segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Simplex! Um avanço tecnológico.


Quando ia às Finanças tratar do assunto do lugar de estacionamento, tive eu próprio problemas de estacionamento. Havia lugar, mas não tinha moedas. Já nos aconteceu a todos. E ninguém, por ali, me arranjava trocos.
 
Foi isso que me determinou a accionar a aplicação e-Park da EMEL, que já havia descarregado para o telemóvel, mas a que ainda resistia há várias semanas. Completei a operação: fiz o meu registo; registei também o veículo e matrícula; fiz um carregamento por MB. E paguei o período pretendido: 0,80 €.
 
Em menos de dois minutos, tinha o problema resolvido.Tudo no meu telemóvel. E fui à vida descansado, pois, por este sistema, posso prolongar o período de estacionamento, à distância, esteja onde estiver. Fantástico!
 
Acabou-se a dependência das moedas. Da próxima vez, como já fiz o registo, farei tudo em 15 segundos ou menos. E a andar.
 
Fiquei fã. O progresso está nas coisas simples. E acessíveis.
 

Simplex? Um caso absurdo.


Fui hoje tratar da aquisição de um lugar de estacionamento num prédio urbano. E tive de ir às Finanças por causa do IMT e do Imposto de Selo.
 
Pedi ao vendedor cópias da caderneta e da certidão do registo predial.
 
Primeira surpresa: a caderneta predial tem 17 páginas! Não, não é engano. São mesmo 17 páginas.
 
Segunda surpresa: a certidão permanente é um documento com 86 páginas. Sim, estão a ler bem. São 86 páginas de certidão!
 
A coisa deve-se a dois factores:
 
1. factor objectivo: tratar-se de uma fracção autónoma de um prédio maior e, por isso, incluir numerosas descrições e, no caso do registo predial, também transmissões e averbamentos.
 
2. factor subjectivo: termos uma Administração incompetente, que não é capaz de se sentar calmamente à mesa e resolver este evidente absurdo.
 
Cada documento deve respeitar unicamente à fracção a que respeita. Se assim não for, qualquer dia, os documentos para uma transmissão, terão a dimensão de um grosso dicionário, senão mesmo de uma enciclopédia em volumes.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Não havia necessidade em fazer cartazes, e não só, que se “exibem” com base em Religião

Já tinha sido um erro e que foi pago com vidas, um jornal satírico francês ter tido o mau gosto, repetido e repetido, de achar que a “sua” liberdade era achincalhar Maomé, ou seja, o Islão. E agora já o veio fazer com o Cristianismo!

Temas há, que têm – devem - que ser abordados com muito seriedade, e cuidado, nos quais se inclui sexo e Religiões/Igrejas. Não adianta fazer ferir susceptibilidades para vender mais, no caso do jornal francês, ou para fazer passar uma mensagem ou uma vitória, no caso do Bloco de Esquerda.

Quanto ao satírico jornal francês, nada mais haverá a dizer. Já, quanto ao Bloco de Esquerda, para fazer passar a menagem de que venceu na sua “igualdade” em casais do mesmo sexo poderem adoptar filhos, ter feito uma comparação com Jesus Cristo por ter tido dois pais do mesmo sexo, que, conforme dizem as Escrituras, seriam Deus e José, é de muito, mas muito mau gosto.

Quem “isto” escreve estará um pouco à-vontade para o fazer, dado já ter sido crente; contudo, por no andar da vida ter deixado de o ser, nem com Maomé, nem com Jesus Cristo, nem com o Messias que há-de vir dos Judeus, se melindra. Mas considera de muito mau gosto terem que ser usadas estas “tácticas”, quer para ganhar dinheiro, como o jornal em Paris, quer para passar a mensagem de vitória de um modelo defendido pelo Bloco de Esquerda. Claro que não são casos únicos, mas são totalmente dispensáveis.

Tem o efeito totalmente contrário ao que por certo se quereria, no caso o Bloco, que não foi estar a passar a mensagem de que a vontade que tiveram, discutível, de casais do mesmo sexo conseguirem adoptar crianças, está legalizada, e ficou a confusão de se terem metido numa área que melindra muita gente, num País potencialmente católico de Roma, como é o nosso.

E mesmo que as pessoas arranjem sempre uma desculpa para não serem praticantes, e só irem à missa de quando em vez, no fundo foram educadas na crença Católica Romana, e não gostam de a ver ridicularizada. E, convenhamos, “não havia necessidade”...

