quarta-feira, 29 de novembro de 2017

País em prisão domiciliária

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.

Sem grandes soluções à vista, vemos os ex-amigos e ex-companheiros de governo do ex-primeiro-ministro José Sócrates a governarem o país e a capital como se absolutamente nada os ligasse a essa desastrosa fase da democracia portuguesa.



País em prisão domiciliária
Portugal tem do atual regime aproximadamente o mesmo tempo de duração do regime anterior. Em tese, o regime já devia ter caído. Contudo, o país está, faz décadas, refém de um sistema partidário fechado em si próprio, tendo acabado por se habituar a viver assim. À imagem da síndroma de Estocolmo, passou de refém a detido em prisão domiciliária.
Sem grandes soluções à vista, vemos os ex-amigos e ex-companheiros de governo do ex-primeiro-ministro José Sócrates a governarem o país e a capital como se absolutamente nada os ligasse a essa desastrosa fase da democracia portuguesa. É notável a capacidade de resetting e de autoperdão da esquerda em Portugal. Não obstante, este tem sido um dos problemas do regime transversal ao conjunto das forças políticas do bloco central: a incrível capacidade de reciclagem dos resíduos políticos.
O país carece de reformas e mudanças profundas e, para isso, é importante que o PSD acorde do estado de apatia em que se encontra. O país precisa que o PSD conduza uma oposição com projeto reformador credível, com ideias claras, contemporâneas e ambiciosas para Portugal; para Lisboa, para o Porto, para o interior, para o litoral; para o papel de Portugal na Europa, para o combate à desertificação, para a reforma do Estado, para a reforma da justiça, para a educação; para a atração de empresas internacionais, para o crescimento económico, para a segurança, para a regionalização e, por fim, para o sistema político. Sem a reforma do sistema político não haverá democracia, nem o país se libertará da detenção de que foi alvo.
Portugal é um país detido por partidos e políticos que, por sua vez, são detidos por grupos de interesses. Os vários casos de justiça mostram bem a permissividade do sistema, e por mais inusitado que pareça estamos hoje, algumas vezes, mais próximos dos receios do Bloco de Esquerda que das práticas do governo. O tema das rendas das empresas de energia é uma clara demonstração.
É necessário que o PSD abandone o exercício da oposição focado em habilidades e no quotidiano, e que pense o país, a Europa e o mundo; pense Lisboa, pense o Porto, pense Setúbal, Faro, Braga e Évora; pense a modernização da administração pública, a agilidade e clareza na justiça, a ética na governação, a transparência na aplicação de fundos, a redução da burocracia, o equilíbrio das contas públicas, o desenvolvimento empresarial e a internacionalização do país. A realidade mostra, contudo, que o PSD insiste em não se atualizar e, infelizmente, não se apresenta como força galvanizadora de uma esperança fundamentada numa visão estratégica.
Enquanto esta cultura cinzenta de antiguidade apática persistir está facilitada a vida de quem faz da política um exercício essencialmente mediático. É por isso que parece que o governo resolve os problemas estruturais do país e que Lisboa não tem lixo e buracos nas ruas, que os autocarros da Carris não largam um fumo negro insuportável e que Fernando Medina não é um fraco presidente de câmara, produto de uma mediatização idêntica à de José Sócrates e António Costa.
O diagnóstico está feito, publicado e conhecido, não oferece grandes dúvidas. Consequentemente, aquilo de que o país necessita é de uma visão clara que ajude a resolver as enfermidades crónicas. Assim sendo, e como anunciado em artigos anteriores, apresento hoje uma pequena lista de áreas de intervenção que me parecem adequadas ao contributo da modernização e desenvolvimento do país.
No sistema político: Introdução de círculos uninominais para a eleição dos deputados à AR, abrindo a possibilidade de candidaturas independentes; redução do número de câmaras municipais para 180; transformação das juventudes partidárias em grupos de voluntariado e apoio social; introdução, como órgão de coordenação de política nacional, do encontro entre o governo e os presidentes de câmara. Estas mudanças, aparentemente pequenas, constituem em si um avanço na cultura democrática que permitirá ao país arejar, libertando-se do estado de detenção que os diretórios partidários impuseram. Devolverá a decisão e o escrutínio quanto à eleição e atuação dos deputados aos eleitores, retirando desta forma, e em definitivo, a autoridade ditatorial que os partidos possuem relativamente aos deputados eleitos.
Na posição de Portugal na Europa: Garantir que, dentro das forças armadas comuns, Portugal, por ser detentor da maior zona económica exclusiva marítima (ZEE), terá um papel central no que à armada europeia diz respeito. Esse objetivo pelo qual temos de bater-nos contribui para o desenvolvimento de atividades económicas várias, investigação e ensino, emprego e reforço da influência diplomática do país. Além disso, deixa claro que não pretendemos prescindir da soberania no que respeita à autoridade sobre o nosso maior ativo em termos territoriais. A ZEE tem potencial para constituir em si um desígnio de desenvolvimento que arraste centros de investigação e universidades, empreendedores e empresas, setor público e governo.
Há um enorme potencial desaproveitado em Portugal e nos portugueses. A ausência de desígnios estruturais, para além de desmotivadora, impede o crescimento estrategicamente sustentado da economia e da influência de Portugal na Europa e no mundo.
Não é excessivo sublinhar a ideia de que o desenvolvimento do país passa pela evolução qualitativa da democracia que apenas uma democracia de qualidade, real e sem disfarces, poderá resolver.

Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Reforma do sistema eleitoral – a génese indispensável para a melhoria da nossa democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.

Uma reforma destas só não é feita porque a classe política portuguesa se protege, dentro do seu castelo, para não ser atacada e não ter concorrência.


Reforma do sistema eleitoral – a génese indispensável para a melhoria da nossa democracia

A preocupante degradação da democracia em Portugal está a afetar gravemente a vida dos cidadãos.

O sistema eleitoral em vigor permite que os sete líderes das bancadas parlamentares decidam os assuntos que os deputados vão comunicar no hemiciclo. Esta situação não pode continuar, porque assuntos de grande interesse para a sociedade civil não são aí debatidos.

Porque é que para a nossa Assembleia da República não se podem apresentar, por sua iniciativa e em círculos uninominais, candidatos independentes das estruturas partidárias?

Porque é que a revisão da Constituição de 1998 (há aproximadamente 20 anos!), permitindo círculos uninominais, não foi implementada seguidamente pelos partidos políticos? Foi um teatro o que andaram a fazer durante a revisão da Constituição?

Seria de grande interesse para o país que a Assembleia da República tivesse um grupo de deputados que debatesse e tomasse posição sobre, por exemplo, as perigosíssimas fragilidades atuais da nossa administração pública.

O que em 2017 se passou com os incêndios no interior do país foi vergonhoso, absolutamente inaceitável e só possível pelo facto de a frágil administração pública não permitir que as florestas e os incêndios sejam tratados e assumidos de forma correta e eficaz. Estamos muito pior do que há 50 anos.

Volto também a escrever sobre uma fragilidade que está a ser criada numa área que conheço bem: a da inspeção e certificação das instalações elétricas, em que o decreto-lei 96/2017, publicado em 10 de agosto passado, isenta de inspeções as instalações mais pequenas e passa as atribuições da CERTIEL – Associação Certificadora de Instalações Elétricas para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) – isto depois de serem publicadas três portarias ao longo de dois anos anunciando um concurso público para escolha de uma entidade certificadora, o que nunca veio a verificar-se!

Reconheço as enormes capacidades técnicas e humanas dos poucos recursos da DGEG, mas sei que esta está sem capacidade para absorver a carga de trabalho que pretendem que assuma já a partir do início de janeiro de 2018.

As consequências da aplicação do decreto-lei 96/2017 vão ser graves para as populações.

Pergunto: porque é que, em termos de segurança de instalações elétricas, aqueles que têm casas pequenas não são tratados da mesma maneira que aqueles que têm casas grandes? Não se trata de uma discriminação inaceitável para os de menos posses? Todos lidam com a eletricidade, que pode produzir incêndios, e usam a mesma tensão mortal de 230 V, com potências de curto-circuito também de igual valor para todos.

Será mesmo lançado um concurso para auditorias técnicas por amostragem a serem efetuadas a instalações elétricas já em uso, tal como define o despacho 7394/2017? E se houver lugar a alterações obrigando a obras em casas habitadas ou em estabelecimentos comerciais em funcionamento?

Que se cuidem os partidos que têm ambições governativas porque, se continuarmos a ter alternância democrática em Portugal, o governo afeto ao PS faz a lei e, depois, os outros que estiverem no governo à época sofrerão as consequências!

