quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A geringonça e o "stick" de hóquei

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Numa democracia de qualidade, em que deputados não fossem meros delegados à ordem do chefe, o plano político e económico da ‘geringonça’ seria rejeitado no parlamento.


A geringonça e o stick de hóquei
Quando trabalhava na banca de investimentos, era frequente analisar planos de reestruturação de empresas. Tratava-se geralmente de entidades com desequilíbrios de balanço, investimentos financiados por capitais alheios, grande endividamento, dificuldades de tesouraria, resultados operacionais e prejuízos avultados.

No entanto, pressupostos criteriosamente selecionados por ilustres consultores, acompanhados de alguma racionalização interna, conduziam de imediato a um aumento das vendas, a uma diminuição de custos e à obtenção de resultados positivos crescentes, situação que obviamente recomendava o apoio do banco a um alongamento da dívida, ao fortalecimento do fundo de maneio, a um estimulante período de carência de capital e juros, ao financiamento dos investimentos em curso, garantia de cash flow no curto prazo.

Os resultados, de crescentemente negativos passavam a crescentemente positivos e, se traduzidos num gráfico, configurariam a imagem de um stick de hóquei. O que não deixaria de ser excelente, não fora os sofisticados pressupostos escolhidos escaparem, quase sempre por completo, à capacidade de controlo da empresa e dos gestores. Na primeira reunião com os responsáveis, a imagem do stick era normalmente suficiente para demonstrar que a evolução estimada era um mero passe de mágica que poderia começar por iludir o banco, mas a empresa seria certamente a vítima final.

Passados anos, muitos ainda me perguntam como vai o stick. O facto é que a aplicação da ideia, que não inventei, apenas repliquei, levou a verdadeiras reestruturações das propostas de reestruturação iniciais.

Lembrei-me destes episódios quando, faz pouco mais de um ano, o gestor do PS apresentou aos portugueses, com o suporte da “autoridade” dos ilustrados consultores que o elaboraram, um macro plano de reestruturação da economia e das finanças do país, de modo a conseguir o crescimento da produção, no caso do PIB, a diminuição dos prejuízos, no caso do défice, e o fim da austeridade. O que seria excelente, não fora o plano baseado em pressupostos que escapavam ao seu controle, mas que um afinado power point considerou jeitosos para consubstanciar um modelo inovador capaz de colocar, de uma penada, o país a crescer, a dívida a diminuir, o défice a definhar, a austeridade a acabar. Crescimentos das exportações a 5,9% e do investimento a 7,8% vinham mesmo a calhar.

Os trabalhos de construção da geringonça e do OE para 2016 levaram a que o plano fosse retocado, alterando pressupostos à medida para que se mantivessem os grandes objetivos iniciais. 

Claro que qualquer observador sensato e autoridades independentes, nacionais e internacionais, verificaram que os pressupostos se tornaram ainda menos controláveis e mais incapazes de produzir os resultados previstos.

O que se confirma no “crescimento” da produção, que andará abaixo de 1%, efeito de pressupostos irrealizáveis, com a receita fiscal a crescer o triplo do produto, aumentando a carga tributária e estagnando consumo e investimento, a despesa a aumentar, o investimento público a cair para compensar o aumento dos funcionários e o fim do IVA da restauração. As exportações de 2016 apresentaram o valor mais baixo desde 2009, enquanto a dívida atingiu o valor mais alto de sempre.

Numa democracia de qualidade, em que deputados não fossem meros delegados à ordem do chefe, o plano político e económico da geringonça, padecendo da síndroma do stick de hóquei, tal a ficção dos seus pressupostos, seria rejeitado no Parlamento. O stick configurado no programa seria mesmo o instrumento ideal para lançar a ficção para bem longe. Ao contrário, ofereceram-no como presente à geringonça, que teima em manter pressupostos e modelo.

E cá estamos todos a aguentar as stickadas, máximos na dívida, zero na economia.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Movimento Democrático

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
Só um movimento democrático pode mudar o atoleiro a que chegámos.


Movimento Democrático
Só um movimento democrático pode mudar o atoleiro a que chegámos.

