.
Um ano depois o processo foi arquivado, por absoluta falta de provas, pistas ou indícios. Entretanto os Pais da menina ficaram amarrados ao pelourinho da opinião pública habituada e sedenta do sangue de crapulosos culpados que o «sistema» lhe serve, já confessados e até arrependidos do que possam ter feito, sobretudo depois de uma boa tareia pedagógica...
Mais uma vez, a Justiça interiorizou o fiasco e nada aconteceu.
São casos conhecidos que nos podem dar uma noção dos casos desconhecidos que todos os dias acontecem.
Num sistema onde o erro grosseiro, o abuso dos direitos liberdades e garantias, a ofensa da rectidão processual não têm consequências, não há qualquer estímulo para melhorar o que está visivelmente estragado, conduzindo a um sistema de investigação desleixado, permeável à influência política, corporativo, irresponsável, inamovível, incapaz de se regenerar e pior do que tudo, convencido da sua infalibilidade. Já nem os Papas...

É este o Estado de direito que queremos?
(este artigo foi escrito há anos e enviado ao jornal «Público» que recusou publicá-lo...)

sábado, 26 de outubro de 2013

"Vaudeville" parlamentar: ora agora adopto eu, ora agora adoptas tu...


A cena política da semana foi a do referendo sobre a adopção homossexual, último coelho tirado da cartola (agora pela JSD) para, uma vez mais, evitar decidir o assunto. Que a adopção homossexual fosse instituída em Portugal, na modalidade da co-adopção, e ainda por cima num quadro parlamentar em que PSD e CDS dispõem de uma folgada maioria de 34 votos sobre o conjunto da esquerda, é coisa que ninguém entenderia.

O PSD tem que deixar-se de curvas e contracurvas e assumir claramente as suas responsabilidades políticas. Não pode continuar a arrastar esta coisa, alternando com uma conhecida ala do PS o protagonismo do disparate no teatro das diversões. Em Julho, quando a questão podia e devia ter ficado decidida, empurrou um primeiro adiamento. E, agora, inventou a hipótese de um referendo, que a todos nos cobriria de ridículo e de embaraço. Se, nesta altura de Orçamento, troika e dificuldades, decidíssemos convocar um referendo sobre adopção homossexual e não aparecessem multidões a apedrejar São Bento, é porque seremos, na verdade, um país de brandos costumes.

Uma fonte do CDS, para não ferir susceptibilidades, logo chamou a atenção para a flagrante inoportunidade da coisa – e esteve bem.

Só que este teatrinho já cansa. E, ainda por cima, transmite ideias que não correspondem exactamente à verdade: dá ideia de que o PSD está contra a lei do PS, quando o problema é exactamente isso não ser de todo claro. O PSD tem que assumir, a sério, as suas responsabilidades políticas. Ser maioria é isso. E são tão evidentes os propósitos politiqueiros daquela conhecida ala do PS, que até dói ver tanta tibieza. E incapacidade.

Devo dizer que não sou contra referendos nestas questões. Pelo contrário: sou a favor. A esquerda ficou, aliás, a dever um referendo à sociedade civil portuguesa, ao recusar, em 2010, o referendo sobre o casamento gay, que uma iniciativa popular pôs em cima da mesa. Mas este não é nem o tempo, nem o momento e a oportunidade.

Os deputados estão lá para estarem em linha com a sociedade portuguesa. E para terem a noção clara das prioridades. 

O cativo oficial do regime


Foi noticiado que o deputado Rui Barreto foi suspenso do CDS por 5 meses por ter votado contra o Orçamento de Estado de 2013. Lamento esta decisão. E critico-a. Primeiro, porque considero que o processo disciplinar que foi movido contra Rui Barreto é ilegal. Segundo, porque, mesmo que não fosse ilegal o processo, a questão é política e não disciplinar. Terceiro, porque, se o desfecho do processo não foi combinado, parece – e essa aparência de dissimulação é péssima. Quarto, porque, por alguns dados vindos a público, a “suspensão” aplicada pode não ser uma sanção, mas um favor e um prémio.

Dito isto, discordo totalmente do voto do deputado Rui Barreto no OE 2013, como, na altura, disse. A recuperação financeira do país carece da solidariedade de todos, nomeadamente dos que carregam a responsabilidade de apoiar e suportar o Governo do país.