Cada vez mais, temos todos, velhos, novos e de meia-idade, que ter muito cuidado e muito respeito “pelo outro”, neste tempo de demasiado fácil acesso à informação, e nas formas de a fazer passar, sem ter que ir pelos caminhos mais chocantes.

Agora, vamos ter, durante uns dias, mais um tema para ser explorado por todos até ao limite. Em vez de se falar de conteúdo, foi-se - e muito mal - para além da forma.

É pena, não é correcto, e não cria futuro. Mas quem faz lá saberá por que o fez.

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
27 de Fevereiro de 2016

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Converseta de prostíbulo




Tá memo bem! A conversa a descer ao nível «mac donalds» de subúrbio que o BE queria! E tarda nada vem aí a Maria Madalena, o Tiago e o resto do elenco.

Diz-nos a Bíblia (NT) que Jesus era filho de Deus. José assumiu a paternidade. 

Já Marx duvido que soubesse quem era a mãe e qual dos clientes desta é que seria o paizinho. Os marxistas do bairro alto para evitar esse tipo de problemas geneológicos juntam-se aos pares do mesmo género e adoptam criancinhas. Falta saber se tal como os velhos e relhos comunistas as comem ao pequeno almoço, ou antes, ou depois.

A diferença essencial com esta nova versão do Cristianismo para homos, é que em vez de escreverem um livro fundacional, transcrevem a coisa no Diário da República, sob a a forma de lei.

Não é tão romântico, mas dá-lhes um sentimento de dever cumprido na missão a que se dedicaram de exterminar a familia tal como a conhecemos, temos e praticamos.

É a versão «hamburger de soja / batata frita de pacote» da familia. Continuamos por aqui na construção afanosa de uma «sociedade suicida» e, de facto, qualquer dia só cá há sirios, afgãos e eritreus.

A sociedade civil tem de actuar, as nossas pensões de reforma estão em perigo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído anteontem no jornal i.
Líderes de partidos que não sabem dialogar estabelecendo acordos para mais do que uma legislatura não deviam ser aceites pela sociedade civil.

Uma viatura blindada Pandur

A sociedade civil tem de actuar, as nossas pensões de reforma estão em perigo
Durante a vida profissional, nós e os nossos empregadores fizemos, obrigatoriamente, descontos elevadíssimos para os vários sistemas de pensões de reforma. Se esse dinheiro fosse bem administrado, teríamos direito a pensões que nos permitiriam viver com muita dignidade o nosso período de reforma. 
Já muito se tem escrito sobre os prejuízos com as PPP, sobre as atuações governativas nos casos de bancos em dificuldade e os encargos elevadíssimos que estas originaram para os contribuintes. 
Neste artigo vou escrever sobre contratos assinados por um governo e que o governo subsequente, não contente com o objeto ou com as condições acordadas, anula. Referiam-se a fornecimentos de equipamentos que nunca foram entregues ao Estado português, apesar de terem custado muitos milhões de euros aos cidadãos. 
Lembro-me bem do contrato dos helicópteros, anulado por Paulo Portas, o que originou um enorme amuo nas hostes socialistas na Assembleia da República. Posteriormente, um contrato anunciado por Paulo Portas, já após Jorge Sampaio ter dissolvido a Assembleia da República em 2004, de uns carros de combate blindados que nunca viram a luz do dia, não blindando, portanto, coisa nenhuma.
Qualquer dos dois é um contrato de centenas de milhões de euros e não se admite que se tenha tratado assim o dinheiro dos cidadãos. Muito dinheiro foi desembolsado pelo Estado em vários pagamentos parcelares relativos a esses contratos. 
Devemos também não esquecer o vergonhoso contrato dos submarinos, que já tanta tinta fez correr nos jornais. Sempre fiquei muito intrigado com o facto de o contrato estar assinado para três submarinos e se ter, e bem, nesse caso, reduzido o número para dois. Mas porque não se reduziu só para um? Ou mesmo para nenhum? Lanchas rápidas fazem-nos certamente muito mais falta. 
A sociedade civil não pode pactuar com líderes partidários que não sabem fazer acordos para mais do que uma legislatura ou para contratos de valor elevado. Por exemplo, contratos de valor acima de 100 M€ deviam ter uma aprovação política muito mais abrangente. 
A situação que se criou no fim de 2015 com a mudança governativa é, no mínimo, muito preocupante. Reconheço que o governo de Passos Coelho fez, para usar uma expressão de um colega meu, privatizações já na 25.a hora. Mas, francamente, tanta mania na reversão das mesmas parece-me um grande exagero. 
A reversão da privatização da TAP foi bem esquisita. No início, os novos donos estavam furiosos e depois, num ápice, ficaram muito satisfeitos. Como são exímios negociadores, calcula-se o que deve ter acontecido. 
O Estado ficou com 50 por cento da TAP, mas não a quer gerir. Também não se mete no assunto das rotas! Então que faz? Envolvem-se os representantes do Estado nas decisões de compra dos aviões? Ou nas decisões que poderiam levar à redução do número de trabalhadores? Veremos o que vai acontecer. 
Uma outra reversão – esta correta, defendo eu – foi a de se ter posto fim ao projeto do Terminal de Contentores do Barreiro. Um projeto inqualificável, com problemas técnicos levantados pelo insuspeito bastonário da Ordem dos Engenheiros, numa altura em que Portugal tem de apostar fortemente nos portos de Sines, Setúbal e Leixões, preparando-os para transhipment e eficiente ferrovia de mercadorias. Só foi pena que, mais uma vez, muito dinheiro tenha sido anteriormente gasto em estudos, defendendo a alternativa do Barreiro apenas por pura teimosia governativa. 
Realço, mais uma vez, que líderes de partidos que não sabem dialogar estabelecendo acordos para mais do que uma legislatura não deviam ser aceites pela sociedade civil, porque não conseguem defender de forma cabal e abrangente os interesses financeiros da sociedade, apenas sabendo defender os seus partidos ou as suas ambições pessoais.

