quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Um exemplo fatal da nossa incompetência colectiva

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, saído hoje no jornal i.
Dívida pública acima dos 250 mil milhões de euros, correspondendo a cerca de 126% do PIB. O limite intransponível no quadro europeu era de 60%. Subimos para mais do dobro; e por lá temos andado. Como se chegou aqui? 
 
Um exemplo fatal da nossa incompetência colectiva
É bem conhecido o grito da Revolução Americana no séc. XVIII: “No Taxation without Representation” – “Tributação sem Representação, não!” Esta poderosa reclamação de consciência popular conduziu, historicamente, à independência das colónias britânicas na América do Norte, declarada em 1776 e reconhecida em 1783, que deu origem aos Estados Unidos da América. É uma ideia de enorme poder. A indignação, primeiro, e a revolta, depois, dos colonos americanos por agravamentos tributários lançados pela Câmara dos Comuns, onde não tinham representação, desencadeou a cascata de acontecimentos que, em poucos anos, desembocou na separação e formação da nação mais poderosa do mundo.

Esta ideia soberana veio a tornar-se um emblema geral do parlamentarismo em todo o mundo democrático: uma das funções mais nobres dos parlamentos é assegurar a legitimidade de taxas e impostos lançados sobre os cidadãos e a sociedade. O instrumento principal é o Orçamento do Estado, isto é, a autorização de despesas e de receitas em que cada OE consiste. Todos os anos, o governo apresenta um determinado plano de despesas, cobrindo os diferentes sectores orgânicos e funcionais e as responsabilidades pendentes, para que pede autorização aos deputados; e submete simultaneamente ao parlamento uma determinada previsão de receitas, sobretudo tributárias, para cuja cobrança pede também autorização, a fim de cobrir e pagar as despesas. A legitimidade democrática decorre de serem os próprios cidadãos, contribuintes, através dos seus representantes, a autorizar o Estado a cobrar-lhes taxas e impostos para pagar as despesas públicas que também autorizam. Numa palavra, o regime é de Taxation with Representation – “Tributação com Representação, sim!”

Isto é a teoria. Na prática, quantos deputados estão conscientes do seu papel político não só como fiscais, mas efectivos lançadores dos impostos? Quantos deputados estão conscientes de que, quando soa a frase do cómico Jô Soares “Estão mexendo no meu bolso…”, o sujeito indefinido não é o ministro das Finanças nem o primeiro-ministro? Não, o sujeito são os deputados: os ministros só propõem, os deputados é que aprovam. Aprovam, decidem e ditam não só os impostos, nem só as despesas, mas toda a política financeira do Estado, tanto na teoria como na prática. Ditam e fiscalizam – ou melhor, devem fiscalizar.

Há dias, revi parte de um livro que está em preparação final e encerra um inovador trabalho de investigação de um jovem académico português na Universidade de Columbia nos Estados Unidos, André Corrêa d’Almeida. O livro é sobre a nossa política e a qualidade da governação democrática, se podemos sumariá-lo assim. Recolheu e digeriu centenas de contributos dos mais diversos sectores. Será certamente um livro importante.

No capítulo que pude ler, o autor recorda-nos um facto incontornável sobre o qual já tenho falado várias vezes. Outros também. Mas, pelos vistos, ainda não nos interpelou com a brutalidade necessária:  
[Desde 1976], em todo este período de mais de quatro décadas de gestão do Estado português, gastou-se sempre mais do que se produziu. O sistema político instaurado em 1976 foi até hoje incapaz de gerar, num ano apenas que fosse, mais receitas do que despesas. Isto é, o saldo orçamental em Portugal é sempre negativo. (…) Esta situação ocorreu continuadamente, mesmo nos períodos de crescimento continuado do produto interno bruto (PIB), não se tendo verificado poupança pública em períodos de crescimento económico.” (fim de citação)
Os números que mais nos atormentam o presente e o futuro colectivos são conhecidos: dívida pública um pouco acima dos 250 mil milhões de euros, correspondendo a cerca de 126% do PIB. O limite intransponível no quadro europeu era, recordemo-lo, de 60%, linha que ultrapassámos em 2004/05. Subimos para mais do dobro; e por lá temos andado. Como se chegou aqui? Por mais de 40 anos de défices consecutivos, não tem nada que enganar. Simplificando: a dívida é a soma dos défices; e os défices são os excessos da despesa sobre a receita – tão simples quanto isto. Somando os contínuos excessos de despesa anuais ao fio de mais de 40 anos seguidos, temos a dívida gigante que nos atormenta.
Quantos deputados se dão conta de que o seu papel crucial de representante do contribuinte se foi subvertendo, passando de sábio soberano da coisa pública a um frio e servil cobrador? Para mais, ordenando cobranças sempre insuficientes, pois a voracidade nunca parou e a dívida galgou em contínuo. Quantos deputados se dão conta de que a dívida, correspondendo a mais tributação no futuro, é uma forma de viver com os impostos de hoje mais já os de amanhã também? Quantos deputados se apercebem de que, nessa medida, estão a roubar parte do mandato e do poder dos seus sucessores?

