quarta-feira, 27 de junho de 2018

Uma sociedade civil que não tenha fortes ambições para o seu país mais não faz que afundá-lo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.
Ao apertar da malha da supervisão bancária responderam a maioria dos partidos, no fim de 2017, com um acordo que incluía uma medida de que sou muitíssimo crítico, a da eliminação do limite do valor máximo dos donativos aos partidos.


Uma sociedade civil que não tenha fortes ambições para o seu país mais não faz que afundá-lo

A situação económica e social em Portugal complica-se a olhos vistos. A sociedade civil tem de intervir e não pode esquecer-se que é ela que tem de estar ao leme desta embarcação.

Neste momento em que as exportações diminuem, reduzindo-se por consequência as receitas do Estado; quando ainda não foi feita uma verdadeira reengenharia para simplificação das funções do Estado que possibilite uma importante redução da sua despesa; em que continuamos a sofrer o impacto da destruição infringida por alguma banca, cuja influência originou a destruição de mais de 25% da nossa riqueza nacional; e em que precisamos desesperadamente de uma justiça confiável, célere e eficaz que não temos (apesar das enormes melhorias introduzidas por Joana Marques Vidal face aos seus antecessores na Procuradoria-Geral da República), constato que em vez de os problemas serem resolvidos, continuam a agravar-se de forma inequívoca.

Certos estavam os que previam que, enquanto não alterássemos o nosso sistema eleitoral para a escolha de deputados para a Assembleia da República, não conseguiríamos contribuir para uma verdadeira solução dos graves problemas que continuam a afetar-nos.

Foi por isso que escrevemos em 2014 o importante “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”, em que defendemos, no seu ponto 1, a alteração do sistema eleitoral para a Assembleia da República, pugnando pela introdução de círculos uninominais para se aproximarem os eleitos dos eleitores – o que a nossa Constituição, aliás, já prevê há mais de 20 anos!

Recentemente apresentámos ao senhor Presidente da República e aos partidos políticos com assento parlamentar a nossa proposta de uma assembleia com 229 deputados, sendo 105 eleitos pelo mesmo número de círculos uninominais, 105 eleitos em círculos distritais, quatro eleitos pela emigração e 15 eleitos por um círculo nacional de compensação, para assim se poder implementar o sistema de representação proporcional personalizado. Desejamos que em breve esta nossa proposta venha a ser amplamente debatida.

Quando escrevemos o “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”, em boa hora inserimos também o «ponto 2 - Alteração do sistema de financiamento dos partidos políticos», que sinto obrigação de citar neste momento. Alertámos, na época, para que este é «um problema fundamental do nosso doente sistema democrático».

De facto, ao apertar da malha da supervisão bancária responderam a maioria dos partidos, no fim de 2017, com um acordo que incluía uma medida de que sou muitíssimo crítico, a da eliminação do limite do valor máximo dos donativos aos partidos. Tudo feito, à época, no maior dos secretismos. Os deputados que, de facto, com o sistema eleitoral vigente não nos representam, representando exclusivamente os partidos políticos, mostraram mais uma vez do que são capazes!

O senhor Presidente da República não quis ou não pôde manter o veto presidencial original e esta vergonhosa medida foi promulgada. Assim não é possível termos uma democracia de qualidade e foi lançada uma acha para mais um incêndio que a sociedade civil terá de debelar.

Advogámos quando escrevemos o manifesto que:

«Há que aperfeiçoar o quadro atual do sistema de financiamento partidário:

– Receitas de fonte maioritariamente pública, com verbas alocadas pelo Orçamento do Estado.

– Receitas privadas apenas por contributos de pessoas individuais em moldes estritamente regulamentados na lei (quotizações, donativos limitados ou eventos de angariação de fundos) e permitindo a respetiva fiscalidade pública, nomeadamente pelas deduções na coleta em sede de IRS ou por outros mecanismos de cruzamento com o sistema tributário.»


Advogámos ainda que fosse um corpo de auditores especiais no âmbito da Procuradoria-Geral da República ou uma secção especializada do Tribunal de Contas a auditar as contas dos partidos políticos. Contudo, fogem dessa auditoria como o diabo da cruz, vá-se lá saber porquê!