Podemos olhar para o nosso problema político culpando a mulher de César. Tornou-se moda citá-la a torto e a direito, em mostra de grande moral, ética superior. Toda a gente aponta o dedo para dizer que, como ela, não basta ser sério, é preciso parecer. Pela escassa vergonha que se exibe e cresce, a convocação da senhora não tem servido de muito; talvez esteja a ser contraproducente.

A atenção centrou-se no parecer, esquecendo-se o pressuposto: ser. Além disso, multiplicam-se exemplos de ninguém se importar muito com o que parece, em razão desse outro mito da “presunção de inocência”. Entretanto, toda a gente descurou o que realmente é.

O problema não é apenas a ética das atitudes, mas a própria distorção geral da função política e do seu exercício. Hoje, os grupos políticos que dominam o exercício na arena transmitem a ideia de se preocuparem mais com o parecer do que com o ser. O estudo foi substituído pelo marketing; programas e manifestos são feitos para impressionar, não para resolver; a intervenção política é mais dominada por faroladas e chicuelinas do que pela preocupação de fazer avançar uma agenda consistente. Abunda o tacticismo e o jogo das aparências. Toda a gente parece ter perdido o foco quanto ao fundamental da política: primeiro, pensamento sólido, conhecido, claro e consistente; segundo, estratégia determinada e consequente, para afirmar e concretizar o pensamento; terceiro, persistência, talento e capacidade para servir um e outra. A táctica é a menor das artes - não merece o galarim a que foi içada, junto com a aparência da mulher de César.

Isto explica o país adiado: o que é mais preciso nunca acontece; somos entretidos com o que parece. Muitas coisas cuja necessidade está longamente estabelecida nunca chegam realmente a acontecer - vão sendo submergidas pelo espectáculo.

Em Abril de 2002, na estreia de Durão Barroso como primeiro-ministro, fomos informados de que o país estava de tanga. Quase 15 anos depois, com troika e sem troika, com a questão permanentemente no radar (no nosso e no dos outros), ainda não conseguimos resolver estavelmente o problema, apesar de toneladas de sacrifícios. Seguimos adiados. É clara a necessidade de uma política financeira sólida, alicerce da independência, continuidade e sustentabilidade das políticas públicas, que nos liberte do garrote da dívida e consinta uma redução fiscal duradoura que favoreça competitividade e crescimento na economia e permita alívio às famílias. O adiamento festivo tem sido constante. E voltou pela esquerda o discurso que nos faz derrapar. Desde os finais dos anos 90 que se fala na reforma do Estado. Quase 20 anos passados, nada de consistente e articulado foi feito, nem parece haver ideias claras de por onde começar ou o que fazer. De par com o clientelismo galopante, estamos adiados.

Há 40 anos que a descentralização está por estruturar. O quadro constitucional era o das regiões, que encalharam num referendo há 20 anos. Não anda, nem desanda. Nem regiões, nem distritos, nem províncias - nada. O país centralizou-se e desertificou, o território ficou mais frágil, o desordenamento avolumou-se, desperdiçam-se oportunidades, há muita coisa ao abandono e outra está a arder. O verbo é adiar.

O sistema político foi apoderado por grupos fechados. Em muitos partidos, nem bases, nem eleitores têm influência e preponderância. As decisões que importam são tomadas em circuitos obscuros fora dos órgãos, a colegialidade orgânica desapareceu, a institucionalidade é papel de cenário, os processos funcionais foram infantilizados. Não temos quem nos represente e o poder de escolher foi-nos cerceado - a usurpação chegou mesmo às eleições locais, onde, por isso, a reacção por listas independentes já atingiu 7% nas eleições municipais, 10% nas de freguesia. Tudo continua enclausurado nos chefes, sua corte e seus cortejos - não funciona de baixo para cima, nem há preocupação de ouvir e decidir em colectivo. O sistema não é democrático, mas oligárquico ou autocrático. Em 1989 e em 1997 foram feitas revisões constitucionais que permitiram uma reforma eleitoral significativa, capaz de romper com esta decadência e devolver a política à cidadania. Tem sido sempre adiada - vai sê-lo outra vez.