Vamos por partes.

Primeiro, a ilegalidade do processo. Nos termos dos Estatutos do CDS, quem tem competência para definir orientações de voto vinculativas para o grupo parlamentar e os deputados do partido é a Comissão Política Nacional (artigo 32º e artigo 38º, n.º 4 dos Estatutos). Ora, a Comissão Política não reuniu sequer - e muito menos deliberou sobre o que quer que fosse. Aliás, a Comissão Política esteve, nessa altura, seis meses consecutivos sem reunir de todo, o que é absolutamente espantoso – e ninguém se queixa, o que é ainda mais espantoso. Seis meses! Tinha reunido em Setembro de 2012, aquando da crise da TSU; voltou a reunir, salvo erro, em Março de 2013. Se não reuniu, ainda, não foi porque o assunto não fosse lembrado – eu, pelo menos, lembrei-o. Não reuniu, porque não se quis que reunisse: quis-se que não reunisse.

Acrescente-se ainda que, pelos Estatutos, a Comissão Política Nacional deve reunir ordinariamente todos os meses e extraordinariamente em determinadas circunstâncias – e, neste caso, faltou quer a reunião ordinária mensal (durante 6 meses consecutivos!), quer a reunião extraordinária que, se necessário fosse, deveria ter sido convocada para apreciar o OE 2013. Na verdade, era isto que deveria ter acontecido por três razões: 1ª razão – por se tratar de um Orçamento de Estado; 2ª razão – porque a direcção do partido deu vários sinais para o exterior, ao longo do processo orçamental, de que discordaria do OE 2013 e de que o voto era incerto, questão que cabia esclarecer e resolver cabalmente; 3ª razão – porque o CDS/Madeira acabou, nesta onda, por tomar posição contra, o que abria um problema político, que cabia avaliar e decidir. Mas o Presidente e a direcção do partido entenderam não efectuar qualquer reunião da CPN. Não se pode, por isso, procurar transferir para um deputado individualmente a responsabilidade que é unicamente da direcção política do partido.

Já ouvi esgrimida a tese de que a violação da disciplina pelo deputado Rui Barreto resultaria directamente do acordo de coligação, o qual, como é natural, prevê a votação favorável de todos os Orçamentos, o que – sustenta essa tese – vincularia individualmente todos e cada um dos deputados. Não é assim. 

Não vou dizer que é uma tese sem pés, nem cabeça. Mas não passa de uma tentativa de habilidade talvez com pés… mas sem cabeça. Por um lado, as obrigações disciplinares não se presumem, nem são genéricas – carecem de ser afirmadas e são específicas. A entender-se daquele modo, toda a política teria sido suspensa durante a coligação – nada mais haveria a debater e a discutir e tudo teria ficado, ali, decidido de uma vez por todas. Por outro lado, o acordo de coligação não vincula os deputados ou os militantes individualmente; vincula unicamente os partidos, que guardam o direito – e o dever – de acompanhar a sua execução e de decidirem livremente sobre como agirem. Ora, o órgão que tem a principal responsabilidade de apreciar o desempenho da coligação e de validar, endossar, apoiar, criticar, ajustar os seus actos é justamente a Comissão Política Nacional. De resto, nesta linha, volto ao que já disse: face aos múltiplos sinais de dissensão quanto ao OE 2013 emitidos pela alta direcção do partido e pelas suas diligentes “fontes” (em violação do acordo de coligação?), cabia exactamente à CPN repor linha e esclarecer: e também a questão aberta pelo CDS/Madeira tinha que ser enquadrada politicamente.

A falta, portanto, foi unicamente da direcção nacional do CDS. Não do deputado Rui Barreto – que, de resto, votou em estrita obediência à orientação de voto definida pelo único órgão político do partido que reuniu e deliberou politicamente sobre a matéria: a Comissão Política Regional do CDS/Madeira. Não houve desobediência, mas houve obediência.