O sistema, tal como o descrevemos, dificultaria enormemente que as empresas andassem à procura de indivíduos para efetuarem os seus donativos aos partidos.

Está além disso demonstrado que com receitas maioritariamente públicas, quer isto dizer, com verbas alocadas no Orçamento do Estado, se consegue que o financiamento partidário seja mais barato para os cidadãos e mais justo para os pequenos partidos que não têm acesso ao poder.

Atendendo ao comportamento de grande parte dos deputados, que mais não fazem do que seguir incondicionalmente os chefes para não ficarem fora das listas seguintes, só a sociedade civil, no futuro, espera-se, também com o apoio eficaz do senhor Presidente da República, pode atingir o importante objetivo que para bem do país traçámos.

Não duvidem os leitores: compete à sociedade civil estar ao leme!

Democracia de qualidade só com a melhoria da classe política e isso só virá a acontecer se vierem a implementar-se círculos uninominais na eleição dos deputados para a Assembleia da República, tal como defendemos no importante “Manifesto: Por uma Democracia de Qualidade”.

Contactos e informações através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com

Fernando TEIXEIRA MENDES
Gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 20 de junho de 2018

Os artistas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, saído hoje no jornal i.
Este modo de funcionamento da política, guiada por interesses e posições, é um modo eminentemente intestino e teatral. As escolhas internas do partido são norteadas, única e exclusivamente, por posições de “poder” e controlo do acesso ao “poder” ou da sua detenção.


Os artistas
Quando entrei na actividade política em 1974, no princípio do Partido do Centro Democrático Social, não ia tratar da minha vida, mas da vida de Portugal, da vida de todos, da vida dos outros nas ideias a que eu pertencia. Tinha 20 anos, o 25 de Abril mudara o país, a revolução acelerava a caminho da PREC. Só por absoluta estupidez alguém iria cuidar da sua vida no CDS. Nem eu, nem ninguém estava no CDS para tratar de si. Todos estavam por uma ideia, um chamamento cívico urgente, algum grau de idealismo.

Isto que era verdade no meu universo, creio que era verdade para todos, mesmo para aqueles com posição mais confortável, até de preponderância, na maré da revolução. Na minha observação, foi assim. À esquerda, ao centro ou à direita, as ideias eram muito diferentes, às vezes até opostas, mas o espírito tendia a ser o mesmo: todos militavam para servir. Os tempos, aliás, não eram apropriados a quem quer que seja aspirar a servir-se do que quer que fosse. Tudo era instável, tudo era efémero, tudo era incerto.

Este espírito de fundo marcou uma geração de políticos na nossa democracia. Uma geração das duas ou três gerações que viveram intensamente esses anos. E uma geração de cores diferentes: todos os que, em diferentes correntes políticas, deram o passo em frente nessa altura, respondendo à chamada.

Esse clima durou até à estabilização democrática, a meio da década de 1980. Além da estabilização, que passou a atrair pessoas com perspectivas de carreira, houve dois outros factos que marcaram essa mudança: a entrada na CEE e a primeira maioria absoluta monopartidária (Cavaco Silva, PSD). A partir daqui – 1986, 1987 –, o espírito da entrada na política passou a ser marcado por postos e pelas lutas e jogos de poder – entendendo o “poder” não como poder realizar (ao abrigo de ideias, programas ou valores), mas como poder dispor (ao abrigo de interesses e ambições pessoais). O poder norteado por ideias tende a ser guiado por uma determinada ideia de Bem Comum e, portanto, um desígnio fundamentalmente generoso. O poder norteado por interesses derrapa facilmente para longe do Bem Comum, sentando-se no colo do interesse pessoal ou de grupo.

É aqui que o problema da escolha se torna mais crítica. Enquanto o ambiente é todo coração, patriotismo, vibração cívica, ideal, paixão genuína, a tutela directa pelos eleitores quanto aos indivíduos que os representam pode não parecer tão importante. O ambiente geral dos partidos é marcado por uma grande generosidade, que naturalmente atrai os generosos e afasta os que o não são. Aos eleitores, chega-lhes escolher entre as diferentes correntes políticas, pois tenderão a ser bem servidos, seja qual for o sector. Mas deixa de ser assim onde a política roda para o império dos interesses: o eleitor corre cada vez mais o risco de levar gato por lebre.