Fernando TEIXEIRA MENDES
Gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Soube-me a pouco, ou da irrelevância em política

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, ontem saído no jornal i.
Para mim, das frases desta campanha que merecem ficar na história, pelas piores razões, é aquela de Marcelo quando disse a propósito das críticas dos adversários “não vou responder a nada, vou contar até 100 e, quando chegar a 100, estou eleito”.
Soube-me a pouco, ou da irrelevância em política

Parece que foi há uma eternidade mas, na verdade, foi há dias que ocorreu a primeira e última volta das eleições presidenciais. 
Juro que nunca esperei que o próximo Presidente fosse Marcelo Rebelo de Sousa. Parecia-me uma improbabilidade completa mas, dado o quadro de candidatos presidenciais, acabou por ser o desfecho mais lógico e, depois da eleição, dirão todos, o mais previsível… 
Pensei, porque me apetecia pensar isso em relação ao meu país, que as eleições presidenciais iriam pôr face a face duas visões diferentes sobre Portugal: uma de caráter mais “humanista”, cujo eixo fossem os direitos das pessoas a uma vida melhor, protagonizada por António Guterres; e outra cujo fundamento fosse o de defender a necessidade de tornar o país mais competitivo e com contas públicas em ordem, protagonizada por José Manuel Durão Barroso. 
Em vez disso, tivemos direito a um concurso de retórica digno da Roma Antiga, um festival de lugares-comuns e algumas denúncias apressadas dos malefícios do “neoliberalismo”, alguns palhaços para abrilhantar a festa e o verdadeiro buraco negro ideológico chamado Marcelo. 
O resultado foi a completa ausência de debate público durante a campanha, como se Portugal tivesse ficado entre parênteses e a eleição para Presidente da República fosse uma coisa de somenos. 
Quer Marcelo quer os seus adversários autoproclamados de esquerda contribuíram fortemente para diminuir a eleição a que se candidataram. Todos (com a honrosa exceção de Henrique Neto, que não por acaso teve um resultado miserável) recusaram discutir os problemas do país, aqueles problemas de ciclo mais longo - uma década, pelo menos - de que só um Presidente, cujo horizonte é esse, se pode ocupar sem pensar nas eleições seguintes. 
Havia outras opções? Havia, mas pelos vistos os portugueses têm a sorte de dispor de homens políticos tão bons que podem dispensar a experiência política e as provas dadas de Durão Barroso ou Guterres… 
Aquilo que ouvimos ao longo de um mês de campanha foi o que não competia ao Presidente fazer, as competências que não tinha, as razões por que não teria de se ocupar de nada que fosse relevante, em vez de termos um debate sério sobre a forma como os candidatos viam o país e o mundo que o rodeia e, sobretudo, qual era o projeto que os animava na sua candidatura. 
Esta campanha fez-me ter saudades de outra campanha presidencial, em que a eleição ocorreu um dia depois de eu ter nascido, a de Humberto Delgado contra Tomás, em 1958: numa época em que os poderes do Presidente eram menores do que hoje, Delgado pronunciava-se em termos lapidares sobre o estado do país e sobre o então primeiro-ministro, Salazar, para dizer que se fosse eleito, “obviamente que o demitiria”, e, fazendo-o, correu riscos, o primeiro dos quais o exílio. 
Em tempos de democracia, compare-se a cobardia intelectual, a demissão da responsabilidade, a falta de compromisso com Portugal de quem assenta uma campanha inteira no mero facto de ser conhecido e se considera dispensado de dizer ao que vem. 
Mas essa não é a parte lastimável, não. A parte lastimável é o facto de os portugueses terem achado tudo isso suficiente e terem elegido à primeira quem por eles tem tão pouca consideração, como é também lastimável que quem tem ou tinha verdadeiras responsabilidades no regime vigente possa ter achado que estava abaixo da sua dignidade candidatar-se ou meter-se numa refrega com o Tino de Rans… 
Para mim, das frases desta campanha que merecem ficar na história, pelas piores razões, é aquela de Marcelo quando disse, a propósito das críticas dos adversários, “não vou responder a nada, vou contar até 100 e, quando chegar a 100, estou eleito”. 
Sem dúvida, tinha toda a razão e até teve piada. Era mesmo assim e isso diz tudo sobre a campanha eleitoral.
Mas isso diz tudo sobre a nossa democracia? Em boa verdade, quem pode queixar-se dos poderes instituídos que temos se nos demitimos permanentemente das nossas obrigações democráticas, a primeira das quais, básica, é votar? Mas, por outro lado, podemos levar a mal aos nossos compatriotas que se demitiram da democracia, nem votando nem assumindo qualquer compromisso, quando verificam que os mecanismos da representação política foram capturados pelos diretórios dos partidos políticos e pelos fazedores encartados de opinião? 
Dir-me-ão que este momento baixo do país não é o melhor para discutir estas questões fundamentais. A minha resposta é que se não é agora, é quando?

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Os gregos (que não somos) e os troianos (que nos fizeram ser…)

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, ontem saído no jornal i.
Também aqui as atraentes ofertas alojadas no cavalo socialista não passam de ilusão, aliás, já desfeita pelos golpes sofridos e sobretudo porque a guerra a vencer é a da competitividade da economia.

Os gregos (que não somos) e os troianos (que nos fizeram ser…)
“Temo os gregos, sobretudo quando nos trazem ofertas”, proclamava das muralhas de Troia o sábio guerreiro evocado na Eneida, aconselhando a rejeição do cavalo grego. 
De visita a Esparta, Páris raptou Helena e fugiu com ela para Troia, valendo--se da ausência em Creta do marido desta, Menelau, no funeral do avô. Furioso, Menelau declarou guerra àquela cidade. O cerco já durava anos e os combates, ferimentos e mortes provocavam um cansaço entre os gregos que nem os solenes rituais de glorificação dos heróis conseguia atenuar. Foi então que o oráculo Calcas deixou o aviso de que não seria o cerco que faria cair as muralhas troianas e só um ardil possibilitaria a tomada da cidade. 
Interpretando o oráculo, Ulisses construiu um cavalo de madeira, capaz de esconder guerreiros na sua estrutura e que, esperava, oferecido aos troianos como dádiva de paz, possibilitaria a tomada da cidade por dentro. Embora muitos generais considerassem o ardil indigno da honra grega, a saturação da guerra levou a que fosse aprovada a armadilha para tornar rápida a vitória. 
Acordaram então os troianos com a armada grega em retirada e um gigantesco cavalo de madeira na praia. Convencidos pelos símbolos de paz, festejaram e acolheram a oferta. Mas ao cair da noite, desprevenidos, deixaram o inimigo sair das entranhas do cavalo e, abertas as portas, viram a cidade invadida pelos sitiantes escondidos, que logo acorreram. 
Diz Homero que a guerra por Helena terminou aí. Mas diz a história que a guerra continuou, agora entre as cidades gregas que queriam chamar a si as rotas dos produtos caros, das cerâmicas, dos metais, armas, perfumes, marfim e ouro, cujo comércio Troia controlava das costas da Ásia Menor às portas do mar Negro. A aliança das várias cidades gregas não era por Helena, que apenas interessava a Menelau, mas por um objetivo bem maior. 
Terminada a batalha, diz a lenda, Ulisses vagueou pelos mares e veio a fundar Lisboa. E, pasme-se, reincarnado e vivo, continua por cá, teimando em oferecer, agora aos portugueses, novos cavalos carregados de ofertas enganosas. 
Travestido de político de esquerda, começou por introduzir um primeiro cavalo no âmago das hostes socialistas. Embora alguns temessem a oferta, logo os dirigentes viram nela um sinal da paz que lhes servia para cavalgar outro cavalo, o do poder. E nele novos Ulisses logo introduziram reposições de salários, diminuições de tempos de trabalho, aumentos da despesa aprimorados com multiplicadores à maneira para o conveniente aumento da riqueza e diminuição dos défices e da dívida. E, assim ajaezado, o ofereceram aos cidadãos. 
Mas se o objetivo comum que possibilitou, em Troia, a aliança com Menelau, não impediu invasões na terra-mãe, com vista à predominância de cada cidade, também por cá, invadida por dentro, a armada socialista estilhaçou-se na última refrega eleitoral, tornando o invasor mais forte e ficando mais frágil para conduzir as próximas batalhas. 
E, assim como para os troianos a ilusão da oferenda provocou a derrota, e para os gregos não trouxe a paz, que a luta intestina pelo domínio económico continuou, também aqui as atraentes ofertas alojadas no cavalo socialista não passam de ilusão, aliás, já desfeita pelos golpes sofridos e sobretudo porque a guerra a vencer é a da competitividade da economia – mas essa, por completo, ficou de fora do bojo do cavalo do governo. 
Também eu temo os governos quando nos fazem ofertas ilusórias que, como em Troia, e apesar dos avisos, conduzem ao desastre. O cavalo com que Ulisses derrotou Troia ressuscitou em Lisboa. Por artes e manhas de uma democracia sem qualidade.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A contaminação da indiferença

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.

A abstenção não põe em causa a legitimidade dos eleitos, mas enfraquece a consistência social da sua representatividade e também a ressonância política.