Em coerência, o sistema não aprende com o facto de termos vindo a sofrer uma crise gravíssima, apenas possível graças a um grau intolerável de promiscuidade entre política e negócios. Os exemplos recentes de Durão Barroso e Paulo Portas mostram que não se aprendeu nada; talvez defensivamente, o sistema ousa dar novos passos que mais ninguém do mesmo estatuto e nas mesmas condições havia ousado dar antes. O modo como estes exemplos são assimilados faz recear o pior para o futuro - outros se seguirão. A promiscuidade que nos tem vitimado - ao Estado, aos bancos, à economia, aos cidadãos, aos contribuintes - quer prevalecer. Adiados também, na ética da separação e da independência.

Noutras matérias piorámos, adiando debaixo das aparências: na energia, as chorudas rendas excessivas continuam a provar resistência de granito, à nossa custa; a política externa, um dos nossos grandes capitais, foi mergulhada há anos em fragmentação e desnorte; a política europeia foi esquecida e não tem definidor; na educação, é posta em causa a política de largos consensos, crucial para o sector; na saúde, a ADSE parece lançada aos bichos, em surdina; na floresta, uma das nossas maiores riquezas, não há política integrada e persistente, e só o fogo não é adiado; a Segurança Social não se reforma nem se explica, estando posta debaixo de fogo e, no fundo, continuando-se a alvejá-la como o mealheiro do regime.

Não creio que os grupos que controlam hoje os principais partidos estejam preocupados com estas questões. Foram formatados para o que chamam o “poder”; e não vêem fora dos tacticismos que, por um lado, protegem os interesses do grupo e, por outro, acreditam que lhes garantirão a ribalta. Hoje, a política não é uma construção, mas um pugilato.

O caminho possível é um Movimento Democrático com um referente humanista e personalista, ancorando-se ao centro, que seja capaz de alinhar propostas concretas de reformas democráticas para Portugal. Um movimento que federe, em aliança, pessoas qualificadas em diferentes sectores e outros corpos cívicos e políticos já estabelecidos, articulando respostas a estas questões e estruturando o debate plural sobre outras. Um movimento que seja capaz de fazer a diferença e, ao fazê-la, empurre os partidos dominantes para uma mudança radical de atitude ou, se assim não for, esteja pronto a dar um passo em frente como parte da alternativa e sua mola.

A não ser assim, se não nos movimentarmos… é adiados que continuaremos.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Uma prova de confiança

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

Confrontada com os graves problemas que enfrenta, e depois de avanços e recuos, não restou à UE senão a decisão de não impor quaisquer sanções a Portugal e Espanha.

Uma prova de confiança

O mês que há dias terminou foi, entre nós e em larga medida, dominado pela “crise das sanções”. Por outras palavras, pela polémica em torno da aplicação (ou não) por parte da UE de sanções a Portugal (e Espanha) pelo não cumprimento dos requisitos exigidos pelo denominado Pacto Orçamental. A questão tornou-se, desde logo, controversa a múltiplos títulos.

Em primeiro lugar, por as sanções resultarem da ultrapassagem do défice do Estado em 2015, ano em que a troika, responsável pelo plano de ajustamento imposto ao país, em contrapartida do empréstimo que lhe foi concedido e permitiu a continuação do seu acesso aos mercados financeiros, declarou o resultado como de sucesso, permitindo uma “saída limpa” do mesmo. É claro que, para muitos (entre os quais representantes dos partidos da oposição), esta penalização retrospetiva era vista não como tal, mas sim como uma crítica à política orçamental do atual governo, considerada como retrocedendo no caminho da austeridade anteriormente prosseguido e nos resultados alcançados. Porém, não só a anterior austeridade não tinha conseguido o cumprimento dos défices acordados nos anos transatos como, de acordo com os dados da execução orçamental no ano corrente, o governo considera que não há razões para não acreditar no cumprimento do défice constante do Orçamento aprovado pela UE. Era, pois, inaceitável a aplicação de quaisquer sanções em conexão com os resultados orçamentais alcançados em 2015, após todo o esforço realizado com vista ao reequilíbrio da situação económico-financeira do país, validado pela troika com uma “saída limpa” do Programa de Ajustamento Económico acordado. Por outro lado, admitir-se que as sanções eram uma forma antecipada e alternativa de manifestar desconfiança quanto ao cumprimento do défice em 2016 revelava, obviamente, um comportamento inaceitável por parte das autoridades comunitárias, digno da maior repulsa por parte dos cidadãos.