Dentro dos partidos mais ligados ao poder e ao seu exercício, o clima e a dinâmica também foram mudando. Formam-se tribos internas, para conquista de posições. E, depois, para repartição de benefícios e influências ou na perspectiva dessa repartição. O exercício partidário torna-se cada vez mais marcado e entrincheirado. Um líder ganha, arregimentando determinados apoios, que logo ficam conhecidos como os respectivos “istas”. Estes consolidam as partes do aparelho que já dominavam e tentam ocupar tudo o resto. O debate político interno deixa de ser aberto e franco, para se tornar fortemente condicionado. E, aproximando-se as eleições, as escolhas dominantes para as listas são feitas para consolidar o “poder” dos “istas” triunfantes, com uma ou outra concessão que embeleze a imagem plural. O serviço dos eleitores é critério que pesa pouco – e, se fizermos esta pergunta, até são capazes de se admirar com a pergunta.

Este modo de funcionamento da política guiada por interesses e posições é um modo eminentemente intestino e teatral. As escolhas internas do partido são norteadas, única e exclusivamente, por posições de “poder” e controlo do acesso ao “poder” ou da sua detenção. E o discurso público é esvaziado de convicções, tendendo a escolher (até de modo fragmentário) linhas que sirvam a capacidade de atrair alguns segmentos de voto pelos chamados “nichos” ou de alimentar o espectáculo do debate político, interpretado como zaragata.

Os grupos de candidatos aparentam ser representantes de grandes cobertores e vastas memórias, treinados na ocupação do espaço a que o respectivo partido pertence ou aspira. Salvo quando o discurso resvala para um dos temas que alimentem a zaragata ou a picardia do quotidiano, é raro ouvir sustentar de forma genuína o que quer que seja que tenha a aparência de uma convicção. Evoluíram para o modo profissional dos advogados: atendem quem vier ao cartório. Tornam-se artistas na representação vaga da “direita”, da “esquerda”, do “centro”, na evocação solene de ideias gerais, na convocação dos “nichos” de ocasião. A arte passou a ser essa: representação no sentido teatral, não representação no sentido político.

É por isso que não é de estranhar que as legislaturas passem, uma atrás doutra, e reformas essenciais sejam negligenciadas e fiquem sempre por fazer. Ao longo de décadas até. E não é que sejam esquecidas: elas são lembradas, e são faladas, mas não são feitas, nem cumpridas. É por isso também, com tantos problemas que vemos a acumular-se, que é muito difícil conseguirmos lembrar-nos de quando foi a última vez que ouvimos um líder político, um dirigente, a transmitir uma ideia de Portugal, a sua visão da Europa, uma leitura do mundo, do tempo, da sociedade, das pessoas. Porquê? Porque as convicções foram arredadas. Porque ter visão foi desprezado. Porque o foco no Bem Comum foi atirado para o lixo. Porque sentido de servir foi posto em último plano.

A intervenção do eleitor na escolha democrática dos deputados é absolutamente crucial neste contexto. Só a acção directa dos eleitores pode corrigir a viciação do funcionamento interno dos partidos e restituir substância política ao elenco dos candidatos e dos eleitos. O sistema de eleição proporcional personalizada, que temos defendido na esteira do artigo 149º da Constituição, opera esse “milagre”, através da conjugação dos círculos uninominais e das listas plurinominais. Os deputados em que nós votamos individualmente têm dificuldade em ser fingidores: por um lado, estão sujeitos a escrutínio mais próximo; por outro, se traírem a confiança, nunca mais a receberão de novo. Esses candidatos uninominais contagiam de modo positivo o espírito da formação das listas plurinominais e podem também integrá-las. Ou seja, salvamos o sistema eleitoral proporcional.