 
A contaminação da indiferença
O aumento da abstenção tornou-se problema crónico da nossa democracia. Se levarmos a sério os cadernos eleitorais oficiais, o governo atual, pela base eleitoral dos partidos que o sustentam, não representa mais do que 25,6% do eleitorado. E o próximo Presidente da República, que acabamos de eleger, não representará mais do que 24,8% dos eleitores registados.
A abstenção não põe em causa a legitimidade dos eleitos, mas enfraquece a consistência social da sua representatividade e também a ressonância política. Os mandatos são mais fracos do que se houvesse ampla participação eleitoral e contagiante mobilização da cidadania. 
Existe a ideia de que quanto maior a proximidade dos órgãos a eleger, mais alta é a participação eleitoral. Não é verdade. Em termos comparados, o que determina a maior afluência às urnas é a importância política do órgão a eleger. As eleições autárquicas têm normalmente participação mais baixa do que as eleições legislativas; e também costumavam tê-la com referência às eleições presidenciais. Por outro lado, as eleições nacionais (habitualmente mais concorridas) tinham mais afluência em momentos de maior intensidade política do que em momentos de maior banalidade. Por exemplo, havia mais votantes nas presidenciais em que se elegia um Presidente novo do que quando se reelegia o Presidente em funções. Também havia mais afluência nas eleições parlamentares com clima de disputa para mudança de ciclo do que nas vividas em onda de continuidade. E, mesmo nas autárquicas, a afluência pode variar de concelho para concelho, consoante a densidade e o dramatismo das escolhas locais a fazer. 
O que é novo neste século é a abstenção subir continuamente. Estávamos num quadro em que a abstenção era de cerca de 1/3 – excepto nas eleições europeias, em que atingia os 2/3. Mas no ano 2000 iniciou-se uma evolução contínua que nos conduziu a um estado em que é já praticamente metade o total de eleitores que não votam – e, nas europeias, mantêm-se os 2/3 de abstencionistas. 
É difícil encontrar outro tão forte e evidente sinal de fracasso de um sistema político: metade dos cidadãos não se interessam, metade dos cidadãos não querem saber. 
A fonte do problema está no funcionamento deficiente dos partidos, sobretudo no defunto “arco da governação”. As manobras, os truques, os jogos de aparelho foram desgostando a cidadania: primeiro, da participação; depois, também da eleição. Cada vez mais pessoas deixaram de ver os partidos como expressão das suas preocupações, como entidades próximas e viradas para a representação social; e deixaram também de ver os deputados como seus representantes, antes meros enviados e agentes das direcções partidárias. 
O problema tornou-se tão sensível que, em 1997, subiu à revisão constitucional. Esta veio permitir mudanças muito relevantes: se, desde 1989, já era possível aditar um círculo nacional e, portanto, reformular por inteiro os círculos eleitorais (compatibilizando círculos regionais e nacional), passou também a ser possível articular, num sistema misto, círculos plurinominais e círculos uninominais. 