Se os deputados da Assembleia da República sentissem a sua eleição verdadeiramente ligada aos cidadãos que os elegem, debateriam estes e outros assuntos com uma outra profundidade.

Para a melhoria da qualidade da nossa democracia e do nível da classe política, defendemos na APDQ – Associação Por Uma Democracia de Qualidade que cada eleitor possa exercer o duplo voto no seu boletim, assinalando: a força política (partido ou coligação) que prefere no respetivo círculo territorial intermédio e o deputado que escolhe no respetivo círculo uninominal de base.

Tal como em importantes países, como a Alemanha, o sistema é constituído por forma a que se ajuste no seu todo o peso das várias forças partidárias.

Uma reforma destas só não é feita porque a classe política portuguesa se protege, dentro do seu castelo, para não ser atacada e não ter concorrência. Conclusão simples: terá de ser a sociedade civil a iniciar o processo, dando indicações claras de que só apoiará partidos que defendam este tipo de reforma. É a sociedade civil que tem as ferramentas para a atuação na sua posse.

Não posso deixar de fazer aqui um grande elogio ao texto bem pragmático de José Ribeiro e Castro, recentemente escrito ao abrigo destes artigos:
“(...) Basta um só deputado com voz livre para a diferença logo se sentir. E, se todos forem de voz livre, não presos e vergados a tribos, não dependentes do chefe, mas pertencentes aos eleitores, o caso muda por completo de figura. A democracia vive porque a cidadania se afirma. Se a reforma eleitoral de 1998 tivesse acontecido, a corrupção teria chegado onde chegou? Não. Os bancos ter-se-iam degradado como aconteceu? Não. As negociatas teriam o terreno livre de escândalo que vimos? Não. A má gestão teria campeado? Não. A desertificação do país teria progredido como está? Não. Após os incêndios de 2003 e 2005, o país teria crescido na extrema vulnerabilidade ao inferno de 2017? É claro que não. Então estamos à espera de quê? Reforma política urgente, pois claro!”
Esta é uma reflexão cheia de propriedade e de enorme atualidade.

Na próxima segunda-feira 27 de novembro, às 18h30, na Livraria Buchholz, Rua Duque de Palmela, 4, em Lisboa, vamos lançar o livro “Reforma Política – Urgente”. Não deixe de comparecer!


Fernando TEIXEIRA MENDES
Empresário e gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Reforma política: já vão perdidos 20 anos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
É por isto que a reforma política é urgente: ao fim de 20 anos, a revisão da Constituição continua por cumprir. Os problemas mantêm-se; e, a cada ciclo, agravam-se.


Reforma política: já vão perdidos 20 anos
No final deste mês de novembro é apresentado, em Lisboa, o livro “Reforma Política Urgente”, uma edição da Sopa de Letras, por iniciativa da APDQ – Associação Por uma Democracia de Qualidade, de que sou presidente. O livro compila quase todos os artigos publicados semanalmente, há três anos, neste jornal, à quarta-feira, por um punhado dos 50 subscritores do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade (2014): António Pinho Cardão, Clemente Pedro Nunes, Fernando Teixeira Mendes, Henrique Neto, João Luís Mota Campos, José António Girão, Luís Campos e Cunha, Luís Mira Amaral e eu próprio. O manifesto foca-se na reforma política, reclamando medidas de mais verdade, representatividade e transparência no sistema eleitoral e no financiamento partidário. A associação constituiu-se para dar continuidade à expressão pública das ideias do manifesto e para as aprofundar em diálogo com a sociedade civil. O livro recolhe textos que abordam o tema sob ângulos diversos, corporizando o essencial da nossa luta cívica destes últimos três anos.

Em título, o livro toma logo posição pela urgência da reforma política. Mas esta urgência não decorre de nada de novo que tenha acontecido agora e a provocasse. Não, a urgência resulta de a reforma ser esperada há muito e, preguiçosamente, continuar por fazer.

É espantoso como a teia e os enredos montados pelos diretórios partidários e pelo núcleo duro das classes dirigentes têm conseguido fintar e bloquear, 20 anos a fio, as reformas que se impõem quanto ao modelo das eleições para a Assembleia da República, mantendo tudo na mesma e privando os eleitores da palavra decisiva.