Nunca voltaremos para o espírito “heróico” dos primeiros anos da democracia. Não é possível, nem desejável. Por outras palavras, temos que lidar com os interesses ao lado dos ideais. Faz parte da vida. O que é importante é termos aprendido com a experiência e rectificarmos o sistema por forma a dotá-lo mais de valores e ideias e menos de servilismo e espírito interesseiro. Os partidos são indispensáveis, mas temos de libertar a escolha pelo eleitorado do império dos jogos partidários. Não há mal nas carreiras políticas, desde que regidas pelo eleitorado e não pelo circuito fechado dos chefes e cliques: carreiras abertas, transparentes, democráticas. Os deputados são representantes dos eleitores: é isso que temos que repor, se queremos verdade e Bem Comum a presidir à política em Portugal.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"

NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 13 de junho de 2018

A destruição do investimento na habitação

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O governo criou um imposto de confisco, designado popularmente por “imposto Mortágua” e destinado exclusivamente a imóveis para habitação. Sim, caro leitor. Se tiver uma casa alugada a uma família, mesmo com contrato vitalício, tem de pagar o imposto Mortágua. Mas se tiver alugado para um bar de alterne, estará isento!
Obra parada
A destruição do investimento na habitação
Um dos fundamentos da economia social de mercado é a mobilização das poupanças para investimentos social e economicamente eficientes. Por isso, desde os inícios do séc. XX e até 1974, a promoção imobiliária para habitação foi em Portugal uma das aplicações diretas das poupanças das famílias e das pequenas empresas.

Em 1975, o processo revolucionário então em curso manteve o congelamento das rendas em Lisboa e no Porto, que já vinha do Estado Novo, e alargou-o a todo o país mesmo, com uma inflação anual acima dos 20%! O que arruinou os proprietários que, ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado, se viram obrigados a vender ao desbarato os seus imóveis para não caírem na insolvência, devido a uma legislação que tornara os custos da manutenção dos edifícios mais altos do que as rendas congeladas por lei. Isso levou à ruína de muitas zonas urbanas e acabou com o investimento para arrendar. Ou seja, uma política de pretensa proteção social dos “inquilinos vitalícios” entregou aos bancos o encargo de financiarem em exclusivo a promoção imobiliária.

Face à degradação dos imóveis arrendados, a nova lei de 1992 permitiu a celebração de contratos de arrendamento com prazo certo, bem como a atualização periódica das rendas em função da inflação. Mas o valor extremamente baixo das rendas dos mais de 200 mil contratos habitacionais vitalícios estabelecidos antes de 1992 fazia com que a respectiva gestão continuasse a ser um verdadeiro suplício. E isso impedia novos investimentos para arrendar, pois permanecia bem viva a espada de Dâmocles do congelamento de rendas.

Os efeitos tenebrosos que esta política teve nos bancos nacionais são bem conhecidos. Forçados politicamente a dar crédito para compra de habitação às famílias das classes médias com prazos de empréstimo de 40 anos, mas dispondo apenas de fontes de crédito a cinco anos, os bancos criaram o caldo de cultura para o colapso que os atingiria com a crise financeira de 2008.

Para permitir a retoma do investimento direto de poupanças em habitação, foi criada a lei de 2012, que visava resolver progressivamente o fardo económico das rendas degradadas herdadas do período do “congelamento gonçalvista”. E essa lei permitiu, de facto, uma notável recuperação do património urbano, bem visível nas grandes cidades, e potenciar também o forte boom turístico de que Portugal tem beneficiado graças à instabilidade vivida nos principais destinos turísticos do Mediterrâneo e do Médio Oriente.
Quando o atual governo chegou ao poder, em finais de 2015, herdou assim uma notável recuperação urbana a par das consequências duma procura turística que ultrapassava tudo o que se podia ter imaginado em 2012.

Face a este novo quadro, o governo tomou em 2016 duas medidas desastrosas para a confiança de qualquer investidor: 
– Decidiu abolir os subsídios de renda previstos na lei de 2012 para apoiar os inquilinos com dificuldade em pagar as rendas sociais estabelecidas pela própria lei, obrigando assim os proprietários a continuarem a fazer assistência social num horizonte a perder de vista;
– Criou um imposto de confisco, designado popularmente por “imposto Mortágua” e destinado exclusivamente a imóveis para habitação.

Sim, caro leitor. Se tiver uma casa alugada a uma família, mesmo com contrato vitalício, tem de pagar o imposto Mortágua. Mas, se tiver alugado para um bar de alterne, estará isento!

Sempre fiquei na dúvida se os proponentes desta lei se aperceberam da monstruosidade social do que legislaram. Mas pelo menos uma pessoa da atual maioria se apercebeu: o presidente da Câmara de Lisboa. Fernando Medina resolveu fazer um desconto no IMI para quem for proprietário de casas arrendadas para habitação, ou seja, precisamente as vítimas do imposto Mortágua. Mas só em Lisboa estas têm uma ligeira compensação. Resumindo, uma total e absurda contradição interna das políticas de habitação!

E agora, perante a quebra do investimento para arrendar, o governo mantém o imposto Mortágua e fez mais dois avanços no sentido de regressar ao “congelamento das rendas”: 
– Tornar vitalícios os contratos temporários para inquilinos maiores de 65 anos; 
– Bloquear as ações de despejo.

Face a esta calamidade anunciada, os incentivos da redução do IRS para contratos de arrendamento a mais de dez anos nada significam e o investimento para arrendar continua parado. E a monstruosa burocracia de concursos públicos para a seleção de candidatos para atribuição de “rendas acessíveis “ em imóveis privados retira qualquer vantagem a esta proposta. Pelo que as famílias à procura de casa não encontram habitações para arrendar, o que agrava os problemas sociais e demográficos do país.

Como, por outro lado, os bancos dão aos aforradores taxas negativas, estes, em desespero, vão investir em fundos que, provavelmente, vão financiar economias estrangeiras em vez de promoverem a habitação em Portugal. E isto num país terrivelmente descapitalizado! Mas certamente que o ministro Mário Centeno, agora também presidente do Eurogrupo, estará atento a este desastre na aplicação das poupanças dos portugueses que irá arruinar de novo a estabilidade do próprio sistema bancário. E desacreditar ainda mais a qualidade da nossa democracia. 
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Sobre a urgência de reformas e o primado da ética

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

A celeridade e a previsibilidade da ação judicial são aspetos determinantes da credibilidade e eficácia do Estado de direito – este, por sua vez, suporte incontornável da democracia –, não são motivos de controvérsia.


Sobre a urgência de reformas e o primado da ética
De acordo com o discurso oficial vigente, Portugal teria não só vencido já a grave crise de 2008-2011 – em que esteve a um passo da bancarrota – como teria encontrado finalmente o seu caminho, rumo ao tão almejado desenvolvimento sustentável e à convergência com os padrões vigentes na União Europeia. Portugal, finalmente, na rota do sucesso. Um novo oásis! Mas será, de facto, mesmo assim? Dificilmente alguém sabedor e independente poderá subscrever este veredicto, não obstante o progresso alcançado e traduzido por alguns indicadores significativos (défice orçamental das contas públicas, taxa de crescimento do PIB, saldo da balança de transações correntes, taxa de desemprego, etc.). Com efeito, a questão crucial da sustentabilidade desta evolução está longe de poder ser tida como adquirida.

Importa também ter consciência de que não só nos últimos cinco, seis anos as condições externas e a conjuntura internacional foram extremamente favoráveis como, neste contexto, o nosso desempenho fica aquém do conseguido por outros países do nosso espaço geográfico (nomeadamente, a Espanha e a Irlanda), o que faz com que, ainda há dias, a Comissão Europeia tenha vindo lembrar-nos que, em termos de rendimento per capita (e em termos de paridade dos poderes de compra), Portugal ocupa a 21ª posição; em 2000 alcançava a 16ª posição com um rendimento de 84% da média europeia, versus 78% atualmente. Convém igualmente ter presentes as diminutas taxas de poupança e investimento do país, fatores estes determinantes do desejado crescimento económico e que urge melhorar. Com efeito, o nosso Estado gasta em juros mais do que em investimento, o que diz muito sobre a eficácia da nossa gestão pública. Acresce que a taxa de juro dos nossos empréstimos externos é superior à taxa de crescimento do PIB, o que obviamente não contribui para a redução do peso da dívida.