Perante tais factos e confrontada simultaneamente com os graves problemas que enfrenta (Brexit, crise dos refugiados, crise bancária, terrorismo, nacionalismos, etc.), e depois de avanços e recuos, não restou à União Europeia senão a decisão de não impor quaisquer sanções a Portugal (e Espanha).

Como é lógico, e tendo em conta as informações veiculadas para a opinião pública, o resultado da batalha (de argumentos) traduziu-se numa clara vitória para Portugal e para o seu governo. Contudo, se analisarmos mais profundamente a recomendação da Comissão Europeia, que tudo indica (na data em que escrevemos) irá ser adotada pelos Estados-membros (decisão final a 9 de agosto), constata-se que da mesma constam exigências claras quanto ao défice no corrente ano, sob pena de se concretizar uma suspensão de fundos estruturais em 2017. Ou seja, para já não há sanções, mas continua a exigir-se que o país respeite os compromissos decorrentes do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Nesta perspetiva, Portugal vence apenas uma batalha, com base numa prova de confiança por parte da UE nas afirmações do governo, que repetidamente tem garantido respeitar os compromissos assumidos, em particular no que respeita ao défice.

Este sinal positivo e de bom senso que a UE, após várias hesitações, acabou por manifestar e dar a Portugal deve, assim, constituir um estímulo adicional para que o governo e o país não frustrem a prova de confiança que nos foi testemunhada e se mostrem dignos da sua manutenção. Caso contrário, teremos de assumir as consequências gravosas daí decorrentes, bem conhecidas e para as quais temos sido devidamente alertados.

Mas será que tal é possível sem medidas adicionais? O governo continua a afirmar que sim, e que o rigor e contenção que vem exercendo na execução do Orçamento, conjuntamente com as cativações de verbas orçamentais a que procedeu, são suficientes para atingir o défice de 2.5% do PIB, agora estabelecido para o corrente ano na decisão aprovada. Há, porém, razões para que muitos sejam levados a ter dúvidas fundamentadas sobre a possibilidade de um tal resultado. Consideram-no fruto de um otimismo exagerado, suscetível de redundar em fracasso. Deste ponto de vista partilha, aliás, o Conselho de Finanças Públicas e outras entidades responsáveis. Com efeito, é sabido que, fruto das medidas (de reversão) adotadas e do seu faseamento no decurso do ano, não parece aceitável admitir que o 2.º semestre seja uma simples duplicação do 1.º. Nunca é, mas em 2016 ainda é menos legítimo assumi-lo.

Por último, e como argumento acrescido e decisivo para a necessidade de o governo estar permanentemente vigilante quanto à evolução da situação do país, surge o facto de estarmos longe de conseguir uma fase de equilíbrio socioeconómico e de desenvolvimento sustentável minimamente credível e satisfatório. Como procurei salientar em artigo anterior, não basta clamar por crescimento em alternativa à austeridade. Para tal, há que ter uma visão realista para o país e definir objetivos prioritários que a tornem possível, sem esquecer o papel determinante das políticas públicas na sua concretização. Tal não parece ser o caso, a avaliar pelos resultados que vêm sendo obtidos. O crescimento do valor da produção nacional permanece diminuto (pouco mais de 1%), não tendo ainda recuperado o seu valor em 2008. A sua componente mais dinâmica são as exportações (embora em desaceleração e com peso idêntico às importações), continuando, apesar de tudo, o consumo privado (nomeadamente o dos bens duradouros) a dar o principal contributo para o crescimento do PIB. O investimento continua anémico – a refletir uma poupança global negativa –, apesar da quebra de cerca de 30% relativamente ao seu valor em 2008. Se a este quadro juntarmos o nível de endividamento do Estado, das famílias e das empresas, bem como a concomitante crise do setor bancário e da dívida externa, não é demais nem ousado pedir ao governo que não defraude a prova de confiança que resulta da decisão comunitária e da oportunidade que lhe está eminentemente associada de pôr o país no caminho da “good governance e accountability”, de que indiscutivelmente todos beneficiaremos e pela qual há muito ansiamos.

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A geringonça, o consumo e a banca

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, ontem saído no jornal i.
O consumo, tanto público como privado, para se prolongar no tempo tem que se basear nos excedentes criados pelo tecido produtivo, ou num endividamento crescente.