Tudo isto é uma grande questão e uma conversa ainda maior. Mas, independentemente das visões políticas, o essencial é perceber que esta derrapagem financeira do Estado é a ruptura do sagrado princípio “no taxation without representation”. Porque a derrapagem aliena a liberdade da decisão, compromete o justo critério, põe os decisores a reboque, em vez de no comando – e empurra-nos para a ruína, como nos aconteceu.

É preciso restituir aos deputados o seu poder constitucional. É preciso os deputados reassumirem esse poder e não se deixarem ir na onda. Para que os cidadãos possam confiar outra vez. Hoje, deputado é gato por lebre: queremos um defensor e servem-nos um cobrador abúlico.

Precisamos de um sistema eleitoral em que os deputados, nos seus partidos, possam influenciar, de facto, e comandar as políticas, de acordo com o diálogo e os compromissos que vão estabelecendo com os cidadãos. Para que serve um “representante” que não representa? Para que serve um “representante” que, embrulhado e aperreado num novelo grupal, serve mais o poder dos de cima e nada o poder dos de baixo? Para que hão-de eleger os de baixo quem, quando chega a hora, não os representa?

A quem vamos recorrer para pouparem o nosso dinheiro? Falo quer do dinheiro nosso com que devemos ficar (porque nos faz falta na nossa vida ou para nossa poupança), quer do dinheiro nosso que pagamos ao Estado (e que este deve gerir com parcimónia e poupar, por respeito por nós). As finanças públicas não podem ser um assalto em contínuo ao bolso dos cidadãos.

A reforma do sistema político por que trabalhamos na SEDES e na APDQ, a favor da representação proporcional personalizada, é para um parlamento mais responsável, mais sólido, mais consistente, mais representativo, mais próximo da cidadania.
Pode juntar-se a este movimento cívico, assinando e divulgando a petição pública “LEGISLAR O PODER DE OS CIDADÃOS ESCOLHEREM E ELEGEREM OS SEUS DEPUTADOS”, neste endereço electrónico: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania 
José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Reforma do Sistema Eleitoral – Um desafio urgente e imperioso para benefício de todos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.
Círculos uninominais cobrem todo o território. Apenas o candidato mais votado é escolhido. Só assim se passarão a discutir na AR os assuntos que interessam aos cidadãos.


Reforma do Sistema Eleitoral – Um desafio urgente e imperioso para benefício de todos 
A Sociedade Civil está de forma generalizada de acordo em que é preciso encetar um processo de melhoria da nossa classe política.

Políticos que aceitam de ânimo leve que os portugueses sejam obrigados a colocar quase 20.000 M€ num sistema bancário onde foram feitas negociatas hediondas, políticos que gerem um Estado que não protege os cidadãos e que seguem uma filosofia de maior Estado pior Estado, políticos que legislam criando um Sistema Elétrico Nacional muito ineficiente e com tarifas altíssimas para os consumidores de um bem indispensável como a eletricidade, políticos que não implementam as muitas sinergias possíveis através de uma reengenharia a nível do Estado, mais conhecida por Reforma do Estado, políticos que se queixam muito do défice Orçamental como argumentação para o tradicional aumento da fiscalidade sobre tudo e todos, políticos ainda que, contra a vontade generalizada da Sociedade Civil, afastaram Joana Marques Vidal de Procuradora-Geral da República devem ser avaliados e escrutinados de outra forma pelos eleitores.