A conclusão evidente é a de que não chega gerir o curto prazo, na base de uma conjuntura económica global favorável; há que ter igualmente em consideração o longo prazo, enquanto horizonte para a vivência das nossas aspirações coletivas. No nosso caso, tal implica a necessidade de não desprezar, mas antes de ter em conta a urgência de reformas estruturais.

Já aqui abordámos, por mais de uma vez, esta necessidade e o seu significado. Contudo, há dois domínios em que estas reformas são imperiosas, sob pena da eventual emergência de populismos: a reforma do sistema eleitoral e a da justiça, tendo em vista conseguir maior celeridade nos processos e um efetivo combate à corrupção. Hoje gostaria de pugnar sobretudo pela urgência da segunda, uma vez que a importância da primeira vem sendo semanalmente abordada neste jornal por vários autores no âmbito do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”.

Que a celeridade e a previsibilidade da ação judicial são aspetos determinantes da credibilidade e eficácia do Estado de direito – este, por sua vez, suporte incontornável da democracia – não é motivo de controvérsia. Que uma das vertentes básicas do Estado de direito assenta no combate à corrupção também não é motivo de discussão. A controvérsia resulta basicamente das atitudes públicas que lhe estão associadas: fatalismo versus resistência e ativismo. Fatalismo, porque a sua origem se perde na memória do tempo e, ao que tudo indica, assim continuará; resistência porque também desde sempre o seu combate e extinção foram eleitos como causas da cidadania, e o ativismo cívico um dos instrumentos ao seu serviço.

Do que precede pode decorrer algum conflito, fruto da necessária independência da justiça face aos demais poderes, mas que não pode e não deve ser confundida com judicialização destes. Independência da justiça significa a liberdade que esta deve ter para conduzir todo o processo judicial de acordo com as boas práticas legais, com vista à eventual condenação do(s) arguido(s) e determinação da(s) correspondente(s) pena(s). Tal não pode nem deve impedir que a cidadania analise, de um ponto de vista moral e ético, os atos ou ações praticadas por quem quer que seja. Criminalização é do estrito fórum da justiça; avaliação de comportamentos do ponto de vista moral e ético é um dever de cidadania. Esta distinção é fundamental num Estado democrático! Nas palavras de Oprah Winfrey (conceituada apresentadora e referência da TV norte-americana): “Nunca confunda o que é legal com o que é moral... Ou você é um indivíduo de princípios ou não.” Tudo isto para que se evite a “espiral do silêncio” que faz com que as pessoas receiem expressar pontos de vista pessoais por os julgarem “isolados” e não em consonância com o “politicamente correto”. Tais comportamentos podem obviamente redundar em detrimento do bem comum. Os média de âmbito social poderão e deverão, neste contexto, desempenhar um utilíssimo papel no revelar do “sentir” maioritário da opinião pública. Tal deverá igualmente contribuir para a melhoria do sistema político, no sentido de revelar que cidadãos indefesos, mas não necessariamente minoritários, são vítimas de forças políticas não controladas. Isto é particularmente grave quando os órgãos eleitos não representam de forma correta a vontade dos cidadãos, nomeadamente como resultado da captura dos partidos políticos por oligarquias partidárias e/ou significativa abstenção, como é atualmente o caso em Portugal.

A documentar o que fica dito cite-se a progressivamente crescente e elevada abstenção registada nas eleições legislativas e autárquicas, e os inúmeros casos de “presumida” corrupção e/ou de comportamentos menos éticos por parte de políticos, governantes e agentes do setor privado que têm sido revelados – casos estes que pelo seu número, custos envolvidos, gravidade dos mesmos e ausência de julgamento e aplicação das correspondentes penas deixam perplexos os cidadãos, mas não os órgãos do Estado, a começar pela Assembleia da República, sede do poder legislativo e onde supostamente se reúnem os representantes eleitos pelo povo. Pelo contrário, assistimos com frequência à desculpabilização e “branqueamento” de comportamentos e procedimentos por parte de governantes, ao mais alto nível da hierarquia, que a todos envergonham e seriam motivo de demissão em qualquer país com longa tradição democrática.

No que respeita a custos, basta ter em conta os montantes envolvidos na recuperação do sistema financeiro e falência/venda de bancos, que seguramente atingem várias dezenas de milhões de euros; quiçá poderão mesmo rondar 1/3 do PIB. Isto para já não falar nas consequências gravosas resultantes da perda de importantes centros de decisão nacional. Acresce a tudo isto a destruição de empresas emblemáticas da competência e competitividade nacional, como foi o caso da PT e da Cimpor, e a venda de empresas detentoras de monopólios naturais e rendas excessivas – caso da REN e EDP – na perspetiva enganadora de que privatizar significa racionalizar e libertar da influência do poder público. O oposto poderá ocorrer no caso de “privatizações” manipuladas por interesses específicos, com a conivência do poder político. Em resumo, assistimos a uma destruição impune da riqueza nacional só comparável com a ocorrida no âmbito do PREC. E nada acontece!

Façamos então votos para que tudo isto mude rapidamente, agora que o PS elegeu como seu estandarte a luta contra a corrupção. Que o atual “equilíbrio” de corrupção reinante – mas de que ele (importa dizê-lo) não é exclusivamente responsável – possa, a breve trecho, conduzir a uma clarificação e limpeza do mesmo, com base no maior dinamismo e empenhamento do poder judicial, nomeadamente por parte da Procuradoria-Geral da República – e que importa aqui assinalar –, alicerçado num comportamento mais determinado e voluntarista visando a sua erradicação. 

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


sexta-feira, 1 de junho de 2018

Prever o futuro é essencial para governar bem

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído hoje no jornal i.

Essa ideia peregrina, que floresce em alguns setores da nossa sociedade, de receber todos os que pretendam cá chegar não é viável e só pode dar asneira. 
 
Prever o futuro é essencial para governar bem
Aceito que me chamem racista e xenófobo, ou qualquer outra coisa de que se lembrem, mas não aceito, nem um bocadinho, que todos os deserdados do mundo decidam vir viver para o Ocidente, em particular para a Europa, trazendo consigo as suas culturas, as suas religiões e os seus hábitos de vida. Pela razão simples de que essa ideia peregrina, que floresce em alguns setores da nossa sociedade, de receber todos os que pretendam cá chegar não é viável e só pode dar asneira. De facto, já está a dar asneira.

A asneira resulta, como é evidente, de que os povos ocidentais estão assustados com a chegada às suas cidades e aos seus bairros de milhares de seres humanos com hábitos, culturas, ideias e objetivos de vida que não encaixam nos seus padrões de vida e de aceitação. Razão principal por que milhões, que não são racistas nem xenófobos, protestam da única forma eficaz que conhecem, na mesa de voto, dando assim vazão às suas inseguranças e receios ao escolherem aqueles políticos que propõem não aceitar a imigração em massa. Os atuais governos populistas de direita dos Estados Unidos, da Polónia, da Hungria, da Áustria e, proximamente, da Itália são disso o resultado e muitos mais o serão no futuro. Isto é, o mesmo populismo e a incapacidade de pensar fora da gaveta ideológica por grande parte das esquerdas estão a gerar uma enorme guinada à direita que coloca em causa os valores tradicionais dos povos ocidentais.

Claro que tudo isto era previsível para quem tivesse dois dedos de testa. Bastaria pensar que as novas tecnologias da televisão, da ethernet e dos telemóveis estavam a chegar a todo o lado e que os povos mais pobres e deserdados do globo passariam a querer fugir dos seus países para viver no mundo ideal de que estavam a tomar conhecimento. Simplesmente, os governos ocidentais estão tão ocupados na acumulação de 40% de toda a riqueza global para os bolsos de um por cento da população mundial, e a usar os paraísos fiscais para não pagarem impostos, que nunca lhes passou pela cabeça encarar de frente a ameaça.