Em segundo lugar, a natureza política da questão. A decisão do CDS/Madeira de tomar posição contra o OE 2013 e determinar ao deputado do CDS eleito pelo círculo da Madeira que votasse contra o Orçamento abriu um problema político novo para o CDS. É um problema que tem acontecido frequentemente com o PSD e algumas vezes com o PS, mas nunca acontecera com o CDS. A razão é simples: desde 1979 que o CDS não tinha qualquer deputado pela Madeira e, na I Legislatura, este tipo de questões não surgiu. Esse problema deveria ter sido tratado no plano político pela Comissão Política Nacional – e não o foi, porque o Presidente e a direcção do partido não o quiseram.

O problema, aliás, eram dois. Um, é o do “jardinismo”, um vírus que infectou profundamente a política madeirense (com muito más consequências) e que, creio eu, convém não alastrar e deixar contagiar, ao ponto de sair Jardim, mas ficar o “jardinismo”. Outro, é o da autoridade política sobre os deputados: os deputados são distritais, regionais ou nacionais? E em que medida? Ora, nada disto foi tratado, porque o Presidente e a direcção do partido não quiseram. E são problemas políticos que permanecem em aberto.

É absurdo tratar disciplinarmente uma questão que não é disciplinar, ao mesmo tempo que as questões políticas não são sequer abordadas no plano político.

Terceiro e quarto, a aparente "administração" do resultado do processo disciplinar, que é bem conveniente tanto no timing , como na medida.

O que é uma “suspensão do partido por 5 meses”? Ninguém parece saber muito bem, mas o que se vai sabendo aponta para que não seja bem uma sanção, talvez um prémio e um estímulo a que o exemplo se repita. O deputado Rui Barreto continuará deputado. Continuará no grupo parlamentar do CDS talvez, durante cinco meses, como “independente” – um falso independente, um “independente disciplinar”. Continuará também a ser estimado pelos seus colegas – falo, desde logo, por mim. Continuará, enfim, toda a sua actividade política como membro do CDS/Madeira, sem qualquer hiato ou interrupção. Não se percebe, por isso, onde esteja a sanção.

E, na nova condição de “independente”, até poderá vir a votar de novo contra o OE 2014, agora sem que nada lhe aconteça, pois a “suspensão do partido” funciona como blindagem ou protecção: quem está suspenso dos direitos (sejam eles quais forem), suspenso está também dos deveres, nomeadamente do de votar neste ou naquele sentido. Ou seja, o “castigo” é um prémio.

Se alguma dúvida houver ainda quanto à tremenda tutela disciplinar, poderá até, já agora, retardar por umas semanitas a sua pertença formal ao grupo parlamentar do CDS até se concluir a votação do OE 2014, a fim de ficar absolutamente blindado quanto a qualquer orientação de voto que lhe pudessem ditar fosse pelo grupo, fosse pela Comissão Política Nacional – se reunisse… coisa que não aprecia fazer.

O deputado Rui Barreto é um bom deputado: inteligente, trabalhador, dedicado. E assim deve continuar. Deu também recentemente um contributo importante a que o CDS vencesse as eleições municipais na sua terra – Santana, na ilha da Madeira –, onde passou a ser também o Presidente da Assembleia Municipal.

Em plena campanha das autárquicas, saiu a notícia de que Rui Barreto seria punido com a pena pesada (…) de seis a nove meses. A notícia trazia água no bico: uma notícia literalmente caída do céu, sem que ninguém a pudesse confirmar, o que serviu tacticamente os interesses eleitorais do partido, engrossando a voz no Funchal. Existe a convicção de que a “tensão com o CDS nacional”, recriando a coreografia com que, no PSD, Alberto João Jardim, anos a fio, habituou os madeirenses e os portugueses, traz benefícios eleitorais locais. Não creio que seja necessariamente assim, mas sei que há quem pense assim.

Afinal, a pena não foi tão "pesada". E a suspensão agora decretada também serve a mesma imagem: músculo duro com o CDS nacional, já que o “CDS Madeira não verga”.

É assim. Por um lado, parece que se agiu. Por outro lado, realmente… no pasa nada.

Não concordo. Não é uma forma séria de fazer política. E, na verdade, todos os problemas políticos ficaram por enquadrar, avaliar e decidir. E assim continuam. Andou-se à volta. E geriram-se imagens e sombras.

As questões políticas são políticas, não são disciplinares.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Da “TSU dos pensionistas” à “TSU das viúvas”, a "TSU dos aposentados"


Tenho para mim que é mau – e é muito errado – inventar e usar linguagem figurada para tratar matéria de tão grande sensibilidade quanto as alterações nos regimes de Segurança Social. Dá ruído e esconde a verdade.

Nas medidas preparadas pelo Governo nas conversações com a troika, falou-se muito de uma tal “TSU dos pensionistas”, que ficou pelo caminho sem nunca sabermos o que seria exactamente. Gostava de saber o que fosse. Agora, surgiu a badalada “TSU das viúvas”, que redundou numa semana de sarilho político-mediático.

Da primeira, além dos traços vagos que foram surgindo na imprensa aquando da sétima avaliação da troika e da tensão politica que gerou, apenas foi dito, na altura do seu abandono definitivo, “que atingiria o regime onde estão mais de 80% dos pensionistas e cuja pensão média é de 420 euros”. Todavia, esta linguagem vagamente estatística nada esclarece e os elementos vindos a público permitem antes concluir que 75% a 90% dos 3,5 milhões de pensionistas do respectivo universo não seriam, por certo, minimamente atingidos pela medida concreta que fosse. Repito: gostava mesmo de saber o que era.

Tomemos, por exemplo, o caso recente da badalada “TSU das viúvas”. Ficámos a saber que o valor anual das pensões de sobrevivência pagas é 2.700 milhões de euros. E foi-nos dito também que os beneficiários dessas pensões são cerca de 800 mil. Assim, podíamos apresentar a seguinte estatística: “a nova TSU das viúvas atinge um universo de pensionistas que recebe uma pensão média de sobrevivência de 241 euros”. Na verdade, 2.700 milhões de euros a dividir por 800 mil beneficiários, dá uma pensão de sobrevivência média de 3.375 euros. E, dividindo a pensão média anual por 14 meses, obtemos o valor médio de 241 euros de a pensão média anual (se fizermos o cálculo apenas a 12 meses, o valor médio mensal é de 281 euros).

Ora, já sabemos que não é isto; e foi até assegurado que 96,5% do universo dos beneficiários das pensões de viuvez não serão atingidos pela medida.

É o problema da “mentira estatística”: com a verdade me enganas. Se eu comi uma galinha e tu não comeste nenhuma, a estatística assegura que comemos ½ galinha per capita – é verdade, mas é mentira.

A verdade que hoje sabemos quanto à dita “TSU das viúvas”, é semelhante na dita “TSU dos pensionistas”. O Governo – e bem – tem poupado os pensionistas das pensões mais baixas a qualquer esforço contributivo. E o seu número é, em Portugal, enorme. Para, num universo de3,5 milhões de pensionistas, a pensão média ser de 420 euros, como foi dito, o número de pensionistas com pensões inferiores à média é seguramente de 2 milhões ou mais, a maioria com regimes não contributivos. Todos esses seriam naturalmente isentos de qualquer esforço, bem como certamente os com pensões inferiores a 600 euros, que é um referencial que o Governo tem usado. Ora, isto significa que 75% a 90% do universo respectivo não seria abrangido por qualquer esforço. Era bom conhecermos o que é que esteve efectivamente em cima da mesa.

Na verdade, o que sabemos hoje é apenas isto:
  • A “TSU dos pensionistas” não é uma TSU e não foi para a frente, sem chegarmos a saber o que fosse ou pudesse ser.
  • A “TSU das viúvas” vai para a frente. Também não é uma TSU e, aos poucos, vamos sabendo o que seja.
  • Entre os trovões de uma e outra, avançou a “TSU dos aposentados” (só no regime da CGA) que, se calhar, mais merece a alcunha de TSU e é, por sinal, particularmente dura.
Era bom ser tudo mais claro. Mais factos, menos ilusão estatística. Menos alcunhas, mais exactidão técnica.  Para se poder avaliar a justiça da distribuição do esforço que a situação do país impõe.

A “nacional-barafunda”: pensões de sobrevivência e condição de recursos

 

Ontem, o Governo anunciou, finalmente, os traços gerais da proposta que, no quadro do OE 2014, tenciona apresentar em matéria de cortes nas pensões de sobrevivência.