Estamos atualmente num período de importância capital que a Sociedade Civil não pode de forma alguma desperdiçar. Conseguimos, graças ao grande empenho e capacidade de José Ribeiro e Castro e de uma equipa por ele criada de motivados juristas, elaborar a Petição à Assembleia da República “Legislar o Poder de os Cidadãos Escolherem e Elegerem os seus Deputados”. Para que seja efetuada uma profunda Reforma do Sistema Eleitoral, peço a todos os leitores que assinem e divulguem esta importante Petição através do link: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania.

Graças ao trabalho notável desse Grupo, pudemos apresentar um muito completo Projeto de Proposta de Lei baseado nos trabalhos que temos vindo a realizar nos últimos anos.

Juntamente com a Sedes, a APDQ – Associação Por Uma Democracia de Qualidade, elaborou uma proposta de grande relevo da Reforma do Sistema Eleitoral, apontando para uma Assembleia da República com 105 Deputados eleitos pelo mesmo número de círculos uninominais, 105 Deputados eleitos por círculos regionais correspondentes aos distritos, 15 Deputados eleitos num Círculo Nacional de Compensação para garantir a proporcionalidade da representação parlamentar e 4 Deputados eleitos pelos Círculos da Emigração. Uma Assembleia da República com 229 Deputados e com a alteração do Sistema Eleitoral que a nossa Constituição prevê há já vinte anos!

Círculos uninominais são, como sabemos, círculos que no seu conjunto cobrem todo o território nacional e para os quais existe no boletim de voto uma segunda coluna para que se faça uma votação específica num candidato, entre os que se apresentam no círculo uninominal.

Em cada um deles, apenas o candidato mais votado é escolhido para entrar no hemiciclo. Tipicamente cada círculo agrupará aproximadamente 75 000 eleitores. Estes círculos são cruciais porque os eleitos neles são a génese de uma ligação muito mais profunda entre eleitos e eleitores. Só assim na Assembleia da República se passarão a discutir os assuntos que interessam aos cidadãos e muitos Deputados deixarão de ser escolhidos de forma ditatorial pelos diretórios dos partidos.

Tal como já mencionei nestes Artigos, um Deputado da Nação contou-me, há algum tempo, que tinha feito várias viagens com deputados de outros países e constatou que, enquanto os deputados estrangeiros regressavam aos seus países para fazerem contactos com os eleitores dos círculos uninominais onde tinham sido eleitos, os deputados portugueses ficavam a fazer turismo longe de casa. Isto passou-se exatamente no fim duma sessão empresarial em que Rui Rio expressou a opinião de que o atual Sistema Eleitoral para a Assembleia da República está esgotado, que é necessário escolher outro.

Neste início de 2019, apesar de se terem passado já alguns meses, não esqueço o discurso notável de Margarida Balseiro Lopes na Assembleia da República, em 25 de Abril do ano passado, e que dada a sua relevância voltei agora a rever. Um discurso notável, de correção para com todas as bancadas parlamentares, mesmo para com aquelas que não a aplaudiram ao terminar. Notável, também, pelo empenho em agradecer à geração que lhe permitiu viver em liberdade, não abdicando da luta pela melhoria da nossa Democracia. Criticando, contudo, expressões inaceitáveis, muito usadas hoje, como por exemplo: nós os políticos e eles o povo.

Notável no que se refere ao importante combate à corrupção que enriquece ilicitamente particulares e partidos políticos e possibilita a captura das entidades públicas por entidades privadas. Um combate que tem de ser continuado com muito mais eficiência e sem dar tréguas aos prevaricadores que têm de passar a ter respeito pelo nosso Sistema Judicial.

O PAC – Plano de Ação Concreto para o Projeto que Margarida Balseiro Lopes apelidou de O Portugal por fazer, será um programa extenso e que, quanto a mim, tem de começar exatamente pela Reforma do Sistema Político e mais especificamente pela Reforma do Sistema Eleitoral para a Assembleia da República. Feita esta Reforma muitos dos restantes problemas serão resolvidos por arrasto.

Por isso, neste momento em que desejo aos Leitores um Ótimo Ano de 2019, volto a pedir para assinarem e divulgarem a Petição “Legislar o Poder de os Cidadãos Escolherem e Elegerem os seus Deputados” através do link: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania
Quaisquer dúvidas podem ser esclarecidas e ou debatidas através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com
Fernando TEIXEIRA MENDES
Gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.