domingo, 25 de novembro de 2012

O 1º de Dezembro e o OE 2013 - blogues cruzados.


No blogue "Nem tudo Freud explica", o seu autor critica-me por eu ter votado contra o Código de Trabalho, por causa da eliminação do feriado do 1º de Dezembro, e não votar, agora, contra o Orçamento de Estado de 2013. É no post   José Ribeiro e Castro e o 1.º de Dezembro .

Sobre esta crítica, que ouço às vezes, sobretudo da parte dos que gostariam que eu votasse contra o OE 2013, coloquei, há minutos, esta resposta na caixa de comentários do referido blogue:
«Compreendo que tivesse gostado que eu votasse contra o OE 2013.

Mas o que diz não é verdade. E corresponde a um falso argumento contra a luta a favor do 1º de Dezembro. Vejamos:

Nada, absolutamente nada - nem uma só palavra - no memorando com a troika obriga à eliminação dos feriados. Mas tudo no memorando obriga a severas e austeras medidas de consolidação orçamental.

Mesmo que o memorando obrigasse à eliminação de feriados (o que não acontece), nada obrigaria à eliminação deste ou daquele em concreto - isto é, poderíamos ter escolhido inteiramente quantos e quais em concreto, com inteira liberdade. Já quanto ao Orçamento, a nossa liberdade estará severamente limitada: muitas das medidas estão expressamente previstas no memorando; e outras decorrem da obrigação principal que assumimos, que é uma obrigação de resultados quanto ao défice.

Na eliminação dos feriados, usámos inteiramente a nossa liberdade: podia ter sido assim ou de outra maneira. No Orçamento, não dispomos dessa liberdade: nos fundamentais, não podemos fazer de outra maneira.

Aliás, a nossa liberdade de decisão orçamental está hoje quase eliminada, e nem é sequer tanto pela troika: é pelo regime de "semestre orçamental" estabelecido e imposto no quadro da UE; e é pela crise do euro e pela situação de completa insolvência a que Portugal foi conduzido pelo endividamento brutal, constrangidos que estamos a financiar-nos fora dos mercados.

Quanto aos feriados, podíamos ter feito tudo ao contrário. No Orçamento, não é assim.

Nos feriados, as alternativas são todas para melhor. No Orçamento, de facto, as alternativas reais são todas para pior, já que o que realmente nos esmaga é a dívida.

Aqui tem. Apresento os melhores cumprimentos.»
A respeito do 1º de Dezembro e da minha luta contra a insensata decisão que, sem sequer o menor debate, eliminou do calendário o "feriado dos feriados" - uma decisão particularmente desastrada e muito grave no plano simbólico e dos valores colectivos fundamentais -, o leitor interessado encontra aqui, neste blogue, entre Dezembro de 2011 e Junho de 2012, inúmeros posts, contando os factos, explicando os fundamentos e apresentando até alternativas. 

A respeito do Orçamento de Estado de 2013, é facto que a direcção do CDS-PP parece estar a fazer tudo o possível - ou o impossível - para que, da minha parte ou de outros, o voto seja contra ou de abstenção, ou que falte à votação final. Refiro-me às mensagens contraditórias sistematicamente passadas para a imprensa por fontes anónimas da direcção e, no que creio ser inédito, à falta de qualquer reunião atempada dos órgãos do partido para trocar opiniões de modo apropriado, concertar a melhor actuação e definir democraticamente a posição política do CDS: a Comissão Política ainda não reuniu sequer (e parece que não reunirá...) para apreciar o OE 2013; e o próprio grupo parlamentar só fez uma reunião tardia, na passada quinta-feira, 22 de Novembro, já depois de todos os factos consumados.

Mas, embora tudo isto seja muito lamentável - e claramente censurável -, o meu voto quer guiar-se pela percepção que tenho daquele que é o interesse nacional (dizendo melhor: pela percepção que posso ter do interesse nacional, neste quadro limitado e distorcido de quebra de institucionalidade e não funcionamento democrático do partido). A este respeito ainda, recordo a declaração de voto que apresentei aquando da votação na generalidade. Pode ler aquiDeclaração de Voto - Orçamento de Estado 2013 | José Ribeiro e Castro - Assembleia da República, 31-out-2012.

sábado, 17 de novembro de 2012

OE 2013 - e se o PS descesse à terra?

Ontem, saiu no PÚBLICO, outro artigo meu, enquadrado no debate do Orçamento de Estado para 2013. É adaptação de outra parte da declaração de voto que apresentei na Assembleia da República. Se não viu o jornal ou não tem acesso a ele, pode ler aqui:


OE 2013 - e se o PS descesse à terra?
- por José Ribeiro e Castro

Na ponderação do Orçamento do Estado (OE) para 2013, há quatro questões principais que um partido responsável não pode deixar de ter presente. Mais ainda no caso do Partido Socialista, que governou em 13 dos 16 anos do ciclo 1995/2011.

1. A primeira questão é este ser o segundo OE do Memorando com a troika. Se era para desistir já e romper, o melhor era não ter assinado o memorando há um ano, tanto mais que as críticas que hoje se fazem são as mesmas que já há um ano ecoavam - havendo melhor alternativa, é claro.

O memorando fixa metas (a ir atingindo) e medidas (para procurar atingi-las); e definiu um regime de avaliações trimestrais que, após a primeira avaliação no 3.º trimestre de 2011, «irão avaliar o cumprimento das medidas a ser implementadas até ao final do trimestre anterior. Se os objectivos não forem cumpridos ou for expectável o seu não-cumprimento, serão adoptadas medidas adicionais.» Ou seja, a vinculação substantiva do Estado português é para, exercício a exercício, atingir determinadas metas de consolidação orçamental, e não unicamente, nem sequer principalmente, implementar um dado elenco de medidas.

Este OE 2013 inscreve-se exactamente aqui; e é o resultado da quinta avaliação trimestral.


2. A segunda questão é o memorando, com aquela precisa redacção, ter sido negociado directamente pelo Governo PS, partido que não pode deixar de se lembrar tanto da situação a que conduziu o país como das obrigações internacionais que, na iminência da bancarrota, fez Portugal contrair - e se mantêm.

O memorando foi endossado por PSD e CDS-PP, que assumiram também a responsabilidade de o cumprirem. E, ainda que PCP e BE possam não dar-se conta disso, a verdade é que o memorando também os condiciona, porquanto contém obrigações externas do Estado português a que ninguém pode eximir-se, limitando a liberdade de disposição soberana.

Dito isto: pode falhar-se? Pode. Pode querer fugir-se? Pode. Pode querer violar-se e incumprir? Pode. Mas tudo teria as suas consequências; e pesadas. A obrigação de cumprir existe e é para todos: para quem o negociou; para quem o endossou; e também para quem não o acompanhou.

Pode existir a tentação de fugir, não dar a cara, buscar popularidade fácil, mesmo quando à custa da miséria alheia. Mas as obrigações contraídas são obrigações contratadas por todo o país em contrapartida do financiamento extraordinário de 78 mil milhões de euros que nos poupou - a todos! - ao precipício imediato da bancarrota logo em Junho de 2011.


3. A terceira questão tem a ver com a música de fundo, sinfonia de muitos violinos e cornetas, e com a realidade simples e objectiva de um qualquer Orçamento do Estado em qualquer ocasião e conjuntura. Explico: há a senhora Lagarde e o sábio Blanchard, há o FMI, o BCE e a Comissão, há o PIB e suas variadas percentagens para este ou aquele efeito analítico, há as grandes variáveis macroeconómicas "XPTO", há as recomendações, conselhos ou meros palpites de inúmeros comentadores e vários doutores encartados ou de ocasião, há a intrincada crise do euro e todas incertezas internacionais, há mais isto e também aqueloutro - há tudo isso, sobre que apreciamos meditar, discutir e filosofar. Mas, descendo à terra, à realidade que é, este OE não deixa de ser o que é, afinal de contas, um qualquer Orçamento do Estado: uma autorização de despesa e uma autorização de receita, ponto final.