Há 20 anos saiu a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, com a quarta revisão constitucional. A Constituição passou a apontar para um sistema eleitoral de representação proporcional personalizada, que reforça substancialmente o peso dos eleitores na escolha dos deputados. O texto do artigo 149.º da Constituição, embora não o imponha, aponta claramente para um sistema misto, em coexistência de círculos uninominais e plurinominais, em moldes complementares e protegendo sempre a proporcionalidade da representação parlamentar global. A Alemanha tem um sistema deste tipo, que tem prestado excelentes provas.

O que significa isto? Significa que os problemas e vícios de que mais nos queixamos – falta de representatividade dos deputados em geral, poder centralizado nos chefes e diretórios, fraca colegialidade, baixa institucionalidade, escasso poder de escolha pelos eleitores, fácil captura dos centros de decisão, descrédito dos partidos, descrença na democracia – eram problemas que pesavam já fortemente no debate político dos anos 1990. Por isso se fez a revisão constitucional neste domínio, com a profundidade do artigo 149.º. Seria impossível conseguir maioria de 2/3 para desenhar o novo caminho se a questão não estivesse já bastante madura.

A revisão da Constituição foi aprovada a 3 de setembro de 1997. Logo a seguir, o governo da altura aprovou, a 11 de setembro, uma resolução do conselho de ministros a definir o calendário e a metodologia de elaboração de uma proposta de nova Lei Eleitoral para a Assembleia da República, anunciada para março de 1998. A preparação dessa proposta foi muito participada e aberta: houve intervenção dos organismos técnico- -eleitorais do Estado; houve estudos científicos de reputadas entidades universitárias e prestigiados especialistas; houve um primeiro anteprojeto submetido a debate e escrutínio público; houve exame por parte dos partidos políticos.

Em 26 de março, deu entrada no parlamento a proposta de lei n.º 169/vii, estruturando o novo sistema de representação proporcional personalizada, compreendendo 103 círculos uninominais num total de 230 deputados. Seria uma revolução democrática no poder de escolha dos eleitores. Antes, a 16 de março, já dera entrada o projeto de lei n.º 509/vii do PSD, propondo outro quadro de sistema misto, contendo 85 círculos uninominais num total de referência de 184 deputados. E, a 14 de abril, numa linha conservadora, entrou o projeto de lei n.º 516/vii do PCP, propondo apenas ajustes no sistema vigente, que é ainda o atual.

O processo legislativo prometia mais do que deu. Prometia alguma coisa – deu em nada. Prometia concretizar a revisão constitucional – apunhalou-a e enterrou-a. No dia 23 de abril de 1998, naquela que é talvez a mais funesta sessão plenária parlamentar das últimas décadas, a Assembleia da República abortou a reforma política. Os deputados tiveram nos pés uma reforma estratégica fundamental para a democracia e para Portugal – chutaram-na para as bancadas. O CDS assobiou para o lado. O PCP fincou-se na sua. O PSD empunhou o florete da redução, à cabeça, do número de deputados de 230 para 184, esgrimindo uma linha que tem sido, sempre, o veneno tóxico de qualquer reforma eleitoral. O PSD e o PS travaram-se de razões a favor e contra o veneno. PCP e CDS também discordavam do PSD mas, interiormente, regozijavam-se pelo seu efeito sabotador. E, apesar de o governo haver apelado a que passassem na generalidade todos os textos, guardando a fase da especialidade para afinar pormenores e aplanar diferenças, a intoxicação crescente infetou de tal modo o debate que, no fim da sessão, os votos cruzados acabaram a chumbar todos os textos. Morreu. Até hoje…

Na legislatura de 2002/05 criou-se na Assembleia da República uma Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político. Não passou de bailarico. Pomposo, mas só bailarico. Houve contributos relevantes, audições valiosas e qualificadas, abusou-se da boa-fé das pessoas, apresentaram-se boas ideias e propostas. Mas concretizações? Nem uma só para amostra. Foi a forma de os diretórios nos entreterem e arrastarem o tema: faz que anda, mas não anda.

É por isto que a reforma política é urgente: ao fim de 20 anos, a revisão da Constituição continua por cumprir. Os problemas mantêm-se; e, a cada ciclo, agravam-se. O descrédito da política é enorme, gigantesca a descrença no sistema. O sistema sofre de osteoporose em grau avançado.

Basta um só deputado com voz livre para a diferença logo se sentir. E, se todos forem de voz livre, não presos e vergados a tribos, não dependentes do chefe, mas pertencentes aos eleitores, o caso muda por completo de figura. A democracia vive porque a cidadania se afirma. Se a reforma eleitoral de 1998 tivesse acontecido, a corrupção teria chegado onde chegou? Não. Os bancos ter-se-iam degradado como aconteceu? Não. As negociatas teriam o terreno livre de escândalo que vimos? Não. A má gestão teria campeado? Não. A crise do défice e da dívida teria rebentado como foi? Não. A troika teria sido necessária? Não. A desertificação do país teria progredido como está? Não. Após os incêndios de 2003 e 2005, o país teria crescido na extrema vulnerabilidade ao inferno de 2017? É claro que não.

Então estamos à espera de quê? Reforma política urgente, pois claro!

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A destruição de Portugal

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Há que garantir que o repetido colapso do Estado português, nesses dias fatídicos de 17 de junho e 15 de outubro de 2017, não voltará nunca a repetir-se.

Pico da Melriça

A destruição de Portugal
Há que garantir que o repetido colapso do Estado português, nesses dias fatídicos de 17 de junho e 15 de outubro de 2017, não voltará nunca a repetir-se.
Do alto do pico da Melriça, centro geográfico de Portugal continental, no concelho de Vila de Rei, o cenário é vasto e grandioso: do castelo de Abrantes, a sul, à serra de Aire, a oeste, à serra da Estrela, a nodeste, e à Lousã, a norte, é a imagem deslumbrante do “Portugal telúrico” de Miguel Torga, em que se divisa ainda o castelo templário de Tomar de onde, há quase 900 anos, se organizou o povoamento que garantiu a existência de Portugal.

Mas, hoje, dali também se contempla a terrível destruição humana e material provocada pelo colapso do Estado português neste verão de 2017.

Custa a acreditar, mas no meio daqueles montes e vales estão, em Pedrógão Grande e em Castanheira de Pera, por exemplo, as casas e as estradas onde mais de 110 portugueses morreram este ano queimados pelo fogo, em devastações que nunca deviam ter acontecido. E esta tragédia arrisca-se a provocar o completo despovoamento daquelas terras “mágicas e rudes”, destruindo a obra iniciada pela aliança entre D. Afonso Henriques e os templários.

Agora, o que fazer para salvar estas terras no coração de Portugal? Em primeiro lugar, há que garantir que o repetido colapso do Estado português, nesses dias fatídicos de 17 de junho e 15 de outubro de 2017, não voltará nunca a repetir-se. Pra isso, proponho duas medidas prioritárias:

– Que o crime de fogo posto florestal seja imediatamente equiparado ao crime de terrorismo, de forma a que a respetiva moldura penal se torne mais severa e, sobretudo, para que seja dada prioridade máxima à investigação deste tipo de crimes;

– Que o combate aos fogos florestais seja comandado por profissionais especializados e que nunca mais se assista a chefias impreparadas da Autoridade Nacional da Proteção Civil a demonstrarem total incompetência técnica no combate aos fogos. Neste sentido, o exemplo espanhol duma divisão militar tecnicamente preparada para fazer face aos fogos florestais parece ser excelente.

Mas, depois, há que assegurar que haja atividades económicas geradoras de empregos que garantam a sobrevivência demográfica deste território. E, aqui, o país está face a uma emergência nacional em que, para se conseguir a sustentabilidade económica, terá de se prever uma discriminação positiva para todas as atividades económicas nos concelhos em estado de emergência – incluindo todas as atividades agrícolas, pecuárias e florestais que são a base da ocupação do território.

Numa lógica de sustentabilidade territorial, deve começar-se por uma medida fácil de aplicar em todos os concelhos declarados em estado de emergência:

– Para promover o emparcelamento, todas as escrituras de aquisição de terrenos rurais, até parcelas consolidadas de 50 hectares, devem ter nos próximos cinco anos isenção de IMT e de todos os impostos e taxas administrativas atualmente aplicáveis.

Mas outras medidas de promoção do emprego têm de ser tomadas nestes concelhos:

– Redução para 5% da TSU a cargo dos trabalhadores em todos os novos contratos de trabalho celebrados até 2022;

– Dado que um dos maiores problemas humanos e sociais destes territórios é a idade avançada de muitos pequenos produtores agrícolas e pecuários dos minifúndios, considera-se indispensável conceder-lhes um regime fiscal simplificado, a exemplo do que já acontece noutras regiões da Europa, para que apenas tenham de declarar às empresas a que vendem os seus produtos o seu número fiscal, estando automaticamente isentos de IRS se o total anual das vendas dos seus produtos, acrescido de eventuais reformas e pensões, não for superior ao limite da isenção do IRS;

– Isenção total do IRC em 2018 para todas as PME instaladas exclusivamente nestes concelhos;

– Isenção do IVA na venda de lenha, biomassa, pellets e brickets comercializados nestes concelhos, facilitando assim o escoamento dos muitos milhares de toneladas de material florestal que ficaram espalhados por todo este território;

– Dar uma majoração acrescida a cada MWh de eletricidade produzida nas centrais térmicas a biomassa instaladas nestes concelhos, para que se viabilize economicamente durante todo o ano a queima segura de resíduos florestais e agrícolas.

Ao ler as deliberações do último Conselho de Ministros dedicado aos fogos florestais deste último Verão, verifica-se que estas medidas não estão lá contempladas – o que é preocupante, porque mais importante do que dar dinheiro para reconstruir casas é fazer com que os agentes económicos se sintam motivados para trabalhar e investir nestes concelhos numa lógica de médio e longo prazo, em fileiras económicas que acrescentem valor à economia nacional.

O povoamento do território tem de ter uma base de produtos transacionáveis assente na agricultura, na pecuária e na floresta. A partir daqui é que os investimentos no turismo rural podem fazer sentido. O turismo deve ser protegido como uma atividade económica relevante nestes concelhos, mas, com as tragédias deste ano, “ninguém vai fazer turismo no Verão para territórios despovoados onde se pode morrer queimado”.

Este conjunto de medidas urgentes para salvaguarda da sobrevivência de 40 mil quilómetros quadrados de território nacional deve ser uma prioridade duma democracia de qualidade.

Oxalá os nossos decisores políticos assim o entendam, para que não se concretize a destruição de Portugal.


Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Medidas avulsas e oportunidades perdidas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
O mais grave problema político do nosso tempo em Portugal, nos fogos como em tudo o resto, é não haver uma estratégia coerente de médio e de longo prazo.


Medidas avulsas e oportunidades perdidas
A tragédia dos fogos deste ano em Portugal, que conduziram à morte de 106 pessoas e destruíram a vida de famílias e a economia de muitos concelhos do país, teve, e vai ter no futuro, consequências políticas, já que existe um consenso nacional de que o governo não esteve à altura das circunstâncias, tendo mesmo, depois de Pedrógão Grande, procurado iludir as causas dos incêndios e as fragilidades havidas no seu combate, em vez de se empenhar de imediato numa ação corajosa para enfrentar as graves lacunas existentes, nomeadamente humanas.

Em vez disso, o governo e a Assembleia da República preferiram recorrer a mais um relatório, cujo objetivo inicial seria apurar responsabilidades, mas que se transformou rapidamente, por opção do governo, numa forma de adiar o que haveria a fazer no curto prazo, com o trágico resultado que conhecemos. Foi um erro político óbvio, com a agravante de que, agora, o mesmo relatório foi adotado como modelo para o futuro que envolve não apenas decisões imediatas e urgentes que devem ser tomadas, mas também outras que deveriam ser mais bem pensadas e debatidas, a fim de ultrapassarem a mera questão dos fogos, para se enquadrarem numa estratégia nacional sustentável sobre o modelo económico e qual a participação nesse modelo da agricultura e da floresta – avaliando em paralelo o modelo de floresta e de agricultura que desejamos – e os seus efeitos no território, nomeadamente no desejável desenvolvimento económico e social do interior do país.