Pessoalmente, pensei nisto há 20 anos quando apresentei, com os socialistas Pereira da Silva e Carlos André, a moção “Pensar Portugal” ao XIII Congresso do Partido Socialista, onde escrevemos: “Nesse sentido, uma segunda reivindicação das forças do progresso deve conter uma transferência global de recursos dos países desenvolvidos do Norte para os países pobres do Sul, recursos a serem geridos palas Nações Unidas e destinados apenas à educação e à saúde, através, por exemplo, de uma taxa de 1% sobre todo o consumo de bens e serviços dos países desenvolvidos, valor acrescido de 1% sobre as importações oriundas dos países em vias de desenvolvimento.” 
Escrevemos a seguir: “Trata-se de algo semelhante à Taxa Tobin mas numa versão muito mais abrangente e, acreditamos, muito mais realista, na medida em que, sendo mais universal, envolverá os setores da sociedade mais progressivos e mais solidários, isto é, permite que estes setores se coloquem na primeira linha da solidariedade com as populações mais pobres do globo. Por outro lado, ao entregar a gestão dos programas de apoio às Nações Unidas e ao dirigir esse apoio para a educação e para a saúde, haverá melhores condições para evitar a corrupção local e o desvio desses fundos para outros objetivos, mais ou menos obscuros, em que os governos são férteis.”

Como este capítulo da moção era sobre a globalização, escrevemos ainda: “Em resumo, acreditamos que a globalização, como fenómeno de mudança, pode ser aproveitada pelas forças do progresso para realizar um grande salto qualitativo, no sentido de uma sociedade humana globalmente mais livre, mais pacífica e mais justa. É tempo de as sociedades mais desenvolvidas ultrapassarem a fase das boas intenções e da contestação e passarem aos atos, mostrando as reais intenções dos homens de boa vontade, nomeadamente através da demonstração, para além de qualquer dúvida, de que o processo de globalização implica o progresso e a justiça social para todos os povos do mundo.” 
A ideia era que António Guterres fizesse esta proposta na Internacional Socialista e tentasse ganhar um primeiro apoio para uma questão que sabíamos de difícil aceitação pelos governos, mas que, em qualquer caso, serviria para introduzir o tema no debate público. Pura ilusão: os congressos dos partidos políticos não servem para debater ideias nem para prever o futuro dos povos e, entretanto, passaram 20 anos sem que os partidos e os governos fizessem alguma coisa de inteligente para reduzir as desigualdades e dar alguma esperança aos povos do Sul, nem sequer regras aduaneiras mais favoráveis. Por outro lado, as Nações Unidas, agora dirigidas por António Guterres, têm-se limitado a evitar que morram, antes de tempo, uns tantos seres humanos nos genocídios frequentes a que estão sujeitos e a pedir que os governos recebam mais refugiados. Isto é, pede--se aos governos que contribuam mais para um problema que é insolúvel nos termos em que é colocado, mas que serve bem para assustar ainda mais os eleitores dos diferentes países para que votem nos populistas de serviço, populistas que compreendem bastante bem o filão político que lhes estão a oferecer.

Por mim, não vejo outra alternativa senão esperar que alguém convença a maioria dos cidadãos dos países mais ricos – para facilitar, poderão ser apenas os europeus – a receberem de boa vontade nos seus bairros mais refugiados e mais imigrantes, os quais, sabemos, não terão trabalho, nem casa, nem educação, que é o que acontece com os que já cá estão. Não falo obviamente de Portugal, onde fazemos muito pouco para evitar a nossa própria emigração e, em qualquer caso, os refugiados que cá chegarem rapidamente se vão embora para outras paragens. O que justifica o peito feito dos partidos políticos portugueses relativamente aos refugiados, já que não têm de enfrentar o problema. Aliás, se não sabem resolver os graves problemas que temos em casa, não se compreende a solicitude para dar lições aos outros países a fim de aceitarem mais imigrantes, os quais, diga-se, precisam de bastante mais do que os discursos inflamados de solidariedade universal.

Em resumo, talvez um pouco mais de lucidez e de respeito pelos eleitores que votaram em Donald Trump e nos outros políticos da direita europeia possa reduzir a enorme confusão política que se instalou e evitar o afastamento de mais cidadãos dos partidos políticos tradicionais, cansados que estão de retórica e de má governação.

Henrique NETO
Empresário
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


NOTA: artigo publicado no jornal i.