segunda-feira, 29 de junho de 2015

Resgates, mentiras e «nós os ricos»…

Qualquer cor serve, desde que seja Merkel...

Anda tudo a reescrever a história, ninguém quer ser o coveiro do seu País ou do euro, nem ficar assim na história. Dizem-se enormidades e depois, afinal, ninguém disse nada disso.

Em Portugal, PP Coêlho fartou-se de dizer idiotices sobre a situação portuguesa, «que conhecia muito bem», assegurando que o seu Governo protegeria os portugueses dos horrores do PEC IV. Logo que chegou ao governo, desdisse tudo o que dissera, e agora diz que nunca disse.

Em Bruxelas, na semana passada, foi apresentada uma proposta aos Gregos que era de «pegar ou largar», ouviram-se expressões como «o jogo acabou» e agora a Grécia tem de aceitar isto, que é uma «proposta extraordinariamente generosa», caso contrário, não há mais negociações, esta seria «a última oportunidade».

No sábado, depois de saberem que os Gregos iriam convocar um referendo para decidir (enquanto nação) se aceitavam ou não a «proposta extraordinariamente generosa», os ministros das finanças declaram as negociações terminadas e recusaram a proposta grega de prorrogação do resgate por mais um mês.

Hoje, acusam a Grécia de ter «deixado a mesa das negociações», proclamam a «porta aberta à Grécia», dizem-se dispostos a negociar «sabendo que numa negociação ninguém pode obter 100%» (Merkel dixit).

Tudo isto quer dizer que depois do referendo grego (que segundo a Lagarde não teria sentido porque a proposta da troika já não existe), os «europeus» estão dispostos a tudo para evitar um meltdown do euro.

É caso para perguntar porque é que não estavam no sábado. A resposta é que se irritaram e decidiram fazer birra. Quem? Uns tipos que ninguém elegeu, do género da nossa Maria Luís, uns burocratas malcriados e arrogantes, que decidiram indispor-se com a Grécia.

A nossa Maria Luís e o nosso Pedro Coêlho, então, lembram-me uma história que se terá passada na Covilhã, em que um pobretanas conhecido por cravar toda a gente, herdou uma fortuna de um tio e passou a frequentar o club de empresários da terra, onde quando se discutiam assuntos de greves nas fábricas, declarava cheio de empófia «nós, os ricos, temos de pôr essa canalha na ordem…».

Nós os Ricos...!

sábado, 27 de junho de 2015

Telma Monteiro e atiradores em Competições. E muito, muito mais... e não aderimos.


Parece que, não é só o Futebol que deveria inchar os portugueses de exaltação. Parece que no judo e não só, somos os melhores ou dos melhores. Parece que na inovação e nas novas tecnologias estamos a aparecer nos primeiros lugares pelo mundo fora. Parece que no calçado de muita qualidade, estamos no segundo lugar mundial. Parece que nos Vinhos ganhámos dos melhores prémios mundiais e, por quem sabe e tem capacidade legítima e prática para os atribuir, e desinteressadamente o faz. Parece que estamos a recuperar nos têxteis. Parece que estamos a dar cartas na Agricultura, mormente no tomate e no melão.

Parece que na Investigação, por exemplo, em possíveis curas de cancro, estamos na frente, com o IPATIMUP a desenvolver um estudo para ser possível, “safarmo-nos” de um dos piores cancros, que é o do pâncreas.

Parece que somos muito capazes em tantas, mas tantas áreas, que não só o Futebol nem o Fado. Até na Música temos o Rui Veloso e muitos mais da sua classe e categoria. Parece que, até temos jovens que são bons médicos, e se decidam à medicina com qualidade e humanismo. Parece que no turismo também estamos a conseguir ser bons.

Parece que se quisermos ainda podemos conquistar, não novos mundo ao mundo, mas o que este mar todo aqui à nossa frente, nos pode outorgar. Não só o tradicional pescado, mas energias alternativas, tantas, e, partes para fabricar novos medicamentes, e, aquacultura, investigação, espaço, água e, até também parece mais e melhor turismo. Parece que temos séculos de História, de Memória e de Cultura!

Parece que temos tantas potencialidades, apesar de Pais médio nesta Europa esfrangalhada. Parece que temos como ter futuro. Mas também, parece que estamos e andamos distraídos, e não queremos aproveitar, tudo isto.

E parece que os telejornais de uma hora e meia, se deliciam, ao bota abaixo, à tragédia, ao mal dizer, ao quanto pior melhor, e não ao que parece que temos para ser bons, muito bons muito melhores.

Será que vamos perder tudo isto com fado, saudade, lamechice e auto piedade, e mais futebóis. Se calhar…

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
27 de Junho de 2015

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O segredo da troika

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.

O poder da troika não vem do volume de dinheiro. Nós pagamos mais, apesar de tudo. Vem do amor que a troika tem ao dinheiro.


O segredo da troika
Quando tantos saúdam o sucesso do programa de ajustamento em Portugal, cabe perguntar: qual foi o segredo da troika? O que fez a troika ter sucesso onde nós falhámos?

O segredo da troika não é segredo. Foi objectividade, informação exacta, transparência e prestação de contas. Se a nossa democracia tivesse objectividade, informação exacta, transparência e prestação de contas, não teríamos precisado da troika, porque não teríamos chegado ao precipício da bancarrota.

Hoje, quase todos desdenham da troika e seus agentes, mesmo quando os chamaram ou com eles contrataram sem os terem chamado. Já se esqueceram de quanto se deslumbraram com as reuniões iniciais, ou das selfies em momentos decisivos, ou de haverem reivindicado publicamente que tinham “ensinado” a troika, ou de como os seguiam pateticamente por todo o lado a cada vinda a Portugal, como se a troika fosse a própria encarnação do Espírito Santo – o divino, que não o banco.

Quando surgiu, a 17 de Maio de 2011, o Memorando de entendimento, a duas semanas de eleições, não faltou quem comentasse que “finalmente, temos um programa de governo a sério”: objectivo, rigoroso, quantificado, calendarizado, metódico. Só isto diz muito da fragilidade dos partidos. Habituámo-nos tanto a escrever para encantar – para iludir, arredondar, parecer bem – que nos esquecemos de como se escreve para resolver problemas, isto é, para governar. E as pessoas logo viram e perceberam a diferença.

Mas o mais raro nem foi a troika ter um programa de governo e recebê-lo por contrato externo. O mais absolutamente raro é ter sido cumprido de uma forma geral. Não é, afinal, verdade que os programas não são cumpridos. Este foi.

Haverá, aqui, quem atribua os dois factos – o programa e o cumprimento – ao poder da troika: ao dinheiro que nos entregou, os 78 mil milhões de euros, e ao amor que tem a esse dinheiro. Se não cumpríssemos, não recebíamos o dinheiro – o que em boa parte é verdade, pois cada desembolso estava condicionado a uma avaliação positiva anterior.

Esta constatação ajuda-nos a situar o cancro da nossa democracia. Nós, cidadãos, entregamos ao Estado muito mais dinheiro do que a troika. A troika emprestou-nos muito dinheiro: 78 mil milhões de euros! Mas nós, cidadãos, entregamos muito mais. Nos três anos de programa da troika, os contribuintes portugueses pagaram ao Estado, em impostos e contribuições sociais, mais do dobro: 168 mil milhões de euros! E nos anos da legislatura (2011 a 2015) pagámos ao Estado quase 230 mil milhões de euros, o triplo da troika.

O poder da troika não vem do volume de dinheiro. Nós pagamos mais, apesar de tudo. Vem do amor que a troika tem ao dinheiro – e da exigência e cuidado, portanto, com que o trata. Em contrapartida, a nossa fraqueza, assim como o declínio medíocre da nossa democracia, tem a ver com o pouco amor que temos ao dinheiro que pagamos e com o desprezo com que deixamos tratarem-nos. Somos desleixados no nosso contrato interno. E pagamos o preço desse nosso desleixo.

A troika fazia avaliações trimestrais. E nós? Nada. Nenhuma – uma coisa vaga de eleição em eleição. As avaliações parlamentares são um baile mandado inconsequente: o guião está escrito, os papéis distribuídos, os lugares marcados. Não há verdadeiro exame objectivo das coisas – é mais pugilato político. Nem os deputados estão lá para perguntar matéria objectiva – mais para apoiar, ou para embaraçar. Alguém imagina a troika a gastar o seu tempo com a discussão de uma gafe? Nós, ao contrário, adoramos banalidades e faits divers.

Dir-se-á que é natural o jogo maioria/oposição ser assim; em parte, é verdade. Mas, então, a prestação de contas deveria ser feita dentro dos partidos: à porta fechada, semanalmente nos grupos parlamentares, mensalmente nos órgãos de direcção política, trimestralmente nos de maior representação, examinando o grau de cumprimento dos programas, marcando o ritmo, exigindo pontualidade e fidelidade ao que foi prometido, representando as bases e o eleitorado. Nada disso: os partidos foram tomados, subvertidos e invertidos. Tornaram-se aparelhos de poder, funcionando de cima para baixo: câmaras de ressonância de quem gasta, não organismos de representação de quem paga. O contribuinte, o eleitor, o cidadão foram arredados do sistema. É essa a decadência da nossa democracia; e a ruína do nosso país.

O lema parlamentar é “no taxation without representation” – ora, hoje, funcionamos realmente sem representação. Falta-nos recuperar para a cidadania os mesmos mecanismos elementares da troika: objectividade, informação exacta, transparência e prestação de contas. Para repetir o inglês, é tudo uma questão de accountability… Temos palavras para isso: “prestação de contas”. Só nos falta o zelo de a aplicar.

Se os partidos funcionarem de baixo para cima, com cultura de participação, de abertura, de informação e transparência, de rigor e objectividade, em vez de meras faroladas e números de circo, a democracia salva-se e nunca mais teremos ruína. Porquê? Porque exerceremos o amor, a exigência, o cuidado com o nosso dinheiro.

Como fazer? Reformar, como prioridade, o sistema eleitoral, na linha defendida pelo manifesto Por Uma Democracia de Qualidade. Só isso, personalizando o deputado, conduzirá à reforma do sistema partidário, restituindo-lhe a saúde que perdeu. Teremos representantes, seremos representados. Far-nos-emos ouvir.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado, Deputado
NOTA: artigo publicado no jornal i.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Seria mais acertado o nosso Presidente estar mais recatado


Nesta fase final do seu último e segundo mandato, o ainda nosso Presidente da Republica podia ter mais recato. Se não apareceu tantas vezes quando esperávamos que o fizesse, se não falou quando esperávamos que falasse, agora terá que fazer o mesmo. 

E não se pode comparar a um Mário Soares quando era Presidente e estava em forma – hoje deveria “ser” totalmente recatado – e tinha um ar bonacheirão, que permitia fazer piadas e outras “coisas, em” que se saía bem. Algo que com o actual nunca aconteceu e cada vez menos acontece.

Não se pode comparar a Jorge Sampaio que era sério, mas ficava próximo das pessoas e compactuava bem, com todos. Quase todos!

General Ramalho Eanes era demasiado militarista, mas numa altura em que necessário era sê-lo, e para esse tempo saiu-se bem, e sem piadas.

O nosso Presidente agora em visita à Roménia, e como sempre falando mais fora do que cá dentro, e para não responder a umas perguntas ao final da noite com jornalistas, disse que era ocasião de fazer “um bom ó-ó”. Bem. Faz-nos lembrar, quando candidato, para não responder a uma questão, meteu bolo-rei na boca e falou de boca cheia.

Os tempos são difíceis, não temos em lado algum verdadeira Estadistas, e andaremos por certo, cá dentro e lá fora, a tentar encontrá-los e não está nada fácil. Em lado algum.

E claro que, nem se quer recuperar pessoas de tempos idos – se bem que, com todas se deveria mais aprender, até para não voltar a errar, sempre – nem recuar no tempo como se possível fosse. Mas de facto o ainda Presidente, não só não tem como ter piada – tantos assim somos -, como não fala ao País quando este espera que o faça, e fá-lo, quando não se conta que o deva fazer. Para além daqueles momentos formalizados e demasiado instituídos e pesados, como 1 de Janeiro, 25 de Abril, 10 de Junho e 5 de Outubro.

Quanto ao – ainda - actual PR que a História julgará com algum distanciamento, seria mais necessário neste momento, a  própria Presidência da Republica – que tantos candidatos e putativos candidatos atrai antes de tempo – ser por todos vista e entendida como independente, e acima de muitas destas querelas do dias a dia.

Temos que perspectivar em tudo, ser como somos, e em “funções”, em que a Pessoa representa esse “o cargo”, tem que com este saber lidar bem, e não banalizar quando não quer falar, ou o inverso.

Esperemos que nestes últimos tempos o PR fale quando for conveniente e se recata quando conveniente for. Esperemos não continuar a ter candidatos e recandidatos à Presidência antes das eleições para o Parlamento, e ajudemos todos o Pais, sem esperar única e exclusivamente que o Pais nos ajude. Todos do topo à base..

Augusto KÜTTNER DE MAGALHÃES
19 de Junho de 2015


quarta-feira, 17 de junho de 2015

A habitação, o Estado e a qualidade da democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O adequado funcionamento do mercado de arrendamento é, assim, um instrumento precioso na eficiência da utilização dos recursos financeiros.
A habitação, o Estado e a qualidade da democracia
Portugal tem um sector de habitação vasto e complexo que, no seu conjunto, tem uma enorme influencia no sucesso económico e na estabilidade financeira do país.

Desde logo, porque o país tem, além das designadas “primeiras habitações”, um número muito elevado de “segundas habitações”, e ainda dispõe de muitas “habitações de turismo” destinadas tanto a cidadãos nacionais como estrangeiros, incluindo também emigrantes nacionais que são normalmente residentes em países estrangeiros.
Apesar da muito elevada importância económica e financeira das duas últimas vertentes, foi no primeiro sector, as “primeiras habitações permanentes”, que o Estado se preocupou em intervir politicamente ao longo dos últimos 130 anos.

Na III República, o paradigma seguido foi o de fomentar a aquisição de casa própria, a maior parte das vezes com recurso ao crédito bancário. De facto, desde 1974 que os novos arrendamentos para habitação têm tido um papel secundário que só a grave crise financeira de 2011 veio de novo relançar através duma lei, inspirada pela troika, que teve como objectivo racionalizar uma situação de congelamentos/degradação de muitos milhares de rendas antigas, cujo valor era claramente incapaz de permitir que os proprietários fizessem a adequada manutenção do património edificado.

Note-se que, em termos financeiros, o principal objectivo da dinamização do mercado do arrendamento é o de, em simultâneo, diminuir o endividamento bancário das famílias que desejam uma habitação e dispõem de pouco capital, ao mesmo tempo que incentiva os aforradores a investirem directamente num património remunerado através das respectivas rendas.

O adequado funcionamento do mercado de arrendamento é, assim, um instrumento precioso na eficiência da utilização dos recursos financeiros, bem como na estabilidade social dos agregados familiares.

Pode já hoje dizer-se que a última Lei do Arrendamento Urbano permitiu uma dinamização e racionalização do mercado de habitação das grandes cidades portuguesas, como não se via desde os anos 60 do século passado.
Isso conduziu também a uma requalificação apreciável de muitas habitações, sendo hoje possível encontrar para alugar em zonas centrais de Lisboa T2 renovados a 320 euros e T3 a 475 euros.

Estes valores estão muito abaixo daquilo que era possível encontrar há dez anos, o que claramente revela que o mercado está, de facto, a funcionar em benefício da sociedade em geral.

Por isso, não se entende a proposta recente dum grande partido político para se “utilizar verbas da Segurança Social para financiar a renovação urbana”, sendo citados como objectivo de rendas valores por vezes superiores àqueles que o mercado já hoje proporciona às famílias.

A qualidade da democracia exige o conhecimento profundo das matérias de que se trata, bem como “ir ao terreno” recolher os dados concretos para detectar eventuais “falhas de mercado”, se e quando elas efectivamente existirem.
Não é manifestamente esse, hoje, o caso no mercado de arrendamento para habitação, onde de resto as autarquias têm já uma actuação muito significativa no segmento social.

Investir largas dezenas de milhões de euros dos recursos da Segurança Social numa tentativa para distorcer um “mercado que funciona com grande liquidez e transparência “ é um duplo risco: põe-se em causa a solidez do património que assegura a sobrevivência futura dos reformados, pois as rentabilidades irão estar, na prática, muito abaixo do previsto, e afastam-se os investidores privados, que têm investido verbas importantes neste sector, apesar da grave crise que o afectou .

Mas, já agora, a atenção política em matéria de “gestão da habitação” deverá centrar-se também na área das despesas aceites em sede de IRS como custos fiscais para quem investiu no arrendamento.

De facto, se um proprietário tiver de ir a tribunal reclamar uma renda que o inquilino não lhe pagou, as despesas com o advogado e as custas judiciais não são aceites como custos fiscais. Nem os honorários dos arquitectos e dos engenheiros que assegurem a conservação do património edificado. Já para não falar no computador onde tem de passar os recibos das rendas…

É de bradar aos céus!

A qualidade de uma democracia avançada tem também de passar por aqui!
Clemente PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico

NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Da gratidão e da esperança em política

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, hoje saído no jornal i.

Muita e muita gente que da política quer mais não vai sentir-se representada num parlamento que vai dar voz apenas aos aparelhos partidários.
TEMÍSTOCLES
(ca. 524 a.C. — 459 a.C.)

Da gratidão e da esperança em política 

Um dia, há 2500 anos, o jovem Temístocles caminhava na companhia do pai por uma praia perto de Atenas. Repousavam na areia os restos de uma trirreme, outrora altiva e soberba, com os seus 200 remadores e cem soldados da marinha, um veículo de poder e de força agora reduzido a um destroço.

O pai de Temístocles parou e disse ao filho: “É assim que Atenas trata os seus políticos, outrora grandes e poderosos, agora reduzidos ao esquecimento.”

Tal como a trirreme, Temístocles veio a ser grande e poderoso, um estratego visionário que, depois da primeira invasão persa travada na batalha de Maratona, entendeu que na invasão seguinte os gregos não poderiam fazer face ao poder esmagador das forças imperiais persas, a menos que tivessem a supremacia do mar. Com o mar e o império marítimo a que ele dá acesso, Atenas não poderia ser vencida pelos persas.

Esta visão veio a ficar plenamente provada quando, em 480 a.C., o imperador Xerxes invadiu a Grécia, apoiado numa poderosa frota de guerra e num exército imenso, imbatível. Foi no mar que Xerxes foi travado, pela frota de guerra que Temístocles tinha convencido o senado ateniense a financiar. A frota persa foi aniquilada em Arthemisium e em Salamis, e Xerxes, sem o seu apoio logístico, teve de retirar para a Pérsia, deixando apenas um forte corpo expedicionário na Grécia central. O que restava do exército persa foi, por sua vez, destruído em Plateia pelas forças combinadas dos estados gregos livres.

Os historiadores gregos contemporâneos de Temístocles já nem sequer o mencionam na vitória de Plateia, realçando apenas os feitos de Pausânias, o general espartano que venceu a batalha.

Para todos os efeitos, Temístocles desapareceu da história. A ingratidão dos atenienses tinha uma razão de ser: para construir a sua frota, Temístocles teve de afrontar os poderes instalados da aristocracia ateniense, dos donos das terras, que viam com muito maus olhos um poder marítimo que não controlavam. Politicamente, Temístocles morreu, sem se saber como nem onde…

Mais conhecida é a história de Winston Churchill, o político visionário que comandou com mão de ferro os destinos do Império Britânico durante a II Guerra Mundial. Tal como declarou num célebre discurso, o que deu aos ingleses nesses seis anos de tragédias e glórias foi sangue, suor e lágrimas. Ainda os canhões estavam quentes e já os ingleses o tinham substituído por quem lhes prometia o “wellfare state”.

Churchill poderia ter imaginado que os seis anos de guerra o tinham recomendado pelo seu carácter e visão ao povo britânico, mas enganou-se: a gratidão em política poucas vezes vai mais longe do que o nome de uma rua e uma estátua, nos melhores casos. Pelo menos, teve direito a um funeral de Estado…

Em Portugal temos neste momento um primeiro-ministro que deverá estar a pensar que o que fez nos últimos quatro anos o recomendam à gratidão popular. Parece-me que Passos Coelho tem algum crédito nessa matéria: com uma vontade inquebrantável, que resistiu a tudo, até aos arrufos irresponsáveis do parceiro de coligação, com uma visão singular no seu objecto – tirar o país da bancarrota –, fez tudo o que era necessário para dobrar este cabo das tormentas.

Mas a gratidão em política…

Tal como todos os seus antecessores nas barcas dos Estados, não falta quem, passado o perigo iminente, apenas se lembre dos sacrifícios, da dureza sentida, das baixas sofridas.

Outros oferecem um catálogo eloquente (ou verborreico) de esperanças variadas. Apostam na esperança que uma mudança operará, decorridos estes anos de chumbo do resgate; apontam as falhas no combate à bancarrota (e têm muita razão em muita coisa, mas parece-me que falham no essencial).

A próxima campanha eleitoral vai, assim, ser um combate entre o apelo à gratidão e o apelo à esperança, um combate duro e bipolarizado que dificilmente deixará espaço para vozes alternativas.

No seu conjunto, os pequenos partidos elegerão meia dúzia de deputados, vozes irrelevantes na Assembleia da República, salvo se fizerem falta para alguma coligação, em que enfileiram na via principal…

Em nome da gratidão ou da esperança, vamos ter de engolir inúmeros deputados que desconhecemos e cuja presença nem se faz sentir. Os detalhes e as nuances perdem-se na discussão por grosso e no apelo a sentimentos primários.

Muita e muita gente que da política quer mais não se vai sentir representada num parlamento que vai dar voz apenas aos aparelhos partidários, que são quem decide quem vai e quem fica e o que se discute do menu habitual.

Imaginem como seria diferente se pudéssemos ter deputados independentes que se candidatassem num único círculo eleitoral, trouxessem com eles outras visões do país, outros problemas em que tudo não ficasse reduzido ao défice, esse manto protector da incapacidade de reformar de que padece a nossa usual classe política.

É sabido que a democracia é bem mais do que votar de quatro em quatro anos. Sem uma sociedade civil forte e autónoma, que tenha no máximo fórum nacional representação institucional, a democracia é apenas partidocracia. É isso que queremos?

P.S.: A primeira parte deste artigo é também um pequeno gesto de homenagem à memória da importância que a Grécia clássica teve na nossa civilização ocidental. Sem a Grécia, teremos apenas uma Europa desmemoriada…

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado
ex-secretário de Estado da Justiça



quarta-feira, 3 de junho de 2015

Reformas políticas: passemos das palavras aos actos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Luís Alves Monteiro, hoje saído no jornal i.

Torna-se necessário dar uma voz mais activa aos cidadãos por forma que os eleitores tenham uma palavra mais decisiva na escolha dos deputados a eleger.


Reformas políticas: passemos das palavras aos actos 

É conhecida a nossa propensão, também no respeitante às reformas políticas, para sermos mais construtores de cenários, de simulações e análises da sensibilidade do que para pôr as mãos na massa e fazer.

Isto é, em palavras somos fartos, mas quantos aos actos somos excessivamente frugais. Não creio que tal se deva a questões inultrapassáveis, tendo mais a ver com poderes instalados que pretendem salvaguardar os seus interesses pessoais, corporativos ou de grupo.

Mas para que tal aconteça é necessário agir, e para isso é fundamental mobilizar. Particularmente significativa é a forma como nós, como cidadãos, abordamos as questões políticas que têm uma característica estruturante e estruturadora de um regime democrático, porque muitas vezes os seus efeitos não são a curto prazo.

É muito interessante o recente estudo que Marina Costa Lobo, Vítor Sérgio Ferreira e Jussara Rowland, docentes do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, elaboraram e que contou com o alto patrocínio do Presidente da República.

Regista esse excelente trabalho que “quase metade da população adulta está convencida de que actualmente a democracia em Portugal funciona pior ou muito pior do que há cinco anos (…)” e que a “(…) relação entre eleitores e eleitos, marcada pelo afastamento, alheamento e insatisfação, não foi naturalmente beneficiada pela crise económica (…)”.

A necessária aproximação entre eleitores e eleitos, que não cabe só a alguns mas é tarefa de todos nós, como cidadãos numa democracia que queremos melhorada, levou à realização de um conjunto de iniciativas de sensibilização quanto às matérias relativas à reforma eleitoral, por um grupo de cidadãos inconformados entre os quais me incluo.

Ficamos com noção de que existe um fosso crescente entre as aspirações dos cidadãos e as propostas políticas, com a consequente quebra de confiança concretizada numa elevada abstenção que as eleições registam, designadamente as referentes à Assembleia da República.

Torna-se assim necessário dar uma voz mais activa aos cidadãos, por forma que os eleitores tenham uma palavra mais decisiva na escolha dos deputados a eleger.

Estranho particularmente o facto de duas revisões constitucionais, a de 1989 e a de 1997, terem permitido alterações relevantes na lei eleitoral com a possibilidade de ser constituído um círculo nacional, complementar aos círculos regionais e distritais e, após 1997, poder o sistema eleitoral passar a contar com círculos uninominais.

Ou seja, há cerca de 26 anos que a nossa lei fundamental permite que a lei eleitoral seja alterada. Porque é que nada se fez?

Estamos à espera que o afastamento entre eleitores e eleitos seja ainda maior para agir?

É recomendável ainda a introdução do voto preferencial, levando o eleitor a escolher entre os candidatos propostos aqueles que melhor respondem aos seus interesses, em vez de o voto ter apenas uma opção na lista fixa.

A possibilidade de numa próxima revisão constitucional ser aberto o acesso ao sufrágio para a Assembleia da República de cidadãos independentes era, neste âmbito, uma medida que parecia de recomendar, não obstante dever ser necessário ter em conta a governabilidade do país, que neste tipo de eleições importa assegurar.

Dir-se-ia ainda que o número de deputados poderia ser ajustado no quadro de uma reforma do sistema eleitoral que resultasse dos votos brancos e nulos, assim originando um número variável de deputados de eleição para eleição.

Para já, seria muito animador que os partidos políticos a que coube a tarefa de materializar as revisões constitucionais de 1989 a 1997, no âmbito da reforma eleitoral inscrevessem nos respectivos programas eleitorais estas medidas que, a serem tomadas, conduziriam a uma democracia de melhor qualidade.

Como sou por natureza um optimista, espero que assim seja, pelo que o interesse geral prevalecerá contra os interesses corporativos e de grupo.
Luís ALVES MONTEIRO
Engenheiro e gestor
NOTA: artigo publicado no jornal i.