Nas eleições anteriores a essa revisão constitucional, a abstenção não superava um terço dos eleitores: 36,6% nas autárquicas de 1993, 33,7% nas legislativas de 1995 e 33,7% nas presidenciais de 1996.A excepção foram as europeias de 1994, com 64,5% de ausências, como é problema geral europeu. 
Mas desde 1997, há quase 20 anos, não se fez nada, absolutamente nada. O sistema continuou imutável. Porquê? Porque a reforma necessária, a que a Constituição abriu a porta, é para atrair o envolvimento da cidadania, reforçar o poder de escolha dos eleitores, limitar e diminuir o poder absoluto dos directórios – e os directórios partidários não querem, não deixam. 
O efeito desta obstinada inércia é a contínua deterioração do sistema e degradação dos resultados. Para o Parlamento Europeu, as eleições mantêm o elevadíssimo recorde de abstenções, sempre a subir: em 2004, 61,2%; em 2009, 63,2%; em 2014, 66,2%! Nas autárquicas, apesar da proximidade dos eleitos e da multiplicação de listas independentes, que atenuam o divórcio com os cidadãos, a abstenção já atinge metade do eleitorado: em 2001, 39,9%; em 2005, 39%; em 2009, 41,9%; em 2013, 47,4%. Noutro artigo anterior, evidenciei já como o plano inclinado atingiu também as eleições regionais na Madeira, apesar da mudança de ciclo e do aparecimento de novos partidos: em 2015, abstenção de 50,3%! E nas eleições legislativas, o eixo do sistema político, a indiferença foi crescendo até quase metade do eleitorado: em 2002, 37,6%; em 2005, 35%; em 2009, 40,3%; em 2011, 41,9%; em 2015, 44,1%. 
O fenómeno tem vindo a enraizar-se tanto que agora contaminou as próprias eleições presidenciais. Já tínhamos tido abstenção acima dos 50% para reeleger Presidentes em funções: em 2001, 49,1%; em 2011, 53,5%. Agora, foi a primeira vez em que, para eleger um Presidente da República novo, a abstenção ultrapassou a metade: em 2006, 37,4%; em 2016, 51,3%. Numa eleição homóloga, a abstenção galgou 14 pontos percentuais! 
O facto em nada diminui a extraordinária proeza conseguida por Marcelo Rebelo de Sousa (ainda será objecto de estudo daqui a 20 anos), nem afeta minimamente a sua legitimidade. Mas é nova medida significativa do profundíssimo grau de doença dos partidos e do sistema político. 
Foram, aliás, os maiores partidos políticos os causadores dessa tão grande indiferença face às eleições presidenciais: PSD e CDS porque, quer sozinhos quer coligados, foram totalmente incapazes de estabelecer uma estratégia presidencial e de definir à eleição um qualquer propósito nacional ou uma missão; e o PS porque, além deste mesmo vazio, ainda se dividiu e, por isso, teve de calar-se. E são também os partidos parlamentares que, há décadas, bloqueiam a imperiosa reforma do sistema eleitoral no sentido de reconciliar a cidadania com participação partidária e representação política. Num e noutro caso, a razão é a mesma: os partidos e seus directórios só se interessam pela sua quota de poder e lugares respectivos. 
Decai a qualidade da democracia. Alastra a contaminação da indiferença. Tombámos numa democracia a meio gás: metade não vota, metade não liga. Na esteira do Manifesto lançado há um ano, o que nos reúne na Associação Por uma Democracia de Qualidade é contrariar a paralisia reformista dos partidos, trabalhar para a reforma e a mudança. Não desistimos.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i.