Aí, das duas, uma: ou há propostas e condições para, nos fundamentais, se autorizar uma despesa e uma receita muito diferentes das que constam da proposta do Governo, ou toda a contradita é retórica inconsequente, demagogia enganosa. É assim que acontece: nos fundamentais, a proposta de OE 2013 não conheceu alternativa, nem tem sensível margem de manobra, de tão estreito ser o desfiladeiro em que o país foi - e está - entalado.


4. A quarta questão é o que efectivamente limita, senão destrói, a nossa liberdade de decidir. Tem-se falado demasiado da troika. Mas não é a troika que nos limita a liberdade. O que limita a nossa decisão soberana é a terrível dívida colossal que fomos acumulando, atingindo já quase 120% do PIB - e ipso facto a incapacidade de nos financiarmos livre e suficientemente nos mercados.

A dívida pública era já de 86 mil milhões de euros em 2004, o que, atentos os critérios de Maastricht, em cima dos 60% do PIB, impunha travões às quatro rodas e inversão de marcha. Mas os Governos PS não cuidaram; e, em seis anos apenas, a dívida disparou para o dobro, atingindo os 185 mil milhões de euros em 2011 e ultrapassando, largo, os 100% do PIB. Quando em Abril/Maio de 2011 tivemos de chamar a troika para nos socorrer da bancarrota, confessámos a falta de liberdade; e fizemos Portugal reconhecer aquela incapacidade de se prover a si próprio que é inerente a todos os insolventes, sejam indivíduos ou Estados. O que essa situação afixou, no culminar de uma penosa degradação - primeiro, de fuga em frente em fuga em frente; depois, de PEC em PEC, numa derrapagem decadente pontuada pelas agências de rating - é o mesmo, afinal, que vemos por aí nos estabelecimentos populares: "Queres fiado? Toma!"

Importa tê-lo bem presente, para não nos enganarmos de realidade à boleia dos discursos anti-troika e da irresponsabilidade que sobrevive e resiste. A troika podia ir-se embora que o nosso problema permaneceria, inescapável - e ficaria pior. O nosso problema efectivo é a dívida. Se rompêssemos com a assistência da troika, ficaríamos com o problema real da dívida em carne viva, tendo não só que continuar a consolidação orçamental a frio (como o PS nos fez acontecer), mas que agir completamente às cegas e à bruta no estoiro da falência e sob a penúria total da bancarrota.

Pode o PS descer à terra? E fazer o obséquio de ter um discurso e uma acção coerentes com as suas responsabilidades e com a realidade objectiva do país?.


(artigo publicado na edição do PÚBLICO de 16-nov-2012)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A Cultura p'ró galheiro, o Bloco está primeiro!


Hoje de manhã, foi discutido na especialidade o Orçamento de Estado para 2013 na área da Cultura. Espanto geral... o Bloco de Esquerda faltou! Três horas de intenso debate com o secretário de Estado, Jorge Barreto Xavier, com perguntas e respostas e muita interactividade. Mas nem um só segundo para ouvir alguma ideia, uma breve palavra, um sussurro que fosse do Bloco de Esquerda.

A habitual porta-voz do Bloco de Esquerda nas políticas culturais é a deputada Catarina Martins, recentemente eleita co-líder do Bloco de Esquerda, actriz de profissão, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, mestre em Linguística e doutoranda em  Didáctica das Línguas, como pode ler-se na sua nota biográfica.

São bem conhecidas pela forte sonoridade do gargarejo as suas diatribes contra o desempenho dos governantes na área da Cultura, a ansiedade que representa, a angústia que sinaliza, a indignação que exibe, a reclamação permanente na ponta da língua e no dedo esticado  mas hoje...  baldou-se! Em dia de greve geral, também fez greve ao Parlamento.

Ao que consta, preferiu andar pelos piquetes da greve geral em vez de ser pontual e cumpridora ao desempenho do seu mandato, como deputada na Assembleia da República. Preferiu a propaganda arruaceira do Bloco ao mandato democrático do mesmo Bloco. Desprezou por completo a Cultura, a política cultural para 2013 e o debate do seu orçamento.

Em rigor, a deputada Catarina Martins não fez greve. Esteve em trabalho político, na rua em vez de no Parlamento. Mas esta sua escolha de trabalho político diz tudo: a Cultura p'ró galheiro, o Bloco está primeiro!

Com isso, também ficou ainda mais incompreensível a bicefalia da nova liderança do Bloco. Tendo, agora, dois líderes, o Bloco de Esquerda poderia mais facilmente dividir o seu trabalho: um na rua, outro em S. Bento. Ia João Semedo para os piquetes e Catarina Martins para a bancada. Assim... p'ra quê?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Follow the money


Aproximando-se o fim do inquérito parlamentar ao BPN, um ponto há que parece absolutamente crucial: saber para onde foi o dinheiro.

Pode dizer-se que é muito difícil. Por isso mesmo é preciso investigar. Se fosse fácil, não era preciso; já se sabia.

É preciso saber tudo o que se sabe: o que foi prejuízo e o que foi furto, desvio, abuso de confiança, negócios claramente fraudulentos. E é preciso também saber tudo o que não se sabe e porquê. É preciso saber para onde foi o dinheiro desviado e o que foi feito para apurar todos esses corredores, labirintos e esconderijos. E, não tendo podido ainda apurar-se tudo, é preciso saber por que motivo ainda não foi apurado e o que é preciso fazer para que se descubra e fique bem estabelecido.

A pior Justiça é a que fecha os olhos diante do crime e dos criminosos, a que faz de conta que não vê ou se conforma com não a deixarem ver. O mesmo se diga dos inquéritos parlamentares.

Se calhar, dirão, não era esse o objecto do inquérito. Mas, para a opinião pública, essa é a questão mais importante para estabelecer: para onde foi o dinheiro? 

E, em bom rigor, bem vistas as coisas, essa era a primeira obrigação da administração nomeada pela Caixa Geral de Depósitos. Quando assumimos uma gestão em que alguém rapinou antes de nós, a primeira coisa a fazer é: onde está o que desviaram? É o que queremos saber.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A História da nossa crise: III - O apogeu do monstro