Independentemente de se concordar, ou  não, com a proposta, há um dado importante a reter: o debate gerado ao longo de uma semana inteira teve utilidade evidente e indiscutível. Primeiro, o Governo reviu aparentemente, de forma significativa, o que pareciam ser as intenções iniciais: não se atingem já pensões acima de 629 €, mas apenas pensões de valor acumulado superior a 2.000 €. E, em segundo lugar, a ideia da “condição de recursos” parece ter ido realmente à vida, por muito – vá lá perceber-se porquê – que, do lado do Governo, continue a usar-se esse erro técnico.

Na verdade, o que o Governo ontem apresentou não tem nada a ver com “condição de recursos”, mas com um regime de escalões de redução progressiva no acesso à pensão de sobrevivência acumulada, isto é, algo muito semelhante a um imposto progressivo (como o IRS) ou à Contribuição Extraordinária de Solidariedade.

Não contesto a ideia de, em tempo de escassez, de sacrifícios e de cortes, se pedir mais àqueles que mais podem e menos aos que podem menos. É de elementar justiça que seja assim. Mas isto não tem nada a ver com “condição de recursos” – e é bom que não tenha.

A “condição de recursos” aplica-se somente às prestações sociais não contributivas – e as pensões de sobrevivência decorrem do regime contributivo, integrando-se no seguro social para que cada um descontou ao longo da vida. Misturar uma coisa e outra seria nacionalizar as pensões e as contribuições na parte correspondente – pode ser que alguém a tanto se atreva, mas seria estranho e particularmente condenável que fosse um Governo CDS e PSD a inaugurar essa “nacionalização” ou “socialização”.

O blogue 4R - Quarta República dava já, na sexta-feira passada, uma boa ajuda a compreender do que se trata: O que é a "condição de recursos"... E quem explica bem o que é “condição de recursos” é a Segurança Social, por exemplo no GUIA PRÁTICO do Instituto da Segurança Social:
A condição de recursos é o conjunto de condições que o agregado familiar deve reunir para poder ter acesso às Prestações Familiares, ao Subsídio Social de Desemprego e aos Subsídios Sociais de Parentalidade, bem como a outros subsídios e apoios do Estado.
Define o limite máximo de rendimentos até ao qual as pessoas têm direito a estas prestações sociais.
E, a seguir, o mesmo GUIA PRÁTICO explica como se verifica a dita “condição de recursos”:
A condição de recursos é verificada através dos rendimentos da pessoa que pede a prestação e dos elementos do seu agregado familiar, do seguinte modo:
1.º Avaliação do valor do Património Mobiliário do agregado familiar
2.º Avaliação do rendimento global do agregado familiar
Como se vê, isto não tem nada a ver com aquilo que o Governo, ontem, anunciou com destaque para o novo regime das pensões de sobrevivência – e é bom que não tenha.

Todavia, além da tabela de reduções que encheram o noticiário geral, as notícias acrescentam, quase a terminar, uma parte que tem passado praticamente despercebida. É esta:
E dito isto, revelou que o Governo vai também tentar encontrar uma forma para avaliar os rendimentos dos contribuintes ainda no activo e que tenham rendimentos de capital ou mesmo pensões de sobrevivência.
Ou seja, o Executivo quer encontrar uma forma de avaliar os rendimentos das pessoas que auferem uma pensão de viuvez e que tenha um “salário ou rendimentos de capital”. Se, no final das contas, os rendimentos que geram, além da pensão de sobrevivência, foram “muito altos”, “não fará sentido que não” haja um impacto também para estas pessoas, adiantou Paulo Portas.
Se vier a ser assim, já pode perceber-se a teimosa insistência na “condição de recursos” – e já não seria apenas um erro técnico de linguagem, mas um erro político de vontade.

Ainda assim, também essa nova bisbilhotice orweliana sobre os rendimentos e os capitais dos que pagaram para o regime contributivo não seria ainda exactamente uma “condição de recursos” proprio sensu; mas já seria uma priminha muito chegada. Além da carga burocrática que geraria, seria mais uma nova intromissão inqualificável na situação pessoal e patrimonial dos que pagaram as suas contribuições. Perigoso. Muito perigoso.

O melhor é mesmo deixar cair o infeliz erro da expressão e agir com escrupuloso rigor técnico e alguma normalidade jurídica.