segunda-feira, 26 de maio de 2014

Europeias (7): O 6º voto de protesto


Para encerrar a série dos votos de protesto destas eleições europeias em Portugal, importa registar um último: o 6º voto de protesto, este dirigido contra a comunicação social.

Não foi só o fenómeno MPT, encabeçado por Marinho Pinto, a romper o bloqueio e a eleger dois eurodeputados. Os resultados eleitorais mostram que os partidos sem assento parlamentar somaram mais de 16% dos votos expressos. Ora, esta foi uma caminhada do silêncio, um voto furando o quase silenciamento.

Se os órgãos de comunicação social, sobretudo as televisões, tivessem mais ginástica e equilíbrio editorial e cobrissem com igualdade as diferentes candidaturas - sobretudo quando se trata de fenómenos novos -, os resultados seriam porventura bem diferentes. E talvez, sobretudo, a abstenção fosse bem menor, quando as pessoas mostram tanta saturação de votar sempre nos mesmos.

Há uma censura subtil, ou nem tão subtil, que não está certa e merece correcção. Além do MPT (que teve algum êxito), também as candidaturas do Livre, do PAN, do PPV e do PDA poderiam ter melhor sorte com uma cobertura equilibrada e uma atenção justa. Mas todos os chamados "pequenos partidos", mesmo os mais antigos e tradicionais, têm razões de queixa. Por isso, os mais de 16% que em conjunto reuniram representam um protesto contra a discriminação e a censura selectiva.

Europeias (6): Marine et TóZé, le même combat


As eleições europeias continuam a proporcionar, aos analistas, novidades em catadupa. Não há como seguir as últimas tendências da moda europeia. E a noite brilha já com a nova aliança entre os vencedores dos votos para o Parlamento Europeu em França e em Portugal.

Em Paris, a presidente do Front National (FN), Marine Le Pen, depois de ter vencido com 25% o escrutínio europeu, abriu a noite a apelar ao Presidente da República e líder do Partido Socialista, François Hollande, para convocar «novas eleições» nacionais: «Que pode ele fazer se não regressar ao povo, pôr em prática a proporcionalidade para que cada francês esteja representado» na Assembleia Nacional, a câmara baixa do parlamento, «e organizar novas eleições?» – questionou Marine.

Poucas horas depois, em Lisboa, António José Seguro ecoava a mesma ideia: «Se depender de nós, haverá naturalmente eleições antecipadas», disse o líder do PS no seu discurso após o triunfo dos socialistas nas eleições europeias. E precisou: «Cabe em primeiro lugar ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao vice-primeiro-ministro tirarem as ilações políticas desta eleição.»

Confirma-se, assim, que o novo PS se inspira e guia pelas novidades que circulam por Paris: depois do exílio de Sócrates e da eleição de François Hollande, chegou a vez do farol Marine. C'est français? C'est bon!

Ségurô/Le Pen, le même combat.

ACTUALIZAÇÃO: Certamente arrastado na mesma onda de entusiasmo, os comunistas da CDU juntaram-se também a esta Santa Aliança. Segundo o líder comunista, Jerónimo de Sousa, «a mais baixa votação de sempre destes partidos (PSD e CDS-PP) foi uma clara censura do povo português», não deixando, na sua opinião, qualquer «mão protectora de Cavaco Silva, por maior que seja a sua cumplicidade», uma «outra decisão que não a convocação de eleições antecipadas».

Passamos da histórica Frente Popular, a esta novel Frente Nacional Popular: Ségurô/Jérônimô/Le Pen, le même combat. 

domingo, 25 de maio de 2014

Europeias (5): O 5º voto de protesto


O 5º voto de protesto é mais suave, mas nem por isso menos nítido. Quem o sofre é o Bloco de Esquerda, pagando o preço do conflito com Rui Tavares e prosseguindo uma certa decadência.

Em tempo de tanto berreiro contra a "troika" e a "austeridade", com tantas loas ao Syriza grego e a Alexis Tsipras, é obra que o BE tivesse talento para não subir. Não é só não subir; é descer - e muito!

O Bloco de Esquerda desce, onde a CDU subiu fortemente ao lado. E, comparando com as últimas europeias, perde dois em três eurodeputados e mais de metade dos votos e da percentagem eleitoral, caindo de mais de 10%, em 2009, para menos de 5%, agora. 

Se levarmos em conta os 2,2 % que o Livre de Rui Tavares conseguiu, compreendemos melhor o 5º protesto do dia. 

ACTUALIZAÇÃO: No resultado final, o Bloco queda-se pelos 4,6% e não chega sequer a 150 mil votos. Se se riem, ninguém percebe porquê. Ou é inconsciência, ou é nervoso. É que foi também uma tareia inapagável. (Ver Resultados)

Europeias (4): O 4º voto de protesto


O 4º voto de protesto destas eleições é também contundente: alvejou o "centrão" ou o chamado "arco da governabilidade". 

Já com resultados conhecidos, verifica-se que PS, PSD e CDS-PP não chegam sequer a 60% dos votos expressos, em conjunto. Ou sejam, ficam ainda abaixo do desastre que as primeiras projecções da noite já ameaçavam. Isto é um facto absolutamente extraordinário, inédito em Portugal - e dá indicações muito claras.

É um sinal que merece ser lido cuidadosamente, traduzindo um enorme desgaste acumulado dos dois partidos longamente dominantes (PS e PSD), agora com o CDS-PP também atrelado. Em tempo de crise e de penúria, os eleitores penalizam o compadrio, as notícias de negócios obscuros, as cumplicidades por detrás da cortina, os casos nunca esclarecidos, a culpa que morre sempre solteira. É um voto contra os BPN e quejandos, um voto contra o "topo de gama".

É sinal de cansaço. E um aviso veemente, quando tantos - os dos interesses habituais e dominantes - recomendam e querem desenhar, para o futuro, acordos duradouros a três.

Em contrapartida, para ripostar ao PCP e ao BE, não deixa de ser curioso como, apesar de tudo, os três partidos da "troika", os três partidos do "pacto de agressão e de submissão", os três partidos que assinaram o Memorando com FMI/CE/BCE, ainda mantenham uma folgada maioria absoluta sobre todo o resto. E, então, sobre o conjunto PCP/BE, essa vantagem é de 43 pontos percentuais... Cuidado, portanto, nas análises. Cuidado e rigor.

ACTUALIZAÇÃO: Confirmou-se: os três partidos da chamada governabilidade ficaram-se pelos 59,16%... Como aviso, o recado ficou bem dado. (Ver Resultados)

Europeias (3): O 3º voto de protesto


Continuando a série, o 3º voto de protesto destas eleições europeias é claramente a votação do PS, que as projecções não dão acima de 35%/36%. Este é também um protesto duro, que não deixará seguramente - não é piada o advérbio de modo... - dentro dos socialistas.

Para os socialistas, é uma vitória bem amarga a de hoje à noite: o PS é, há que dizê-lo, o vencedor formal das eleições, mas perde o que queria; e Seguro é claramente um derrotado. Não é preciso ser bruxo para imaginar que as facas-longas recomeçaram já a afiar-se.

Voltando à fasquia dos 40%, que alinhei no post anterior, o protesto eleitoral contra Seguro - e a linha de captura "socrática" em que este PS se arrasta - está em não ter conseguido ficar acima de 40%; e será tanto mais intenso quanto mais longe ficar desta marca. Na verdade, neste contexto geral, resultados do principal partido da oposição de cerca de 35%, ou ainda menos, são também uma pancadita jeitosa.

Recordando as europeias de 2004, em que a coligação PSD/CDS ficou nos 33,3% (a tal excepção), o PS, então liderado por Ferro Rodrigues, disparou reciprocamente para 44,5%. Ora, quando a direita e o centro-direita afundam brutalmente bem para baixo dos 40%, o facto de o PS não conseguir atingir essa fasquia, nem superá-la largamente, significa claramente que os eleitores não identificam uma alternativa no PS - pior que isso: que não querem mesmo identificá-lo como alternativa.

É esse o 3º protesto deste dia: "os outros estão mal; mas tu também"

Não é preciso ser adivinho, para antecipar grandes debates e confrontos no PS; e que António José Seguro provavelmente não chegará como líder às próximas eleições legislativas.