O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

A resposta realmente está errada: quem ousou entrar nas cavernas por desvendar e nos tectos negros do fim do mundo do endividamento e do deficit foi António Guterres, o homem que conspirava nos sótãos do Rato e na respectiva capela.
Em Outubro de 1995 Guterres e os socialistas antecipavam um crescimento económico de 3% ao ano, em média, na década seguinte e basearam nisso a sua estratégia de conquista e manutenção do poder.
Ao longo dos seis anos de poder socialista, entre 1995 e 2002, a evolução dos números é assustadora:
Em 1995, o total da despesa pública sobre o PIB era da ordem dos 30%. Em 2002, já era quase 39%.
Verdadeiramente espantoso é que nesse período de tempo a despesa com pessoal tenha passado de cerca de 10 mil milhões de euros para 20 mil milhões, ou seja, duplicou.
No mesmo período, a despesa social duplicou igualmente, mas nesses seis anos o PIB apenas aumentou 26%!
Quer isto dizer que ao longo de seis anos, Portugal construiu uma máquina de devorar dinheiro chamada Estado Social, acolitada pela ascensão vertiginosa da despesa com a massa salarial dos funcionários públicos. O custo salarial da FP passou de 8,9% do PIB em 1995, para 13% do PIB em 2002.
O drama deste tipo de despesa é que se governa como um super-petroleiro em alto mar: qualquer alteração de rota ou de velocidade demora muito tempo até tomar efeito. Quando em 2002 o Governo de Durão Barroso e da sua Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, se apercebeu de que o super-petroleiro da despesa pública se dirigia a velocidade de cruzeiro para os penhascos da insolvência, tentou travar a máquina e desviar a rota, mas nem foi suficientemente decisivo na sua acção, nem foi atempado: o tempo necessário para inverter as tendências era de décadas e não de anos, por força dos tais direitos adquiridos entretanto constituídos; por outro lado, quer por razões de inconstitucionalidade quer por falta de vontade política - eleições há quase todos os anos de um ciclo de governo…- o Governo não conseguiu ter uma acção suficientemente decisiva para travar a nau da desgraça que afrontava agora os mares alterosos do «mostrengo que está no fim do mar».
Ainda assim, o esforço do combate à «tanga» afrontou à uma todas as virgens constitucionalistas do País, a começar pela Vestal Maxima, Jorge Sampaio, que impávido à desgraça a que tinha presidido desde 1996, proclamava uma daquelas frases venenosas da esquerda folclórica e poética de que «há mais vida para além do deficit». Como se viu, não há!
O resultado desse combate inglório e pouco decidido, foi uma derrota inglória nas Europeias e nas Legislativas.
O campeão do Estado Social, agora protagonizado por José Sócrates, voltava ao poder, com o monstro na lapela, mais gordo e luzidio do que nunca.
O lema era como o dos marines americanos: «ninguém fica para trás». Na prática, ficamos todos.


1995
2002
2010

Despesa Total
36.787,00
60.526,70
88.502,40
240,6%
Despesa com pessoal
10.990,40
19.935,40
21.093,30
191,9%
Consumo intermédio
3.675,50
6.246,90
8.744,60
237,9%
Transferências correntes
12.861,30
24.168,10
43.929,80
341,6%
PIB
123.608.705
156.346.602
162.097.606
131,1%
PIB / capita
12.323
15.079
15.285
124,0%
Receita Estado
32.085,20
55.701,70
71.506,30
222,9%
Deficit em VA
-4.701,90
-4.824,90
16.996,10
-361,5%

Fonte: Pordata
 Com Sócrates descarrilou tudo: a ascensão da despesa tomou novas cores, remoçou e foi por aí fora - o apogeu foi em 2010, o valor nunca visto de 88 mil e quinhentos milhões de euros!
A FP melhorou, mas já muito pouco; transformada numa administração “indiana” em que muita gente faz muito pouco e ganha menos, estiolou mas continuou a gastar. A despesas social continuou a crescer alegremente tendo as transferências correntes do Estado atingido em 2010 o valor de 44 mil milhões de euros.
Nesse mesmo ano, o deficit do OE foi de 17 mil milhões, ou seja, 10,5% do PIB. Upa, upa! Mas, em 2009, o deficit tinha excedido os 17 mil milhões e os 11% do PIB.
Sei por testemunho pessoal, porque o próprio mo disse em 2006, que José Sócrates tinha bem consciência da necessidade de baixar a despesa pública e de controlar o deficit, mas suponho que o posto de capitão do super-petroleiro se revelou maior que as suas capacidades.
A verdade é que as ordens que ele e Teixeira dos Santos gritavam num tom cada vez mais histérico para a sala das máquinas não tinham qualquer efeito, porque não podiam ter: como Medina Carreira muitas vezes avisou, o desastre era inevitável; sem um golpe de timão súbito e muito violento o navio ia embater nos penhascos.
No espaço de seis anos, entre 2005 e 2011, a dívida pública passou, grosso modo, de 60% do PIB para 100% do PIB, o Estado perdeu por inteiro o controlo do deficit do Orçamento, as tendências portuguesas de médio prazo tornaram-se todas catastróficas.
Valerá a pena tentar ficcionar sobre o que poderia ter acontecido se a partir de 94/95 do século passado os vários Governos portugueses tivessem querido - e podido…- disciplinar as finanças públicas e fazer aquele exercício para que agora nos convocam, o de saber qual é o Estado consentâneo com os recursos que estão disponíveis em Portugal?
De uma coisa não tenho dúvidas: se em 2008 a nossa situação económica e financeira interna não fosse a que era, se dispuséssemos de finanças sólidas e de uma economia competitiva, a crise global ter-nos-ia afectado, mas não nos teria empurrado para a catástrofe.
Uma crise não é uma recessão e uma recessão não é uma depressão. Ora, depois de uma década perdida, entre 2000 e 2010, com crescimentos anémicos, entramos numa década que pode ser redentora e criadora de novas forças nacionais ou definitivamente depressiva.
O meu próximo post será já não sobre a história da nossa crise, mas sobre o futuro da nossa crise.

A história da nossa crise: II - as causas das consequências que nos acontecem



Portugal beneficiou de uma década de noventa de razoável crescimento económico. A década de 70, com excepção dos anos de 74 e 75, foi uma década de enorme crescimento económico; e a década de oitenta, apesar dos desmandos das finanças públicas que conduziram à intervenção do FMI em 1983-85, veio a revelar-se uma boa década para o País, sobretudo depois da adesão à CEE, em 1986.

O afluxo de dinheiros comunitários tornou possíveis os sonhos mais fantasiosos dos Governos portugueses, desde a construção de luxuosos centros culturais, à cobertura do país com novas auto-estradas.

Mas o dinheiro escondeu as fragilidades do país e desmotivou os Governos da tarefa de reformar aquilo que carecia em absoluto de reforma. Reformar é difícil, muitas vezes muito impopular e, num ambiente de crescimento económico, de internacionalização crescente da economia, de afluxo cultural e cosmopolita, o custo político dessas reformas parecia desnecessário e, portanto, dispensável.

O país também não estava pronto para essas reformas: depois da «reforma» radical que consistiu na mudança de paradigma e de configuração por que Portugal passou na década de setenta, da adesão à CEE na década de oitenta e da preparação da rampa de lançamento do mercado único e do euro no final da década de oitenta e princípios da década de noventa, o que os Portugueses pareciam querer era a estabilização da sua democracia e o aprofundamento do estado social.

Por todos os lados havia sinais de mudança, crescimento e exigência de direitos garantidos. Foi a época dourada do «Estado democrático de direito» em que passou a ser inconstitucional tudo o que contrariasse direitos adquiridos, mesmo de ilegítima ou excessivamente fácil aquisição, e tudo o que se opusesse aos direitos inalienáveis à saúde, educação e cobertura social "gratuitas" e garantidas pelo Estado.

Com a maturação da fruição plena dos frutos do crescimento económico e dos dinheiros europeus, a que a partir de 1985 se vieram somar os resultados da privatizações, os partidos compreenderam que ganharia as eleições quem se mostrasse o melhor campeão do Estado social e dos «direitos garantidos».

Mesmo a decisão, aparentemente consensual e unânime, de aderir ao núcleo fundador do Euro, não levou ninguém a pensar na necessidade de reformar o País, de o preparar para uma nova situação a que Portugal só poderia fazer face com um drástico aumento da competitividade e uma disciplina férrea nas finanças públicas.

Pelo contrário, começou com Cavaco e Silva uma prática deliquiscente de colonização da Administração Pública com fornadas de clientes partidários e de sequestro das administrações dos serviços públicos por quadros partidários. O resultado foi que no espaço de dez anos, entre 1985 e 1995, se passou de cerca de 400.000 funcionários públicos para 600.000 mil; floresceram as mais variadas e desencontradas empresas públicas e iniciou-se a prática delinquente de transformar direcções-gerais em institutos público, primeiro, e empresas públicas, depois. Foi uma forma de desorçamentar partes importantes da despesa pública, pondo-a, por um lado, a coberto das regras sobre contratação pública e, por outro, pondo-a sob a alçada gananciosa de clientelas partidárias.

O monstro da despesa pública nascia - e o papá era o Dr. Cavaco. Em 1995, perdeu as eleições porque os Portugueses acharam pouco, queriam o monstro um pouco maior. Muito maior, na verdade.

1995 podia ter sido o ano da inversão do ciclo. O crescimento económico estava claramente a abrandar e os efeitos dos dinheiros europeus estavam a perder potência transformadora.

Uma boa liderança do País teria apontado no sentido das reformas e da disciplina nas finanças públicas, antes que fosse tarde. Aliás, vinha aí o Euro e estávamos obrigados aos critérios de Maastricht.

Em vez disso, saiu-nos Guterres e os socialistas.

A história da nossa crise: I - O que está lá fora


Com os números à frente é mais fácil ver aquilo que se esconde por trás da «crise internacional» e da «crise soberana».

Que estas ocorreram não há dúvidas: décadas de financiamento do Estado Social através do deficit público e de perda de competitividade em relação às economias emergentes levaram os países ocidentais a acumular um volume de dívida pública incompatível com finanças públicas sustentáveis. Ao mesmo tempo, os consumidores do Ocidente ganharam o hábito de financiar o seu consumo com recurso a crédito.

A crise começou, como todos sabemos, com a «crise do subprime» nos Estados Unido. Durante a década e meia a que se chamou os «roaring nineties» e que durou até 2006, os bancos americanos descobriram um método fácil de se financiarem e ganhar dinheiro: a securitização das hipotecas imobiliárias, vendidas em pacotes como qualquer futuro financeiro. 

Nessa década e meia, o preço do imobiliário não parou de subir, a média de crescimento económico andava pelos 3% do PIB e as expectativas eram excelentes. Milhões de pessoas no Ocidente acederam à propriedade de imóveis cujas expectativas de valorização permitiram financiar crédito adicional ao consumo. Muitas dessas pessoas só com grandes dificuldades poderiam fazer face aos encargos da divida no tempo das vacas gordas.

Quando a partir de 2005 as vacas emagreceram, os proprietários menos abonados ficaram abaixo da linha de água e começaram a incumprir as suas obrigações.

Os pacotes de hipotecas que tinham permitido aos bancos refinanciarem-se, vendendo-os sob a forma de produtos financeiros derivados, ficaram progressivamente inquinados com uma taxa crescente de incumprimento e não tardou que os bancos que detinham esses produtos que vendiam sob a forma de fundos financeiros se vissem obrigados a ficar com eles na “prateleira” e que, constatando que se tratava de “monos”, os tivessem começado a riscar dos seus balanços, acumulando perdas.

A coisa foi ganhando ímpeto e quando, em 2008, se deu por ela, tinha infectado todo o sistema financeiro internacional, ameaçando a sua sobrevivência. Como a moeda corrente do sistema financeiro se chama «confiança» e esta desapareceu dos mercados, o sistema financeiro internacional congelou. Congelou ele e, por via disso, também a economia real (não financeira, aquilo a que os Americanos chamam «Main street», por oposição a economia financeira - «Wall street»).

Os Estados viram-se subitamente forçados a fazer dois esforços, digamos que «keynesianos»: por um lado, acorrer às dificuldades do sistema financeiro, injectando-lhe dinheiro, a título de empréstimo temporário, ou, pura e simplesmente, nacionalizando bancos insolventes. A ideia era a de descongelar o crédito. Por outro lado, os Estados iniciaram programas de estímulo à economia com programas de investimento público e o incremento das redes dos chamados «estabilizadores automáticos», a despesa social.

Tudo estaria perfeito se os Estados ocidentais que fizeram isso não estivessem já endividados até à medula, ou seja, estruturalmente endividados e incapazes de se endividarem mais sem pôr em causa a sustentabilidade das suas finanças públicas.

A situação era de crédito escasso e de desconfiança dos mercados, mas a única forma de os Estados se financiarem era o recurso ao crédito. Por seu lado, os credores - os gigantescos fundos de pensões internacionais, os bancos globais e os fundos soberanos dos países excedentários - viram-se subitamente forçados a olhar com mais atenção para a capacidade de cumprimento das obrigações dos Estados que emitiam dívida. 

Não tardou que esses credores se refugiassem na compra de divida dos países mais sólidos, entre os quais a Alemanha. A partir desse momento crucial, 2008, os países menos sólidos (por terem perdido competitividade na década anterior, porque estavam já excessivamente endividados por terem um deficit estrutural (primário) muito elevado, por terem mercados de trabalho excessivamente rígidos, pelas mil e uma razões que levam alguns países a ficar para trás e outros a distanciarem-se) passaram a pagar um juro cada vez mais alto sobre as obrigações emitidas para financiar o deficit.

A partir daí, entraram num círculo vicioso: a divida excessiva determinou uma subida dos juros, a subida agravou o risco-país, o agravamento do risco determinou a subida dos juros… 

Foi este o momento de «glória» das célebres agências de notação, portadoras das más notícias do abaixamento dos «ratings» nacionais. Estes ratings são uma indicação ao mercado sobre a capacidade de crédito (creditworthiness) dos Estados e grandes empresas. O que eles diziam sobre Portugal e outros países é que emprestar-lhes dinheiro era correr um sério risco, como, aliás, se viu no caso Grego.

Considerando as condições subjacentes - deficit estrutural das finanças públicas, perda de competitividade do País, sujeição às constrições e choques assimétricos da zona Euro, crescimento descontrolado do Estado Social, incapacidade de reforma do Estado - o processo degenerativo em que entramos em 2008 levava-nos inevitavelmente, como uma seta, à necessidade de um resgate: as nossas finanças públicas tinham deixado de ser sustentáveis, a dívida pública tornou-se impossível de financiar por falta de crédito e de recursos próprios nacionais. Isto é, ninguém nos emprestava dinheiro; e todos os anos o Estado Português carece de milhares de milhões de euros para financiar o seu deficit, milhões esses que só existem fora do País.

Em suma: a crise internacional teve como principal consequência sobre nós o facto de ser um revelador das nossas fragilidades estruturais. Mas não foi ela a causadora dessas fragilidades.

Olhando para a nossa situação interna compreendemos melhor isso.

É o que faremos no próximo post.

O zero europeu



O ambiente que rodeia a visita da Senhora Merkel a Lisboa é sintomático. 

Não só é só revelador da nossa mediocridade dirigente e mediática, agindo como basbaques diante da senhoria que visita os súbditos. Seja da parte dos que veneram, seja dos que protestam, os sinais são fundamentalmente os mesmos: inferioridade. 

Já tinha sido assim, quando chegou a troika; e assim se repetiu em visitas sucessivas, até Fernando Ulrich ter dado “um berro na mesa” e ter feito acabar com aquele vexame trimestral das conferências de imprensa dos funcionários inspectores-gerais de FMI/CE/BCE. Toda a gente seguia, caninamente, o trio como se fossem os senhores do Mundo e nossos donos.

Mas o ambiente desta visita, hoje, da Chanceler alemã é também demonstrativo do absoluto zero institucional a que chegou a União Europeia. 

Desde o Tratado de Lisboa, na esteira do grotesto passo em falso que foi a “Constituição Europeia”, que os chefes dos Executivos dos Estados-membros foram afastados de qualquer função de liderança nas instituições europeias. A sua presença no Conselho Europeu está “subordinada” a esse mistério que é o Senhor Van Rompuy. Os ministros ainda presidem rotativamente às diferentes formações do Conselho, mas os chefes de Governo não chefiam, nem presidem a nada, o que é obviamente um absurdo e um erro monumental. A Senhora Merkel não é nada na União Europeia, mas, afinal, é - ou parece que é - tudo.