Recordo, como exemplo, que após o terramoto de Lisboa, depois de enterrar os mortos e de cuidar dos vivos, o marquês de Pombal chamou a si os melhores especialistas à época para reconstruir Lisboa, fazendo dela uma nova cidade com vista às necessidades futuras, e não uma cidade igual à que existia antes. Ou seja, o ministro de D. José tinha, como sabemos, uma estratégia de longo prazo para Portugal na qual a reconstrução de Lisboa era apenas uma parte, ainda que relevante. Ora, o mais grave problema político do nosso tempo em Portugal, nos fogos como em tudo o resto, é não haver uma estratégia coerente de médio e de longo prazo, ou não se saber qual o papel de Portugal no mundo global, de forma a potenciar o nosso de-senvolvimento. A questão com que nos confrontamos é, pois, definir qual o modelo económico, social e político que desejamos, e que esteja ao nosso alcance, para melhorar a vida dos portugueses. 
Questão cuja resposta, nas atuais circunstâncias, governados por uma maioria parlamentar baseada em projetos políticos inconciliáveis, não parece, obviamente, possível. Ou seja, tudo o que fazemos tem como destino o curto prazo e mesmo esse vai mudando de acordo com um sistema de forças contraditório, imprevisível e incontrolável. Sem estadistas e sem um consenso político de longo prazo, o país tornou-se um vazio estratégico que vive de iniciativas avulsas, mal pensadas e, frequentemente, contraditórias.

Um exemplo: o governo assumiu agora a participação das Forças Armadas no combate aos fogos, medida que defendi numa comunicação apresentada a um congresso realizado há já alguns anos sobre defesa e segurança, a que chamei “Forças Armadas de um Novo Modelo”. Não se tratava de uma medida avulsa, mas de uma estratégia global que tentava prever o que poderiam ser as futuras Forças Armadas da União Europeia e qual o modelo mais favorável a Portugal, no contexto dos nossos interesses nacionais, nesse futuro: diluição da importância das nossas Forças Armadas nas Forças Armadas europeias, ou especialização, e qual o tipo de autonomia que poderíamos conquistar com essa opção, particularmente em defesa dos nossos valores históricos e económicos contidos no nosso mar e espaço aéreo. Defendi então o objetivo de umas Forças Armadas altamente especializadas, de forma a poderem ter alguma autonomia no contexto europeu, como um corpo militar profissional e detentor dos mais modernos meios, destinado a missões de salvamento de vidas humanas em acidentes no mar, na terra e no ar, acidentes que incluíam, naturalmente, os fogos. Mas não como um remendo feito à pressa para apagar incêndios, como agora se pretende, nomeadamente sem uma visão integrada, sem a certeza dos meios necessários e sem a dimensão estratégica que permita aos nossos militares atingirem os resultados, o prestigio e o reconhecimento público, nacional e internacional, que merecem, ao serviço do prestígio de Portugal e da defesa da vida de portugueses e europeus.

Poderia utilizar outros exemplos em que a ausência de estratégia compromete o futuro dos portugueses, como é o caso do crescimento da economia, que tem desaproveitado a enorme oportunidade que resulta de Portugal se situar no centro do Ocidente, entre as duas maiores economias mundiais, num tempo em que se antevê um crescimento acentuado do comércio no Atlântico e quando a logística se tornou um importante fator da competitividade das empresas e das nações. Para mais quando temos todas as condições – de localização, de competências e de competitividade dos custos – para atrair o investimento estrangeiro de empresas integradoras que recebam aqui os componentes e os sistemas de que precisam, de Portugal e de todo o mundo, e os transformem em produtos no território nacional, com o objetivo de os exportar para todo o mundo.

Num tempo em que a China prepara o seu futuro para os próximos 50 anos e alguns pequenos países como a Irlanda há muito escolheram quais são as suas oportunidades nesse futuro, Portugal não sabe para onde vai e esgota-se em decisões avulsas de curto prazo, revelando a incompetência política e estratégica da maioria dos dirigentes. A causa próxima desta situação reside no controlo não democrático exercido pelos partidos políticos sobre a sociedade, com a nota absurda de os setores mais dinâmicos da economia, as empresas privadas, nomeadamente do setor exportador, serem vigiadas e escrutinadas com desconfiança, cobertas de impostos, de burocracia e de custos improdutivos, modelo sem qualquer sentido no mundo global de concorrência, de competição e de inovação em que vivemos.

Como sabemos, em democracia existem sempre alternativas, e neste estado de degradação do pensamento estratégico e de má governação, a alternativa passa pela democratização do nosso regime político e pela alteração das leis eleitorais, a fim de permitir o acesso de todos os portugueses à participação política, feita com maior competição e mais competência na ocupação dos cargos políticos, de forma a colocar um travão na existência de governos de amigos e de familiares, como agora acontece, e de que os fogos são a consequência. É o que defendemos no “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: 
artigo publicado no jornal i.