ACTUALIZAÇÃO: O resultado final também conseguiu ser bem pior do que as projecções que iniciaram a noite: 31,5% e pouco mais de um milhão de votos. Foi um dos piores resultados de sempre do PS para o Parlamento Europeu. Este paupérrimo desempenho, em tempo de maré favorável, só pode antecipar mudança - coisa que, aliás, o cartaz de campanha bem anunciava... (Ver Resultados)

Europeias (2): O 2º voto de protesto


As projecções à boca das urnas, apontando para que PSD e CDS-PP, na Aliança Portugal, tenham um resultado inferior a 29% dos votos, sinalizam o 2º voto de protesto destas eleições: um voto de protesto contra os partidos da maioria e de Governo. 

A confirmar-se, será um péssimo resultado eleitoral, bem mais do que apenas desastroso. Na minha leitura histórica das eleições em Portugal, um protesto (e a sinalização de descontentamento) contra a coligação eleitoral PSD/CDS-PP medir-se-ia abaixo dos 40%; e seria tanto mais intenso, quanto mais longe ficasse deste chão, este limiar mínimo normal. E, ainda assim, já traduziria uma quebra significativa contra os 50,4% que os dois partidos, somados, alcançaram nas legislativas de 2011.

Terei ocasião de o comentar mais pormenorizadamente, mais tarde. Mas estas projecções indicam que os eleitores quiseram sinalizar os seus sentimentos de forma particularmente dura. 

Desde 1976, as primeiras eleições do regime democrático, nunca PSD e CDS tiveram, em eleições nacionais, um resultado inferior a 40%. Separados ou coligados, 40% foi sempre a maré baixa dos dois partidos que representam o centro e a direita democrática em Portugal. Isto aconteceu sempre, em dezanove eleições, com uma única excepção: a coligação para as europeias, em 2004, recolheu apenas 33,3%, o que antecipou a hecatombe do ano seguinte nas legislativas de 2005 com 36% somados (PSD - 28,8%; CDS-PP - 7,2%). Esta, em 2004/05, foi a única excepção, que confirma em absoluto aquela regra. Agora, as projecções indicam que será ainda pior. E é, de facto, muito mau: mesmo nas eleições constituintes, em Abril de 1975, em pleno PREC, com um fortíssimo condicionamento esquerdista e a revolução na rua, os dois partidos somaram heroicamente 34% (PPD - 26,4%; CDS - 7,6%).

Este protesto carece de ser lido sob vários ângulos - e a sério. Mas não creio que possa reflectir-se na estabilidade política do país, nem que se repercutisse numa queda do Governo e eleições antecipadas. Isso seria a continuação do discurso do "golpe de Estado", feito pelo PS e outras oposições, e que nada legitima - o 1º protesto, inscrito na massiva abstenção, também o afasta liminarmente.

Esse "golpe de Estado" seria uma absoluta catástrofe financeira, económica e política. que só irresponsáveis poderiam querer cavalgar. Os eleitores não querem nada disso. Mas o protesto precisa de ser lido e entendido - respondido também.

ACTUALIZAÇÃO: O resultado final ainda conseguiu ser pior para a coligação PSD/CDS-PP: 27,7% e pouco mais de 900 mil votos! Nunca se viu uma coisa assim. Uma sova e uma indiferença como não havia nem registo, nem memória. (Ver Resultados)

Europeias (1): O 1º voto de protesto


As primeiras projecções apontam já para uma abstenção gigantesca, em Portugal: 62,2% a 66,6%.

É o primeiro voto de protesto destas eleições. Neste caso, contra os partidos todos, contra o sistema, contra a forma como se participa (ou não) no funcionamento da União Europeia, contra o baixo envolvimento da cidadania, contra o estado geral da política. 

Dois em cada três eleitores, pura e simplesmente, não vão lá: votam com os pés. É um sintoma que se repete, doentio e deprimente.

E é também um primeiro sinal de fracasso daqueles partidos que apelaram a fazer destas eleições uma mobilização geral contra o Governo. Há que esperar pelos resultados das votações nos diferentes partidos e coligações. Mas, para já, essa mobilização "anti"... finou-se. É um fracasso para muitos - e, nesta perspectiva, sobretudo para o PS. É, porém, provável e previsível que haja votos de protesto em várias direcções. Há que aguardar.

ACTUALIZAÇÃO: a abstenção cifrou-se em 66,1%. Um record absoluto, um protesto monumental - a que importa ainda somar a cifra extraordinária de 7,5% de votos brancos e nulos. (Ver Resultados