Quando hoje olhamos para Merkel como se fosse o poder na Europa, pagamos o preço desses erros e fífias em que fomos afundando institucionalmente a União Europeia nos últimos quinze anos. 

O que se passa é muito mais consequência do fracasso institucional da Europa e da abdicação do debate político europeu do que efeito do reforço do poder da Alemanha. Por outras palavras, a Alemanha é forte porque a Europa é fraca.

Faz-nos muita falta uma política externa vigorosa com uma política europeia a sério na linha da frente.

Quanto ao mais, seja muito bem-vinda. E sinta-se bem entre nós.

domingo, 11 de novembro de 2012

Dá que pensar...


Sem palavras. Este gráfico não precisa de legenda. Somos um país que desaparece. 

Portugal tem a segunda taxa de fecundidade mais baixa do mundo - noticiava, há dias,a TSF. Fez notícias e um debate público. Mas, apesar dos alertas repetidos, pouca gente faz alguma coisa. 

Qualquer dia, é demasiado tarde para fazer qualquer coisa de jeito. Já é tarde, aliás. Convém é que não seja demasiado tarde.

O gráfico foi importado daqui.

Quando os burros sofrem de reumatismo mental

A campanha mediática e blogosférica montada contra Isabel Jonet e o Banco Alimentar contra a Fome é a nova demonstração da absoluta indigência intelectual da esquerda caviar. Já estávamos quase a esquecer-nos, mas fazem sempre questão de lembrar-nos. Obrigado! Obrigado pela histeria. Obrigado pela cegueira. 

A intervenção num debate da SIC-Notícias foi o detonador da explosão dos indignados profissionais. Liberdade de expressão?Liberdade de opinião? Qual quê?

Contra a opinião e os critérios de Isabel Jonet, contra aquilo que ela é pessoalmente, contra a sua experiência de voluntariado efectivo e de trabalho social, raramente se assistiu a tanta violência verbal, fundada no ódio e na manipulação. Chamaram-na de tudo, numa cascata de insultos demenciais, a capear o chorrilho habitual das banalidades habituais da esquerdalhada habitual: "a meretriz da caridadezinha portuguesa", "poeirentos resquícios do salazarismo", "Nestum de alarvidades", "pornografia caridosa", "esteios de extrema- direita como Isabel Jonet", "desfruta o brunch da beneficência", "sabe que não falta miséria para alimentar de matéria-prima a sua fábrica", "olha para os pobres com desdenho, nojo, pena", "na hora de fazer a contabilidade aquilo que a move é a sua canja, o seu ceviche, não o caldo dos outros", "um corpo torpe atirado à máfia de capatazes e dos carcereiros", "o mundo da classe dominante, do privilégio, da riqueza, do poder desmesurado, dos estereótipos que ajudam a lavar o sangue que lhe escorre das unhas""a sua cruzada lembra os tempos do Movimento Nacional Feminino", "abjecção e repugnância", "mentalidade «caritativa» e «salazarenta» - no pior do que o Dr. Oliveira Salazar nos deixou" - e outros vómitos do mesmo fel. Fingem que não percebem. Nada. Fazem que não entendem. Zero. E cospem. Tudo.

Do tudo que cospem, fica uma certeza, cristalina de tão óbvia: a campanha contra Isabel Jonet e o Banco Alimentar não é contra Isabel Jonet e o Banco Alimentar; é contra nós. Contra nós, que pensamos diferente. Contra nós, que nem somos da esquerda estatista, nem de extrema-esquerda. Contra nós, que sempre prevenimos que a visão socialista da sociedade e do Estado ia levar à falência o Estado e colocar o Estado social no abismo. Contra nós, que prezamos a liberdade e associamos liberdade e responsabilidade. Contra nós, que sabemos que a solidariedade é das pessoas e não do Estado. Contra nós, que defendemos que o Estado social se estrutura na solidariedade e na subsidiaridade.

Esta nova campanha do trotskismo doméstico e doutros compagnons de festa é ideológica: é contra nós todos que não somos deles, nem seus aliados. É o eco grosseiro de um reumatismo mental velho já de um século. É  Matusalém outra vez, vermelho de raiva e vermelho de cor, com as mesmas orelhas de burro de sempre. 

Pode lá ser que haja formas diferentes de fazer as coisas! Pode lá ser que haja formas directas de ajudar os mais necessitados! Pode lá ser que haja solidariedade sem burocracia! Pode lá ser que haja sociedade civil! Se dizem isto de Isabel Jonet, o que diriam da Rainha D. Leonor e das Misericórdias que fundou?

Fica ainda uma pergunta: porquê tanto ódio? Um deles - melhor, uma deles - dá a resposta directamente: «nunca dei um grão de arroz ao Banco Alimentar contra a Fome. A fome é um flagelo, não pode ser uma arma para promover o retrocesso social que significa passarmos da solidariedade à caridade(zinha).»

Para estes extremistas, vesgos de ideologia barata, «a comida (não) é uma arma», para que a fome possa ser uma arma: a arma da "revolução", seja lá o que for. De que interessam as pessoas? Nada.

É gente que, assim o diz, nunca deu nada a ninguém. Gente que nunca deu, nem dá. Gente que só tira - lembram-se da nacionalização das Misericórdias? Gente que arruína, endivida e arrasa e se queixa da própria ruína criada. Gente que faz a revolução contra a revolução, a ruína contra a ruína, a fome contra a fome. O absoluto paradoxo.

Por isso, pelo simples senso comum, por apenas a liberdade de pensar (e de poder falar), pelo simples direito à solidariedade (e o dever também), já assinei a petição de resposta: Para que a Dra. Isabel Jonet fique por muitos e bons anos à frente do Banco Alimentar Contra a Fome.

sábado, 10 de novembro de 2012

Cortar gorduras

Ando há muito tempo a dizer que, se eu fosse ministro das Finanças, a primeira medida que tomava era acabar com todos os automóveis ao serviço do Estado com a eventual excepção de um carro por membro do governo.

Há serviços que não podem obviamente dispensar uma frota: ambulâncias, bombeiros, polícia, forças armadas, etc.

Mas depois há os milhentos serviços, empresas públicas, institutos, administrações hospitalares e por aí fora, em que qualquer pequeno chefinho dispõe do seu carro de função ou de serviço, que utiliza a semana e ao fim-de-semana, gasolina e manutenção, seguros e garagens pagos pelo Estado que tão generosamente acolhe essa gente no seu seio.

No total, são dezenas de milhares de automóveis dispersos sem qualquer controlo por serviços da administração central, autarquias e variados institutos e empresas; mais os motoristas, claro. Julgo que até hoje ninguém fez as contas a quanto custa esta "pequena" gordura do Estado português.

Há anos, quando era secretário de Estado da Justiça, desloquei-me à Suécia a convite do ministro da Justiça local. O local da reunião era uma modesta escola hoteleira nos arredores de Estocolmo, junto a um lago. O ministro sueco apareceu de bicicleta, porque vivia ali perto e convidou-nos a todos para um simpático passeio de bicicleta à volta do lago. Durante o passeio, explicou-me que ia de comboio para o ministério e levava com ele a bicicleta. Quando chovia, ia de eléctrico. Não tinha carro de função. Havia um pool de automóveis do Estado que eram chamados quando eram necessários, e não mais. Afinal, dizia ele, toda a gente tem o seu carro, para que precisam de um do Estado?

Fez-me pensar. Nessa época, eu tinha 4 carros no meu gabinete, um de função, um de uso pessoal, um ao serviço do meu chefe de gabinete, e um para o serviço geral do gabinete. Quatro motoristas, claro. O facto de os carros serem velhos não era uma atenuante, era uma agravante, porque custavam fortunas em manutenção. Some-se a isto seguros e garagem. O custo desta frota era e é absurdo e, afinal, soma o quê ao serviço público?

Pois os espanhóis, aqui ao lado, descobriram esta gordurita do estado e decidiram acabar com ela. 

Dizem os pequenos génios que nos governam que afinal não há gorduras do Estado para cortar.... Digo eu que agora deixou de lhes dar jeito cortar as gorduras de que beneficiam.


Pois comecem pelas que há, mesmo que isso os obrigue a andar de metro!

Bons e maus orçamentos

Hoje, sai no PÚBLICO, um artigo meu, enquadrado no debate do Orçamento de Estado para 2013.

É um excerto e adaptação de uma parte da declaração de voto que apresentei na Assembleia da República. Se não viu o jornal ou não tem acesso a ele, pode ler aqui:





Bons e maus orçamentos
- por José Ribeiro e Castro

1. O que é um "bom orçamento", nos usos nacionais? Um "bom orçamento" é um Orçamento do Estado com muita despesa pública, um fartote de despesa, uma festa de despesa. É um OE com muitas transferências e benefícios, com aumentos salariais a rodos, com novas regalias e apoios sociais, com muita "obra". É um OE com muitas estradas e novas pontes, com TGV dê por onde der, com aeroportos mesmo que sem aviões, com mais auto-estradas mesmo que sem carros, com novos edifícios sem curar sequer dos custos de manutenção. 

Na vertigem febril do "investimento público" de José Sócrates - Parque Escolar, TGV, novo aeroporto de Lisboa, terceira auto-estrada Lisboa-Porto - cheguei a esperar que, pensando nas alterações climáticas, aquecimento global e subida do nível dos oceanos, viesse a ser anunciada a construção do porto de águas profundas de Portalegre, pronto para quando o Atlântico, galgando lezíria, planícies e terras baixas, só parasse na serra de S. Mamede. Os orçamentos que pagassem mais essa visão de rasgo e génio seriam "muito bons orçamentos", ao serviço da crendice arreigada do socialismo circunstante: "bom para a economia" é o Estado gastar, gastar, gastar sempre mais. 

Ao fim de anos a fio assim, décadas de orçamentos desses em que acumulámos défice atrás de défice, empacotámos tudo numa dívida gigantesca e chegámos ao ponto em que... "era bom, mas acabou-se". Alienámos por inteiro a liberdade de decidir mais despesa, porque comprometemos totalmente a nossa capacidade de a financiar. E a única liberdade que realmente mantemos quanto à despesa pública é para a cortar ainda mais do que, no maior esforço de sempre, os 11 mil milhões de euros já reduzidos nestes dois anos - tarefa e imperativo, porém, que, em termos relevantes, não é para já possível continuar antes de reformas na estrutura e funções do Estado.


2. Olhando ao lado da receita, o que é um "bom orçamento"? Um bom orçamento é um OE com baixa carga tributária, um OE que não penalize a economia, que nos deixe crescer e alivie o fardo desta economia "pés-de-chumbo", que não castigue as famílias e as empresas, que não puna a poupança e não desincentive o investimento. 

Há anos que não temos orçamentos assim; e, infelizmente, não estamos, para já, em situação de os podermos ter. A febre da despesa pública e o aumento sucessivo dos encargos do Estado levaram a carregar crescentemente as receitas tributárias. O próprio combate à fraude e evasão fiscal meteu no beco de um logro grotesco o discurso bondoso do "alargamento da base tributária": o Estado não devolve à economia e aos cidadãos cumpridores um só cêntimo dos largos milhões de euros de impostos recuperados dos incumpridores, pela simples razão de que, guloso, abocanha tudo e mais um pouco para sustentar a envergadura e a dinâmica de paquiderme. 

Entrámos, há anos, em voracidade fiscal incessante. José Sócrates e Teixeira dos Santos começaram por ensaiar a consolidação orçamental pelo lado da receita, agravando todos os impostos, sem excepção, a partir de 2005, e atingindo o limite da fadiga e exaustão fiscal - e, no final, tiveram que ultrapassar esta fronteira, quando, com a crise generalizada e o descontrolo consequente, perderam por completo a mão. 

A situação, hoje, é mais apertada e exigente. E o sufoco continua. Era positivo baixar a carga fiscal? Era. É possível? Não. É até, realmente, incontornável aumentá-la ainda mais sobre um corpo cansado e já exausto, por virtude do esgotamento da outra via financeira de receita: empurrar livremente para a dívida. Em suma: o endividamento enorme e a rigidez da despesa pública alienaram também a nossa liberdade quanto ao nível da receita tributária.


3. O que é, enfim, um "bom orçamento" sob o ângulo do défice? Um "bom orçamento" é um OE descontraído, um OE "relax, meu!", um OE sem stress, um OE que esconde o seu desequilíbrio estrutural no défice continuado, que varre para debaixo do tapete da dívida pública acumulada o vírus da insustentabilidade. Esse é que é um OE catita: um OE que permite aos Governos darem aos cidadãos as despesas de que gostam sem lhes cobrarem a receita tributária que não gostam de pagar; um OE com ilusões de umas borlazitas e recheado com a fantasia do gratuito. 

Quem paga? Paga o futuro. E quem é o futuro? São os empréstimos dos credores, enquanto confiam, e sempre, sempre os impostos dos amanhãs que já não cantam. 

Foi aí que batemos em Abril de 2011. Perdemos também a liberdade de gerir o endividamento. Os credores deixaram de confiar; e nós ficámos condenados a agravar ainda mais os impostos, para pagar o desvario e suportar o regresso penoso à realidade.


4. Este é um Orçamento do Estado em estado de necessidade. É o OE que, na sequência do Memorando que o PS, em nome de Portugal, preparou e assinou com a troika, se inscreve na rota de saída do país do buraco em que foi metido e ainda está. É o mal menor. É o OE a que fomos condenados pela nossa outra troika dos DDD excessivos: despesa, défice, dívida. E de que só nos libertaremos quando empreendermos e concluirmos a reforma do Estado que o torne de novo sustentável.

Quando recuperarmos essa liberdade, a das contas equilibradas e em dia, poderemos fazer outra vez bons orçamentos. A sério. Mas, primeiro, temos que lá chegar.

(artigo publicado na edição do PÚBLICO de 10-nov-2012)

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Lírica camoniana

Havia uma grande expectativa pelo discurso do líder do PS, António José Seguro, na abertura do debate do Orçamento de Estado. Viriam novidades, surpresas e alternativas. Foi assim:


Não valeu muito a pena. Nem pela forma, nem pela substância. Na verdade, foi uma seca.

Sobrou a inspiração poética numa bancada parlamentar para dar sentido ao dia:

Atrapalhado vai para a tribuna
Tó Zé, pela bancarrota;
vai formoso e não seguro.
Leva na cabeça o mito,
a treta nas mãos de artista,
finta de fino recorte,
ensaio de aldrabote;
traz a ladaínha de cor,
mais falsa que mentira pura;
vai formoso e não seguro.

Fui à despensa e estava vazia. Vou à mercearia e ninguém me fia.


A jornalista Ana Sá Lopes escreve, hoje, um interessante artigo no jornal i, intitulado «No tempo em que Cavaco falava». Lembra, de forma certeira, textos de Cavaco Silva em 2001, que cita: «Quando o crescimento económico de um país abranda, a política correcta é precisamente deixar que a receita fiscal baixe automaticamente e não cortar na despesa pública. (...) Se quando um país é atingido por uma crise económica se cortasse a despesa pública, a crise ainda se agravava mais. É por isso que não se deve fazê-lo.»

Ana Sá Lopes, transpõe a citação para a situação actual e, implicitamente, para o Orçamento de Estado 2013, fazendo o seu ponto: «O professor catedrático sabe que o governo está a destruir o país, mas a maioria absoluta e a bênção de Berlim paralisa-o.»

O blogue oficioso do socratismo e sua herança, o "Câmara Corporativa", prontamente ecoou este artigo, destacando naturalmente o respectivo sumo: “Cortar na despesa pública em tempos de crise faz agravar a crise, Cavaco dixit.

Falta, porém, um ponto absolutamente essencial para suportar a boa doutrina sustentada por Cavaco Silva e que se insere na conhecida discussão das políticas pró-cíclicas ou anti-cíclicas: a mera possibilidade do exercício. 

Para que, em 2012 e 2013, não tivéssemos de baixar a despesa e aumentar impostos e outras cargas, era indispensável (além de a despesa ser saudável...) que tivéssemos acumulado reservas e folgas que nos permitissem "expandir" o orçamento numa conjuntura sem crescimento económico.

É a tal velha ideia de poupar em tempo de vacas gordas para aguentar em tempo de vacas magras. Deveríamos ter constituído reservas e/ou manter intacto o crédito.

Ora, foi José Sócrates que esgotou totalmente umas e o outro: gastou-nos tudo o que tínhamos e o que não tínhamos; e, além disso, arruinou-nos o crédito, ao duplicar, em seis anos, o endividamento do Estado, que já batera no tecto. Por isso, quando precisámos de ir à despensa, estava vazia; e, quando vamos à mercearia, ninguém nos fia. Saiu-nos o Zé errado, como já aqui escrevi há alguns meses. E tivemos que recorrer à troika, para suportar um caminho muito apertado.

Cavaco  mantém absoluta razão no que disse. Nós é que não estamos mais em posição de o fazer. "Não há guito."

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O infiel defunto


Tenho de voltar, hoje, ao tema dos feriados.

Celebra-se, pela última vez, em Portugal, o feriado do 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. É um dia de fortíssima tradição, não só no calendário católico, mas também nas tradições populares, em que é amalgamado com o Dia dos Fiéis Defuntos ou Dia de Finados (2 de Novembro). Este é, por isso, em Portugal como noutros lugares da Europa e do mundo, o dia em que milhões de pessoas recordam os seus mortos (pais, filhos, cônjuges, avós, netos, irmãos, amigos chegados), visitando cemitérios e celebrando o seu luto e a sua memória, a pertença, o tronco e ancestralidade de cada um: às vezes, a dor, uma dor tremenda, outras apenas a lembrança, a saudade, a ligação. Um dia particularmente sagrado, portanto. E, a seguir ao Natal e às solenidades da Paixão e da Páscoa, aquele dos dias do calendário católico que os povos mais seguem e observam, independentemente da prática religiosa.

Todavia, na voragem da revisão do Código do Trabalho e na vertigem surda e febril de "legislar à paulada", este dia também foi um dos quatro feriados que foi sumariamente morto e enterrado sem sério diálogo social ou político de qualquer espécie. Lamentavelmente, no segredo escondido dos corredores diplomáticos, a Igreja e o Vaticano também escolheram colaborar com o Governo neste acto deplorável.

Por isso, indigna-me particularmente ver como a mentira da "suspensão" dos feriados continua a ser repetida, ludibriando a opinião pública. 

Foi dito que estes feriados (os dois religiosos: Corpo de Deus e Todos os Santos) teriam sido apenas suspensos por cinco anos e que, para 2018, tudo seria reavaliado. E foi também insinuado que o mesmo se passaria com os dois feriados civis alvejados (5 de Outubro e 1º de Dezembro). 

É tudo mentira! Os feriados foram eliminados, ponto final. 

E indigna-me, como cidadão e como católico, que, além do disparate político e da violência legislativa do Governo e da maioria, a Igreja e o Vaticano também colaborem, por acção e omissão, nesta fraude, neste logro e nesta mentira que tem sido repetidamente vendida aos portugueses, para amolecer o seu inconformismo e resistência.

A mentira abriu, hoje de manhã, de novo, as notícias do dia, com fonte num despacho da LUSA:
«O Dia de Todos os Santos, assinalado com romaria aos cemitérios, celebra-se nesta quinta-feira como feriado, pela última vez, até 2018, altura em que o Governo avaliará se mantém a suspensão.»
Ora, não houve suspensão nenhuma, mas eliminação pura e simples do dia feriado, como repetidamente tenho esclarecido e chamado a atenção.

O artigo 10º, nº 1 da Lei nº 23/2012, de 25 de Junho, não podia, infelizmente, ser mais claro: 
«Artigo 10.º - Produção de efeitos
1 - A eliminação dos feriados de Corpo de Deus, de 5 de Outubro, de 1 de Novembro e de 1 de Dezembro, resultante da alteração efectuada pela presente lei ao n.º 1 do artigo 234.º do Código do Trabalho, produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2013.»
Foi por isso mesmo, aliás, que votei contra esta lei, explicando-o detalhadamente em duas explicações de voto e em correspondência que, sem sucesso, dirigi à Presidente da Assembleia da República. 

É facto que é invocado um famigerado "acordo" celebrado, à última hora, entre o Governo e o Vaticano, abrindo as portas à dita "suspensão". Mas não só esse tal acordo nunca foi publicado - e era indispensável que o fosse, a fim de produzir efeitos legais -, como o seu teor não é sequer conhecido. Já o pedi várias vezes, mas o Governo esconde-o e... o Vaticano também. Lamentável!

Em qualquer caso, a lei podia ter declarado a mera suspensão, se o quisesse. E podia ter estipulado a obrigação legal de tudo reavaliar dentro de cinco anos. Mas a lei não o quis e não o fez, porque o Governo o não quis e porque a maioria parlamentar e o Vaticano anuíram, docilmente, ao facto da inexorável eliminação dos quatro feriados, sem excepção, sem ressalva, sem distinção, sem a menor reserva.

Tenho sustentado, por isso, que a lei é inconstitucional nesta parte e viola o direito internacional aplicável: por um lado, porque viola norma expressa da Concordata de 2003, que não foi alterada por qualquer outra disposição escrita, válida, conhecida e publicada; por outro lado, porque, a haver o tal acordo de suspensão, a lei aprovada contraria e viola frontalmente, absolutamente sem rebuço e sem vergonha, esse dito "acordo" na própria hora de o ter assinado. Mas, quanto a isto, nem a Presidente da Assembleia da República se importou ou a Assembleia da República se impôs, nem o Presidente da República quis saber... Quanto ao Tribunal Constitucional, se vier a apreciar a questão, também não sei. Há coisas em que, em Portugal, parece reinarem os três macacos: não vemos, não ouvimos, não falamos.

Como se sabe, luto pela restauração do feriado do 1º de Dezembro. E creio que o mesmo deverá acontecer, imperativamente, com este 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Idem quanto ao 5 de Outubro, noutro plano. Acredito que isso irá acontecer e que acabaremos por ganhar. Mas isso só acontecerá porque os portugueses, inconformados, lutarão pelas datas que nos são queridas e pela sua guarda no calendário oficial português. Se não, passam a dias defuntos, como o Govermo, a maioria e o Vaticano os entregaram. 

Em 2018, esses feriados poderão estar, de facto, de volta. Mas porque terá mudado o ciclo político e a vontade dos portugueses o imporá. A lei, para já, abandonou-nos.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Demais é demais e chegou a altura de dizer «basta»

Prevenção: o texto que se segue foi escrito em Setembro de 2012, numa altura em que o Governo tinha lançado a ideia peregrina do aumento em 7% da TSU para os trabalhadores. Recuou depois, com medo da rua.
Porque na altura dei alguma divulgação ao texto, publico-o agora neste Blog, com a prevenção de que parte dele está já desactualizado, mas não o essencial.


O actual governo tomou posse em meados de 2011. Foi eleito para credibilizar a politica portuguesa, depois de 6 anos catastróficos de governo Sócrates; para cumprir os termos do acordo feito com a troica do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia e para sanear as finanças públicas, retirando o país da situação de catástrofe nacional em que se encontrava.
Para chegar a estes objectivos, os dois partidos que constituem a coligação governamental, o CDS e o PSD, prometeram-nos que, em consonância com o acordado com a Troica, fariam um conjunto de importantes reformas do Estado e da sociedade, destinadas por um lado a reduzir o peso de Estado na economia, diminuindo de forma consistente e estrutural a despesa pública e o tamanho do Estado português que é incompatível com a nossa sociedade e, por outro lado, a dar mais competitividade à economia portuguesa.
Impunha-se, bem entendido, lançar mão de medidas de curto prazo, que permitissem ao Estado responder pelas as suas obrigações assumidas perante os credores num período em que as reformas estruturais ainda não poderiam ter surtido qualquer efeito. Essas medidas passavam todas ou pelo aumento dos impostos, ou pela diminuição da despesa mediante o corte - brutal - dos rendimentos da Função Pública e da despesa com reformados e pensionistas.
Foi assim que o IVA passou para 23% e sobretudo que vários items de IVA passaram da taxa intermédia de 13% para 23%, como por exemplo a alimentação… 
Que aumentaram as taxas marginais e intermédias do IRS; que foi lançado um imposto extraordinário sobre os rendimentos; que está em curso uma revolução chamada imposto sobre o património, do qual os portugueses só se aperceberão totalmente quando começarem a pagar uma percentagem do valor real do seu património, a título do IMI; e que, finalmente, a Função Pública, depois de uma ablação de 10% dos salários, se viu privada dos 13º e 14º meses, ou seja, sensivelmente mais 16% do rendimento disponível.
A brutalidade de muitas destas medidas é evidente, mas foram suportadas pelos portugueses no pressuposto de que estavam assim a remir anos de desconcerto financeiro e desgovernação do país.
Não se pode esconder que o resultado de curto prazo destas medidas de «ajustamento» conduz a uma redução da actividade económica e arrisca-se a transformar uma crise numa recessão durável, mas, a longo prazo, deste ajustamento do nível de vida e das expectativas económicas, espera-se o encontro de um equilíbrio sustentável da economia portuguesa que, evidentemente, não podia continuar a viver apoiada numa crescente e imparável divida externa do país.
Só que, para alcançar estes desideratos, impunha-se que o Estado fizesse a sua quota-parte, e não fez, nem está a fazer: as reformas de fundo do Estado e da economia, que visariam reduzir o peso do Estado na sociedade, acabar com rendas de situação intoleráveis, tornar a economia mais livre, dinâmica e concorrencial, pura e simplesmente não aconteceram, nem estão em vias de acontecer.
O resultado de 15 meses de governação é que o Estado não foi capaz de controlar o deficit do orçamento, apesar do brutal crescimento da receita pública em relação ao produto interno bruto, que o Estado cresceu como nunca cresceu em Portugal, que a recessão se agravou sem contrapartidas visíveis, que o desemprego aumentou para níveis nunca vistos no nosso país e que nenhuma das prometidas reformas viu a luz do dia.
O Governo deu mão livre aos partidos que o apoiam para nomear sem restrições as suas clientelas partidárias para todos os cargos públicos ou de influência governamental; revelou-se incapaz de reduzir o número de municípios ou de freguesias, de empresas ou institutos públicos municipais ou do Estado central.
Após 15 meses, é inevitável concluir que o clientelismo do Estado não só não foi reduzido como se agravou, o que em plena crise é particularmente grave e ofensivo para quem paga os erros da desgovernação do país.
A situação da banca e das grandes empresas nacionais, sendo também extremamente difícil, agravou o peso e a influência do Estado nessas empresas, cujos monopólios ou oligopólios ou até mera sobrevivência dependem cada vez mais da boa vontade pública, num país em que os accionistas do BCP não são capazes de recapitalizar o banco.
Neste cenário de catástrofe económica e social, o Governo, incapaz de controlar as suas próprias contas e dominar o deficit, foge para a frente e decidiu agora transferir dos trabalhadores para as empresas e para a segurança social sete por cento dos rendimentos e aumentar a pressão sufocante do IRS.
Para além de a ablação de 7% do rendimento das famílias ser de uma brutalidade inaudita, o objectivo apontado, de facilitar a criação de emprego, não terá qualquer concretização nas actuais circunstâncias.
Pior ainda é que uma parte do dinheiro retirado aos trabalhadores reverta para a segurança social, o que quer dizer que o Estado vai às empresas buscar mais dinheiro do que antes e não menos!
Particularmente grave é a forma bruta como, deliberada e conscientemente, o Governo determinou o decréscimo em 7% dos rendimentos mais baixos, os do salário mínimo. Segundo as contas feitas, um trabalhador com o salário mínimo passará a receber líquido menos de 400 euros por mês.
Pensamos que quem participe na tomada de decisão de uma decisão destas devia ter vergonha de ter ajudado a decidir tal coisa.
Assumindo como correctos os pressupostos de que o Governo parte - o de que a diminuição dos descontos para a TSU, pelas empresas, contribuirá para criar emprego, ou ao menos para o manter dando alguma folga à tesouraria das empresas - entendemos que, em qualquer caso, se deveria ter observado alguns princípios básicos:
Em primeiro lugar, deveria ser garantido que o que os trabalhadores pagassem a mais, as empresas pagassem a menos, sem perdas a favor do Estado. Assim, poderia haver uma diminuição de 23,75% para 16,75% dos descontos das empresas o que teria um impacto significativo nas suas contas;
Em segundo lugar, deveria aumentar-se o salário mínimo para um nível que garantisse que aqueles que o recebem ficassem iguais em termos líquidos, o que significa que pela primeira vez em Portugal o salário mínimo passaria a exceder 500 euros, mas que as empresa não pagariam mais porque se veriam compensadas com a queda da TSU. Assim, protegiam-se os mais baixos rendimentos, sem necessidade de prever excepções de qualquer espécie;
Em terceiro lugar, devia prever-se igualmente que o IRC passasse para 30%, ainda assim 6% mais baixo do que quando foi criado em 1987.
Em quarto lugar, deviam ser criados mecanismos excepcionais, simples, claros e de aplicação automática de benefícios fiscais às empresas que reinvestissem os seus lucros.
Em quinto lugar, deviam ser criadas taxas marginais de IRS para os rendimentos superiores a 150.000 euros que assegurassem uma real progressividade deste imposto e uma real participação de todos os cidadãos no esforço de solidariedade.
Quem é capaz de tirar dezenas de euros por mês a quem já vive ao nível da miséria, seguramente que não verá problema em tirar um pouco mais a quem mais tem.
Portugal tem direito a ter um Governo digno desse nome, com gente competente, limpa e honesta, que governe em nome do Povo Português e não de interesses sectoriais ou de casta, e que governe tendo em mente salvaguardar o bem do Povo a todo o momento.
Não é isso que se verifica e demais é demais. O PSD e o CDS estão mais do que a tempo de arrepiar caminho, de rever as politicas muito deficientes que vêm praticando, de ser um farol de esperança para os Portugueses, de dar de si uma imagem limpa, honesta e dedicada ao bem público, ou então estarão a trair a esperança que os Portugueses neles depositaram e a destruir o País.
Chegou a hora de escolher.