A geringonça, o consumo e a banca

A geringonça chegou ao poder a cavalo dum “póquer político”, fundamentado, em termos económicos, num crescimento alavancado pelo consumo. Com isso, a taxa de crescimento económico então prometida aos portugueses era de 2,4% ao ano.

O projeto da geringonça nunca foi a consolidação do tecido produtivo; o objetivo prioritário foi a conquista do poder, e agora é a manutenção do poder. A qualquer custo.

Ora, o consumo, tanto público como privado, para se prolongar no tempo, tem que se basear nos excedentes criados pelo tecido produtivo, ou num endividamento crescente.

É óbvio que só o primeiro é virtuoso a prazo, mas o segundo é mais prático, se houver quem o financie.

O resultado mais concreto desta política delirante de apoio ao consumo é que, no primeiro trimestre deste ano de 2016, e pela primeira vez desde que há registos, a poupança global do país foi negativa.

Ou seja, num país em que o Estado, as empresas e as famílias estão descapitalizadas, a política governamental fomenta o consumo, delapidando assim os escassos recursos financeiros que deviam ser destinados prioritariamente ao investimento produtivo, sem o qual não há emprego, nem equilíbrio económico futuro.

E aqui entram os créditos que só a banca pode proporcionar. Num país empresarialmente enfraquecido como o nosso, para alimentar esta política, a banca converte-se num instrumento indispensável para prolongar artificialmente no tempo a capacidade de consumo da população.

Se for possível conseguir que a banca financie de forma laxista as empresas e famílias, a coisa tem até um benefício acrescido de curto prazo: mais consumo, mais salários, mais cobrança de IVA e de IRS, mais receitas fiscais e menos défice. E com isso cumprir aparentemente as exigências da Europa no curto prazo. Bingo.

A banca, mais tarde, que estoire. O benefício político de curto prazo fica assegurado, os consumidores, que também são eleitores, lá irão votar satisfeitos em quem lhes proporciona tamanhas benesses. Maquiavélico e politicamente eficaz. A curto prazo, obviamente, mas é só isso que interessa.

Para isso, só é preciso que o BCE alinhe e deixe levar diretamente à dívida uma ou duas capitalizações bancárias para os contribuintes pagarem mais tarde, quando já não houver risco de se perderem eleições.

É esse o plano da geringonça para a banca: com a desculpa de se estar a “capitalizar e a fortalecer os bancos” está-se a garantir “o pote de ouro” para continuar a financiar o consumo na segunda metade de 2016 e em 2017.

Depois, logo se verá; e, no meio, a Europa até pode andar distraída com outros problemas.

Convém apenas acrescentar que, caso os bancos sejam privados, as primeiras vítimas deste plano serão os próprios acionistas dos bancos. Porque serão eles, e muito em especial os pequenos e médios acionistas, que verão primeiro o seu capital evaporar-se, quando as insolvências das empresas e das famílias, a quem se emprestou sem critério, se converterem nas famosas imparidades. Ou seja, em buracos financeiros nas contas dos bancos.

Porque a capitalização dos bancos, que agora se propõe, tem como objetivo o curto prazo da sobrevivência política da geringonça.

Se o plano fosse, como deveria ter sido, fortalecer a capitalização das empresas, a começar pelas PME, então nunca se teria eliminado logo à partida a redução do IRC, que já havia sido acordada conjuntamente por PSD, PS e CDS.

Promover a descapitalização das empresas, aumentando-lhes os impostos, é a garantia de que estas irão ter no futuro cada vez mais problemas em cumprir os seus compromissos com a banca.

Não haja ilusões, a única forma de assegurar a estabilidade do sistema financeiro é promover a capitalização das empresas produtoras dos bens transacionáveis, a começar pelas PME. De outra forma, estão-se a criar as condições para haver, depois, mais imparidades e, consequentemente, mais buracos no sistema financeiro e mais desemprego.

E, quando a fatura destes buracos entretanto criados nos bancos vier, lá serão outra vez chamados os contribuintes para darem o seu contributo para “salvar” os bancos.

Para que a nossa democracia tenha políticos com poder de decisão e que saibam prevenir desastres destas dimensões, assinei o Manifesto “Por uma Democracia de Qualidade”.

Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade