segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Ferreira Fernandes


O segredo esteve muito bem guardado. Nunca pensei. 

Ao longo deste mês de Agosto, o "Diário de Notícias" publicou, todos os dias (excepto aos domingos), um notável folhetim de ficção política: "As eleições que ninguém quer ganhar". São peças memoráveis, quase sempre verdadeiramente deliciosas. 

O autor, fosse quem fosse, não mostrava só qualidades ficcionais extraordinárias, mas aliava-lhes também um conhecimento profundo dos actores retratados a um seguimento impressionante da actualidade política do burgo. Não fomos servidos com um folhetim pré-fabricado; os episódios iam acompanhando alguns dos episódios mais picantes da política nacional no habitualmente plácido mês de Agosto, entrelaçando a ficção com a realidade.

A série que o DN publicou neste Agosto não fica nada a dever ao que foi referido como sendo o modelo original: o folhetim do Le Figaro. Antes pelo contrário. Tornou-se de imediato, para mim (e, estou certo, para muitos leitores do DN), um impulso quotidiano: ler a peça do dia era o primeiro dever da manhã.

Lembro o que cedo comentei no Facebook
«Se o "Diário de Notícias" não aumentar significativamente a tiragem neste mês de Agosto com este magnífico Folhetim de Verão, diário, no género ficção política, "As eleições que ninguém quer ganhar", já não sei o que mais poderá fazer-se para salvar a imprensa escrita.
São sucessivas peças notáveis, de um brilhante autor Anónimo, servidas por uma cultura superior, memória de elefante, humor finíssimo, atenção permanente à evolução da actualidade, inteligência arguta e imaginação prodigiosa. 
26 valores numa escala de 20! Absolutamente imperdível.»
O anónimo autor desta brilhante novidade do nosso Verão político foi mantido em sigilo ao longo de todo o mês. E, hoje, em que sai o último episódio, o mistério foi desvendado: o autor é o jornalista Ferreira Fernandes!

Dera tratos de polé à minha cabeça para imaginar quem poderia ser. E nunca me passara pela cabeça. O Ferreira Fernandes que me desculpe. Eu tinha alguns escassos palpites, depois de várias meditações e meticulosa eliminação de "candidatos". Mas Ferreira Fernandes jamais me ocorreu, até porque sempre acreditei que o misterioso autor seria um ocasional colaborador externo (um político retirado, um diplomata queirosiano, um estudioso observador atento da cena política) e não alguém da casa.

Sou, desde há alguns anos, leitor regular de Ferreira Fernandes nos diferentes géneros que tem cultivado. Mas fui totalmente surpreendido pela revelação. Há pessoas assim: quanto mais velhas são, mais novas ficam. 

Feliz o jornal que tem nos seus quadros um jornalista - um escritor, direi - com este gabarito, capaz ainda de nos surpreender ao fim de muitos, muitos anos de uma carreira marcante.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sistema eleitoral: tudo na mesma como a lesma?

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.

O imobilismo dos directórios partidários, nomeadamente no quadro da maioria, matou qualquer esperança.


Sistema eleitoral: tudo na mesma como a lesma? 

O Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade e a associação com o mesmo nome que estamos a constituir focam-se na reforma do sistema eleitoral como reforma fundamental para o país. Partilhamos o sentimento de que o estado deplorável a que o país chegou resultou do declínio do sistema político e da decadência do sistema de partidos, que reduziram a democracia a uma caricatura, favorecendo a captura por interesses obscuros, promovendo o Estado-espectáculo e anulando a representatividade institucional com permanente e efectiva prestação de contas. Não nos limitamos a partilhar o sentimento; mobilizamo-nos para manifestar inconformismo, agir civicamente.

Vemos a reforma eleitoral como estratégica para devolver autenticidade ao sistema democrático e voz activa à cidadania – é determinante para restituir aos partidos a sua função socialmente útil e politicamente orgânica e genuína. Sem isso, só por acaso melhoraremos. E facilmente poderemos recair; e piorar.

Quando apresentámos o Manifesto, há exactamente um ano, chamámos a atenção para como, nesta questão, somos um país adiado desde há 18 anos. Nós próprios nos surpreendemos. Custa, na verdade, acreditar: 18 anos perdidos!

Em 3 de Setembro de 1997, foi aprovada uma significativa revisão constitucional que permitiu amplo espectro de revisão das nossas leis eleitorais, reforçando o poder do eleitor sem prejuízo para a representatividade proporcional e para a estabilidade governativa. O artigo 149º da Constituição passou a dispor o seguinte: «Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.» E, já antes, em 1989, outra revisão instituíra a possibilidade de um círculo nacional complementar, útil para, numa reforma, assegurar sempre a justa representatividade proporcional global. Ou seja, não há desculpa.

Não há desculpa para os legisladores. Podem escolher de variada gama de hipóteses: desde o mais perfeito sistema misto, à alemã, até diferentes modelos de voto preferencial, passando por pequenas melhorias e ajustamentos. Desde há 18 anos que várias opções são possíveis para garantir a melhor representação dos cidadãos, do território e das correntes políticas, indo ao encontro do sentimento da população e da exigência repetida pelo descontentamento dos eleitores – e nada é feito. Seis legislaturas são passadas – zero reformas, inovação zero, produtividade nula.

Há um ano, no anúncio do Manifesto, havia tempo para fazer esta reforma a tempo já das próximas eleições em 4 de Outubro. E, na situação a que o país chegou, como precisávamos disso! Como precisávamos de uma Assembleia da República eleita em moldes renovados e com uma legitimidade democrática realmente refrescada. Como precisávamos de deputados em que todos os cidadãos se sentissem retratados e verdadeiramente representados. Faltou a condição sine qua non: vontade política. O imobilismo dos directórios partidários, nomeadamente no quadro da maioria, matou qualquer esperança. E mais uma legislatura passa, com maioria política estabelecida, sem nada avançar ou ser sequer esboçado.

Tempo, então, de pensar o que a próxima Legislatura trará. Infelizmente, as notícias são más.

Pelo lado do programa do PS, as ideias são coerentes com a revisão constitucional de 1997: «Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adopção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo.» Já pelo lado da coligação PàF as ideias são bem mais tímidas: «Manter, em matéria de sistema eleitoral, o sistema proporcional afinado pelo método de Hondt, estando aberto à possibilidade da introdução do chamado voto preferencial, em que os eleitores, para além de fazerem uma opção partidária, podem indicar candidatos da sua preferência na lista partidária. Os partidos da coligação trabalharão em propostas que articulem os princípios da representatividade, da pluralidade e da acrescida intervenção dos eleitos nas escolhas.» Os socialistas retomam a linha de propostas legislativas que chegaram a estar em processo muito adiantado na parte final da legislatura que terminou em 1999. E PSD/CDS só referem o tema muito a medo, tocando-lhe o menos possível, condicionados talvez pelo conservadorismo extremo da direcção do CDS-PP.

O sistema para que evoluí é o modelo alemão, o subjacente à revisão constitucional de 1997 e que é susceptível de diferentes variantes. Penso ser aquele que melhor responderia aos nossos problemas e necessidades. Já o voto preferencial, também apontado no nosso Manifesto, necessita de cautelas, pois é facilmente manipulável para fingir que se mudou, mantendo tudo na mesma – depende. Mas o problema maior nem é este, antes a nova conversa de surdos em que poderemos cair. Um modo de nada fazer é fingir que se quer sem verdadeiramente querer – e, como a reforma carece de dois terços, basta o passo estar trocado para cairmos no mau costume: faz que anda, mas não anda. A PàF apontar ao voto preferencial, enquanto o PS prefere um sistema misto, prenuncia um teatrinho político-parlamentar no pior: mera conversa de xaxa.

Por isso, este Agosto de 2015 não termina, neste particular, diferente do Agosto de 2014. Ainda por cima, com excepção de Henrique Neto (de forma vigorosa) e (às vezes) Rui Rio, os candidatos presidenciais ou alegados presidenciáveis nada dizem sobre isto e pouco influenciam o debate público no sentido certo. Depois de seis legislaturas a marcar passo, é de desconfiar, com estes termos de partida, que as próximas eleições serão como as anteriores: por si, nada de novo.

Creio que isto é inédito: fazer-se por maioria de dois terços uma revisão constitucional em matéria chave e estratégica e, 20 anos depois, o legislador ordinário não a conseguir transformar em lei e reforma prática. Por isso, continuamos a depender principalmente do poder da cidadania e da mobilização de base a partir da sociedade. Nisso nos concentraremos pela novel Associação Por uma Democracia de Qualidade.
José RIBEIRO E CASTRO
Advogado, Deputado
NOTA: artigo publicado no jornal i.

sábado, 22 de agosto de 2015

A anedota dos debates: miúfa, é tudo miúfa, só miúfa!




Para o CDS, tanto o PS, como o PCP têm medo de Portas. Para o PCP, Passos tem medo de Jerónimo. Para o BE, tanto Portas, como Passos têm medo de debater com a oposição. PS e PCP alinham pela mesma onda: a coligação PàF está cheia de medinho da oposição. PS acrescenta que o medo de PSD e CDS é tanto que querem participar "a dois", com o dobro das outras candidaturas, o que é "batota". E remata a CDU, garantindo que está tudo com medo de enfrentar Os Verdes.

A tanto está reduzida a programação dos debates televisivos. Ah! É verdade. São eleições legislativas, não uma competição escolar.

Para já, a coisa está assim:
1 de Setembro: Jerónimo de Sousa/Catarina Martins
2 de Setembro: António Costa/Catarina Martins
3 de Setembro: António Costa/Jerónimo de Sousa
8 de Setembro: Paulo Portas/Catarina Martins
9 de Setembro: Passos Coelho/António Costa
10 de Setembro: Paulo Portas/Jerónimo de Sousa
11 de Setembro: Pedro Passos Coelho/Catarina Martins
22 de Setembro: "Todos" (isto é, "todos" menos Passos, porque Portas também não está)
Só Catarina Martins, do BE, debate com todos os outros. Mas a coisa já mudou tanto... que ainda pode mudar outra vez.

Se estas trapalhadas e trocas-e-baldrocas fazem bem à democracia e ao prestígio da política e dos partidos, vou ali e já venho.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A anedota dos debates: à terceira é de vez?


Ainda bem que pus, aqui, em evidência que a questão política principal da querela dos debates televisivos era a da coesão da coligação. Hoje, finalmente, mudando a posição de 5 de Agosto, a PàF esteve bem na posição que marcou e as notícias estão a divulgar: JN, TSF, RR. Não é uma solução brilhante, como já não poderia haver. Mas, finalmente, a coligação marca pontos neste terreno e toma a dianteira.

A inovação legislativa provou a sua inutilidade - e flagrante amadorismo; ou má-fé. 

Dizia-se que a lei anterior, de 1975, estava desactualizada e já desajustada - ao fim de quarenta anos, não surpreenderia. Mas uma lei que está "desactualizada" e "desajustada" passados apenas poucos dias sobre a sua adopção é coisa que nunca se vira. O melhor era ter deixado as coisas como estavam e interpretar a lei em termos razoáveis, como qualquer hermeneuta deve saber fazer.

Redito isto, a coligação PSD/CDS deixou hoje em maus lençóis quer o PS, quer o PCP. Marcou  posição de força e de coesão; e transformou politicamente a seu favor um movimento dos adversários. 

No plano político, PS e PCP perdem na mente das pessoas que raciocinam com independência, que são aquelas que importam - os que têm posições alinhadas, não as mudam, nem mudariam por causa disto. É que, na verdade, é difícil compreender (e aceitar) o inédito afastamento do CDS dos debates televisivos, por causa do falso argumento da coligação. E, ainda que o CDS não excluísse o PEV (que, em paralelo, quis chegar-se à frente), toda a gente sabe que a situação e a história do PEV não são o mesmo que as do CDS. Até o PEV sabe isso... - uma coisa é o que se diz, outra o que interiormente se pensa.

No plano técnico de campanha, PS e PCP também perdem em ter menos debates com os seus contraditores governamentais. PS e PCP teriam mais oportunidades de afirmação e de crítica se debatessem, cada um, com Passos e Portas; e, depois, com ambos, no debate geral. Por isso é que é dos livros que o incumbente normalmente não quer debates, enquanto os desafiadores querem-nos sempre e quantos mais, melhor. Assim, PS e PCP vão ter menos intervenção. E a oposição ainda corre o risco de ficar a falar sozinha no debate "geral".

Um tiro mal calculado. Que a coligação resolve com um conceito-chave: coesão.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

As listas do CDS-PP (10). As "Distritais", verbo de encher.



Para as próximas eleições de 4 de Outubro, uma das originalidades absolutas do processo das listas de candidatos a deputados do CDS, no quadro da coligação PàF, foi a não elaboração prévia de qualquer Regulamento, em contravenção dos Estatutos do partido. E este simples passe permitiu que o Conselho Nacional fosse confrontado com as listas mais centralizadas de que há memória. Na história do CDS, foi o Guiness do centralismo.

O Presidente do partido capturou para si e para a chamada “quota nacional” a totalidade dos lugares elegíveis; e, assim, pela primeira vez, mesmo nos seus últimos mandatos, nomeou directamente: o segundo candidato por Aveiro, além do primeiro; o segundo candidato por Braga, além do primeiro; o primeiro candidato por Coimbra; o primeiro candidato por Faro; todos os primeiros sete candidatos por Lisboa; o quarto candidato pelo Porto, além do primeiro; o segundo candidato por Setúbal, além do primeiro. Nas posições que mais importam eleitoralmente, as distritais praticamente não tocaram na bola, com excepção de Viseu e, dentro dos moldes habituais, parcialmente do Porto e Leiria.

Os processos políticos distritais só aparecem, de modo geral, a contribuir para as posições dificilmente elegíveis, como Viana do Castelo, ou claramente não elegíveis como Beja, Bragança, Castelo Branco, Évora, Guarda, Portalegre e Vila Real. Se não se elege ninguém, as distritais fornecem carne para canhão; se se elege ou há hipótese de eleger, o lugar está pré-reservado. É o modelo de organização política distrital conhecido como o modelo dos enchumaços.

A mensagem passada é, portanto, esta: neste partido, a actividade política distrital e local não tem direito a expressão na representação política nacional; a representação nacional é prerrogativa exclusiva da direcção nacional e do Presidente. Ponto.

Compreende-se bem por que não quer a actual direcção do CDS-PP mudar o sistema eleitoral.

As listas do CDS-PP (9). Agitar antes de usar.

O processo de formação das listas encontra-se ainda na fase 4.

Segundo o "Jornal de Notícias" de anteontem, «vários conselheiros [nacionais] do CDS estarão a apelar a Paulo Portas para a marcação de um Conselho Nacional Extraordinário para “reavaliar as listas de candidatos a deputados” já apresentadas».

Esta agitação – e outras de que a imprensa foi dando nota, a seguir à reunião do Conselho Nacional em 30 de Julho – é invulgar no CDS-PP. E é sinal do mal-estar que a absoluta centralização do processo gerou no partido. Apesar da votação esmagadora no Conselho, os ecos ainda ribombam duas semanas depois; e fizeram mazelas.

Segundo o mesmo JN, os descontentamentos diriam respeito a «Raul Almeida, em Aveiro; Altino Bessa, em Braga; João Gonçalves Pereira, em Lisboa; Teresa Anjinho, em Santarém; Miguel Pires da Silva, no Porto; Paulo Almeida, em Coimbra; e João Viegas, em Setúbal».

A probabilidade da reunião, aparentemente pedida, é nula. Mas há razões para o mal-estar.

Raul Almeida foi relegado para o sétimo lugar do CDS em Lisboa (o 24º da coligação), vendo o seu lugar em Aveiro "conquistado" pelo secretário-geral, que é de Lisboa. Altino Bessa foi afastado do seu lugar de eleição directa, em Braga, contra votação unânime da Assembleia Distrital. João Gonçalves Pereira, em Lisboa, foi empurrado para 32º da coligação, o nono do CDS. Teresa Anjinho foi surpreendentemente afastada das listas, o que só conheceu em cima do Conselho Nacional: nem em Aveiro, nem em Coimbra – e, pelos vistos, podendo ser repescada para a misteriosa vaga de Santarém, também daí foi arredada. Miguel Pires da Silva, o presidente da JP, aspiraria a ver honrada a tradição de o Presidente da “jota” estar em lugar elegível, neste caso no Porto – e foi empurrado para um lugar impossível em Coimbra, melindrando o distrito e não ganhando nada para a “jota”. E o setubalense João Viegas viu premiado o seu desempenho por Setúbal, com um empurrão pela escada abaixo.

O caso de Aveiro está envolvido em muitas discussões, mas é estranho que o distrito que mais subiu em posições qualificadas autárquicas receba este tratamento de volta. O caso de Teresa Anjinho é dos mais particularmente chocantes em todos os ocorridos, pois foi uma nova deputada que se destacou pela positiva e pela muito sólida competência técnica, recuperando para o CDS um prestígio parlamentar que tinha perdido há muito nas áreas do Direito e da Justiça, além de dar a cara em muitas questões difíceis. Coimbra também deu belas provas parlamentares tanto com Serpa Oliva, como através de Paulo Almeida, que o substituiu a meio do mandato e que, estreando-se, deu mostras de grande dedicação e diversificada competência – mas o partido nem guardou o lugar conimbricense, que, em listas conjuntas, seria sempre de eleição muito difícil, à semelhança do de Abel Baptista em Viana do Castelo. O jovem Gonçalves Pereira, que brilhou em vários dossiers autárquicos, viu premiado o seu trabalho político, articulado com uma sólida posição na autarquia de Lisboa, com outro empurrão pela escada abaixo. E quer Altino Bessa (já mais conhecido), quer João Viegas (outro estreante) provaram pela dedicação constante e pela capacidade de trabalho – e Altino pela combatividade política - tanto em matérias que lhes foram distribuídas em exclusivo, como em articulação com os mais relevantes interesses distritais de Braga e Setúbal.

Como repetidas vezes tenho dito, o problema do grupo parlamentar do CDS não estava na qualidade dos deputados, que é individualmente boa ou muito boa e claramente na metade superior das médias parlamentares. O problema era apenas do sistema, centralizado, dirigista, não participado e nada democrático, como emana do estilo actual do partido.

Ora, olhando já à próxima legislatura, o sistema, para já, começa muito pior. E perderam-se já belíssimos deputados, a par de se romper a já frágil relação com as bases. Daí o mal-estar e a agitação.

Muitos verão aqui uma simples dança de cadeiras e guerra de ambições. Mas, neste caso, é bem mais do que isso – e um caso mais sério. Chama-se representatividade; e reconhecimento (ou desprezo) pelo mérito e dedicação.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A Décima Garantia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.

A verdade do sistema é esta: os governos prestam contas aos deputados; e os deputados prestam contas aos eleitores e às bases.


A Décima Garantia
Nas apresentações do Manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”, várias vezes aludimos a que não teríamos chegado ao imperativo de reformar o sistema eleitoral se não fosse a progressiva decadência dos partidos e a redução, praticamente ao grau zero, da representação parlamentar.

O sistema parlamentar visa, entre outras funções, assegurar a fiscalização da acção governamental pelos deputados – no desenho do sistema, são os deputados que mandam nos governos, não os governos que mandam nos deputados. Tudo ao contrário do que progressivamente se foi instalando.

Isto nada tem a ver com liderança: o líder da maioria é simultaneamente líder do governo e líder dos deputados. Mas o caldo entorna-se e o sistema desfigura-se, quando o líder se esquece por inteiro de liderar os deputados, se fecha em chefe do governo e o mobiliza com o aparelho para subjugar os deputados, reduzidos a claques e tropa servil. O sistema político foi decaindo por aí; e corrompeu o funcionamento dos partidos.

Esta função fiscalizadora permanente, essencial à saúde da democracia, reside idealmente nos próprios partidos; e é daí, a partir da base, que irradia. A democracia é um sistema “bottom up” (de baixo para cima) e não “top down” (de cima para baixo). Em listas partidárias, ou noutros modos de eleição, os candidatos são escolhidos a partir da base, directa ou indirectamente; e é à base, por conseguinte, que devem a prestação de contas. Um deputado, ciente do mandato e suas responsabilidades, deve contas a dois níveis: aos eleitores em geral, que representa; e às bases, aos eleitores do próprio partido, que tutelam o desenvolvimento das mais características propostas partidárias.

Os mecanismos de participação e de democracia interna são, por isso, essenciais. A verdade do sistema é esta: os governos prestam contas aos deputados; e os deputados prestam contas aos eleitores e às bases – permanentemente; não apenas de quatro em quatro anos, quando há eleições.

A fiscalização de baixo para cima, a prestação de contas em contínuo, são condições sine qua non de verdadeira influência democrática. Sem isso, torna-se fácil o desvio da linha política; e faz-se regra a ausência de tutela representativa. A democracia transforma-se numa burla – andamos todos ao engano.

Os partidos inverteram de tal forma o paradigma democrático (como a formação das listas na coligação maioritária bem ilustrou), que só uma reforma eleitoral profunda restituirá ao deputado o senhorio do seu mandato e, através deste, garantia de efectiva democraticidade ao funcionamento dos partidos. Como temos dito, é prioritário restituir palavra aos eleitores (e às bases), retirando-a ao império dos directórios.

Quando, em Junho, a coligação PSD/CDS apresentou as linhas gerais do programa eleitoral, chamou-me a atenção que declarasse nove garantias. Porquê nove? Por que não dez, um número redondo? E fiquei a pensar no que poderia ser a décima garantia.

A resposta veio-me da sétima garantia: «Garantimos que pugnaremos pela inscrição na Constituição de um limite à dívida pública.» Este ponto, o sétimo da Carta de Garantias da coligação, já constava do discurso frequente de PSD e CDS-PP. E fez mesmo parte do anterior Manifesto Eleitoral do CDS; não num lugar qualquer, mas exactamente como primeiro ponto: «Limite ao endividamento do Estado na Constituição» era a primeira promessa do CDS-PP nas eleições de 2011. Os dois textos de desenvolvimento desta chamada “regra de ouro” confirmam a identidade.

O que fez, então, que a primeira promessa de 2011 se repita, agora, como a sétima garantia de 2015? E que garantia podemos ter de que será cumprida, quando a primeira não foi?

Não é que o propósito de 2011 não fosse concretizado – uma revisão constitucional carece de maioria 2/3 e nem o CDS, nem a coligação a têm. Mas é que nada tivesse sido feito para fazer avançar no plano político esse desígnio emblemático, nem o menor combate político sério fosse travado. A coisa ora caiu no esquecimento, ora foi objecto de vagas cócegas ocasionais, longe do estatuto de “primeira promessa”, hoje “sétima garantia”. Nem o facto de aquela “regra de outro” ter constado no famoso “guião da reforma do Estado” serviu de estímulo e acicate. Mergulhou em banho-maria e aí ficou.

Como foi isto possível? Falta de participação, falta de democracia interna, falta de prestação de contas, falta de voz das bases, falta de poder dos deputados. O sistema é autoritário: os chefes mudam de ideias e o sistema agacha-se. Não há tutela colegial das propostas eleitorais.

Pode tratar-se mal os idosos, pode aumentar-se impostos mais do que o devido, pode carregar-se brutalmente no IMI, pode acabar-se a bel-prazer com feriados patrióticos, pode paralisar-se a reforma do Estado, pode parar-se o combate às rendas excessivas, pode prosseguir o pântano das ex-SCUT, pode liberalizar-se o jogo on-line, pode atacar-se a língua portuguesa e seu estatuto internacional, pode fazer-se ou não se fazer tudo e mais alguma coisa, dar toda e qualquer cambalhota – que não há tutela colectiva e democrática do passo governativo e da acção política.

Por isso, a Décima Garantia: democraticidade e “accountability”. Sem estas, nenhuma outra “garantia” tem valor. Pode acontecer ou não acontecer; mas nada é garantido.

A verdadeira Garantia teria sido a reforma eleitoral preconizada, em tempo, pelo Manifesto. Mas, enquanto não é feita, ao menos um funcionamento sério, um funcionamento maduro, um funcionamento adulto, um funcionamento orgânico, um funcionamento institucional dos partidos políticos. Sem isto, não há garantias – a não ser a vontade ocasional dos chefes. O que, como temos visto em décadas de decadência, tem normalmente dado asneira – e não nos leva a lugar que valha a pena.

José RIBEIRO E CASTRO
Advogado, Deputado
NOTA: artigo publicado no jornal i.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A estrela de Belém


Os primeiros comentários que apetecem são sempre para fazer graça: depois dos cartazes, a trapalhada das presidenciais; as duas candidaturas (legislativas e presidenciais) apresentadas no mesmo dia; a candidatura anunciada em cima da entrevista em directo de António Costa; a divisão dos tenores do PS; a rentrée a várias vozes… enfim, a crónica dificuldade do PS com os processos a desfocar por inteiro qualquer proposta política que tenha. E pode ser que continue assim, mal para os socialistas.

Mas deixemos as brincadeiras de lado; e vamos a leituras mais sérias.

Lendo com atenção, desde Marcelo a Manuel Alegre, as reacções a um facto que se afirmou incontornável, a candidatura de Maria de Belém (a "candidata que veio do nada") pode vir a ser para o PS um trunfo, absolutamente inesperado. Os maiores sinais de preocupação vieram de Marcelo Rebelo de Sousa e de Sampaio da Nóvoa. Por olhares iguais em espaços opostos: o primeiro, por sentir que Maria de Belém entra mais ao centro do que Nóvoa alguma vez conseguiria; o segundo, porque antecipa comprometido o apoio do PS e vê fugir a vitória com que sonhou. E o apoio mais significativo é de Manuel Alegre, entre vários outros menos óbvios.

De forma paradoxal e surpreendente, Maria de Belém pode dotar o Partido Socialista da unidade imediata de acção política que António Costa não estava a conseguir; e, sucedendo no lugar imaginário que os socialistas tinham reservado para Guterres, pode acrescentar-lhe propósito e ambição quando tudo parecia patinar. Além disso, tem condições objectivas para reunir todo o partido, entre os que a apoiam e apoiarão explicitamente e os que não poderão ir contra ela; e, com isso, congela e afasta a deriva esquerdista associada a Sampaio da Nóvoa, que só prejudicava as aspirações eleitorais do PS nas legislativas.

É cedo para ver. Mas a candidatura de Maria de Belém e este seu timing improvável podem estar muito longe de ser um tiro na água. E, se Maria de Belém ajudar o PS a estabilizar, a animar-se e a alcançar o resultado a que aspira, boa parte da história seguinte pode ficar logo escrita. Azar para Sampaio da Nóvoa. 

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A inovação tecnológica, o Estado e a economia portuguesa

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Em Portugal, os dados de 2011 revelam que dos 26 175 doutorados em actividade, apenas 709, ou seja, uns escassos 2,7%, tinham vínculo laboral com empresas.



A inovação tecnológica, o Estado e a economia portuguesa
A inovação tecnológica é fundamental para garantir a competitividade das empresas e, por isso, é muito importante que em Portugal as empresas utilizem as tecnologias de forma economicamente eficiente.

O processo pelo qual a ciência é adquirida e desenvolvida para se converter em inovação tecnológica empresarialmente competitiva é, todavia, longo e complexo.

O Estado tem tido em Portugal um papel muito importante na promoção da investigação científica e, portanto, uma parte da opinião pública considera que basta o Estado gastar mais dinheiro nesta área para que as empresas se tornem mais competitivas.

Ora esta noção está completamente errada!

A componente fundamental para o sucesso deste processo é a existência duma estratégia que tenha em conta o enquadramento nacional e o contexto europeu e global.

Logo a partir dos conhecimentos científicos de base, é necessário optar entre as diferentes tecnologias a desenvolver a partir deles e definir depois quais os produtos e serviços em que essas “inovações tecnológicas” devem ser aplicadas.

E esta transposição entre a ciência e os “produtos inovadores” tem de ser feita em articulação entre as instituições de ensino e investigação e as empresas que actuam nos sectores de actividade em que essas inovações tecnológicas são aplicáveis.

A inovação tecnológica empresarialmente competitiva necessita de diversos ingredientes de base: as competências científicas/experimentais, as instalações industriais/empresariais onde as inovações tecnológicas se podem converter em capacidade económica, e os recursos humanos com a adequada formação tecnológica e de gestão.
Em termos de políticas públicas, o mais importante nesta área é a qualidade estratégica das mesmas e não o montante dos recursos financeiros que o Estado utiliza em todo este longo processo.

Por exemplo, uma percentagem significativa dos doutorados em ciência e tecnologia deverá estar inserida na actividade empresarial.

Ora, em Portugal, os dados de 2011 revelam que dos 26 175 doutorados em actividade, apenas 709, ou seja, uns escassos 2,7%, tinham vínculo laboral com empresas.

Ou seja, em Portugal, o Estado é o empregador exclusivo da esmagadora maioria dos doutorados!

É obviamente positivo que o Estado português tenha ao seu serviço um número apreciável de doutorados, mas fazê-lo de tal forma que apenas 2,7% deles estejam ao serviço das empresas é uma perversão das políticas públicas e da correcta alocação do dinheiro dos contribuintes.

As bolsas de pós-doutoramento funcionam, por vezes, para tentar manter alguns doutorados numa “redoma protegida” das verdadeiras realidades económicas do país no seu conjunto.

A atribuição de bolsas de pós-doutoramento apenas para “manter em actividade” doutorados de alta qualidade é, muitas vezes, uma “atracção fatal” que pretende resolver um problema social, mas que só o faz agravar.

E quanto mais dinheiro o Estado gastar neste “doping”, sem enquadramento estratégico, pior.

Porque conduz à delapidação de muitas centenas de milhões de euros de dinheiros públicos por ano e, mais grave ainda, porque uma parte significativa dos doutorados, nomeadamente nas áreas da ciência e tecnologia, ficam numa situação de precariedade de carreira, em vez de estarem a trabalhar nas empresas onde a inovação tecnológica pode conduzir a um aumento da competitividade económica.

Por isso, nos países mais avançados, 40 a 50% dos doutorados em ciência e tecnologia trabalham em empresas.

Para que a questão possa ser resolvida, é necessário que as empresas e as políticas públicas em Portugal favoreçam a transição dos doutorados para as primeiras.

Por exemplo, através dum programa em que pelo menos 50% dos candidatos às bolsas de pós-doutoramento tenham de ir trabalhar para as empresas, sendo apoiados com fundos públicos num valor que seria metade dos montantes que o Estado gastaria se os mantivesse como bolseiros.

O Estado pouparia assim muito dinheiro, as empresas adquiririam uma preciosa ferramenta de competitividade e os doutorados ficariam com uma perspectiva de carreira profissional que, de outra forma, não poderiam obter.
Clemente PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico

NOTA: artigo publicado no jornal i.

O Presidente de todos os portugueses, menos de 2.521



Cavaco Silva ratificou, no passado dia 30 de Julho de 2015, o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes. Fica um dia muito triste para Portugal. Por este novo regime jurídico, a "terceira língua europeia global" vê-se relegada para a terceira divisão das línguas europeias, ao serem erigidas apenas três línguas (Alemão, Francês e Inglês) como línguas europeias oficiais para a "patente europeia de efeito unitário" e o seu regime judiciário privativo.

A infeliz decisão do Presidente da República consta do Decreto do Presidente da República n.º 90/2015, de 6 de Agosto; e fez também publicar, assim, a Resolução da Assembleia da República n.º 108/2015, aprovada em circunstâncias altamente reprováveis, em 10 de Abril passado, pela força da maioria parlamentar, na esteira da proposta governamental PSD/CDS.

A decisão de Cavaco Silva, contrária aos interesses de Portugal e amesquinhando uma vez mais a nossa língua no contexto europeu, é coerente  com a posição que já tomara, como primeiro-ministro, quando, em 1994, abriu portas na União Europeia ao chamado "regime de Alicante". Este regime linguístico ficou assim conhecido em razão de o organismo europeu competente em matéria de marcas, o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (OHIM, na sigla inglesa), ter ficado sediado em Alicante. Com o Regulamento que criou este organismo e adoptou o regime da "marca comunitária", a nossa língua foi enterrada debaixo de outras cinco "línguas oficiais" para efeitos de marcas: Alemão, Francês, Inglês, Espanhol e Italiano. Eram os tiques do famoso "bom aluno". Esse regime linguístico discriminatório não se ficou, aliás, por aí: começou, depois, a ser replicado noutras instâncias europeias, subalternizando progressivamente a nossa língua na UE.

Tendo, entretanto, sido criada a CPLP e tendo aumentado nos últimos anos a convicção pública da importância internacional do Português, pensou-se que Cavaco Silva poderia ter evoluído. Foi uma ilusão. Neste ponto, está na mesma. Aliás, está pior, pois este regime de Munique consegue ser pior que o regime de Alicante.

Não tinha razão para agir deste modo. Mesmo que, como se depreende, Cavaco pense o mesmo que o Governo, soube-se, em Junho passado, que o Reino Unido só tratará da ratificação deste Acordo, depois do agendado referendo europeu - ou seja, só em 2018. E a ratificação pelo Reino Unido, assim como a da França (já ratificou) e a da Alemanha (ainda não), é indispensável para o referido Acordo entrar em vigor e em aplicação. Ou seja, não havia a menor pressa.

A precipitação do Presidente da República impediu, assim, a possibilidade um debate determinante sobre a matéria, por ocasião das próximas eleições presidenciais.

Além disso, Cavaco Silva tinha acabado de receber, a 28 de Julho, uma carta enviada por professores universitários portugueses, que lhe transmitiam o "Apelo dos 20" (publicado em 10 de Junho passado) e pediam uma audiência para Setembro, a fim de fazerem entrega de uma Petição com 2.500 subscritores, onde se solicitava o protelamento desta ratificação. A resposta de Cavaco Silva aos académicos das Universidades portuguesas foi esta...

Este gesto do Presidente da República mostra incompreensível grosseria e desconsideração por portugueses que exerceram, respeitosamente, a sua condição de cidadania. De tal modo que pode concluir-se que será talvez, no seu espírito, o "Presidente de todos os portugueses" menos de 2.521: os 2.500 peticionários; os 20 académicos do Apelo no 10 de Junho; e eu próprio, que lutei contra esta mediocridade na Assembleia e apresentei declaração de voto.


sábado, 8 de agosto de 2015

Menos de 40% é sempre resultado medíocre

Fonte: www.Legislativas2015.pt
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Desde Maio passado, a coligação PSD/CDS aparece, nas diferentes sondagens publicadas, com valores percentuais entre os 34% e os 38%: normalmente ligeiramente atrás do PS; uma vez empatada; e outra à frente. E tais números têm inspirado em círculos da coligação desde suspiros de alívio a expressões de entusiasmo. Foi o caso com a sondagem de hoje da Eurosondagem para o EXPRESSO, onde a PàF surge com 34,8%, um ponto e meio atrás dos socialistas.

Objectivamente, não é caso para isso. 
 
Tudo o que seja a coligação satisfazer-se com menos do que a maioria absoluta é erro político crasso. E tudo o que seja consolar-se com registos abaixo dos 40% é aplaudir a mediocridade.

Surpreende-me como círculos dirigentes podem animar essas perspectivas tão limitadas; e espanta-me como comentadores acreditados e editores ou jornalistas de política podem embarcar num erro de análise tão grosseiro.

Para quem conhece o quadro eleitoral e a história democrática do país, há duas balizas de análise incontornáveis:
  • O PSD e o CDS-PP têm obrigação de nunca somarem menos de 40% dos votos em eleições nacionais.
  •  O PSD e o CDS-PP, coligados, têm, por regra, a obrigação de serem sempre maiores do que o Partido Socialista em eleições nacionais.

Por um lado, o chão histórico dos dois partidos, isto é, a sua maré baixa, corresponde a esse limiar mínimo de 40%, que ficou fixado nas primeiras eleições legislativas de 1976: 40,33% foi o que, então, somaram, em eleições ganhas pelo PS com 34,89%. 
 
De então, para cá, salvo recentes excepções desastrosas, nunca PSD e CDS (a “direita” eleitoral) obtiveram menos de 40% em eleições nacionais. Soares Carneiro perdeu as presidenciais de 1980 com 40,23%; e Freitas do Amaral perdeu as de 1986 com espantosos 48,82%. À saída de Cavaco, nas legislativas de 1995, PSD e CDS, com Fernando Nogueira e Manuel Monteiro, perderam para Guterres (43,76%), somando 43,17%. Em 1999, com Durão Barroso e Paulo Portas, voltaram a perder para o mesmo Guterres (44,06%), somando 40,66%. 

As excepções desastrosas vieram, a seguir a Barroso/Portas, graças a erros de palmatória iniciados sempre na abordagem errada de eleições europeias, com listas conjuntas PSD/CDS. Nas europeias de 2004, a coligação PSD/CDS caiu para 33,27% - o que, menos de um ano depois, daria a soma de 36,01% nas legislativas, com Santana Lopes e Paulo Portas; e trouxe-nos a maioria absoluta de Sócrates (45,03%), junto com a maior maioria de esquerda parlamentar de sempre. Agora, nas últimas europeias de 2014, o tombo foi monumental para a vergonha de 27,71% - o pior resultado de toda a história, inferior ao péssimo imaginável e muito abaixo dos 34% que PPD e CDS obtiveram, somados, em eleições disputadas debaixo de coacção revolucionária: as constituintes de 1975. 
 
As expectativas que estas catastróficas eleições europeias deixaram para as próximas legislativas são, por isso, muito baixas; mas isso não significa que nos alegremos com menos do que o mínimo. Sobretudo com o PS a fazer tanta asneira e, diriam os da aldeia de Astérix, "o céu a cair-lhe em cima da cabeça".

Por outro lado, PSD e CDS, concorrendo coligados, têm sempre - sempre - a obrigação de, como regra, superarem o PS. Aqui, nem é preciso recorrer à história eleitoral; basta olhar a realidade política e pensar um bocadinho. 
 
PSD e CDS são toda a “direita” eleitoral. Já o PS reparte a esquerda com vários outros: PCP e BE, pelo menos; depois, sem falar nos “pequenos”, também com os novos PDR e Livre. Ora, por isso mesmo, o Partido Socialista tem muita dificuldade em chegar à maioria absoluta (metade mais um), coisa que a “direita” já conseguiu várias vezes: com a AD por duas vezes em 1979 e 1980; com Cavaco Silva, em 1987 e 1991; com Durão e Portas, em 2002 (soma de 48,93%); com Passos e Portas em 2011 (soma de 50,37%). E o Partido Socialista tem mesmo dificuldade em obter mais votos do que PSD e CDS somados: Mário Soares nunca o conseguiu; Almeida Santos, Constâncio e Sampaio também não; Guterres conseguiu-o das duas vezes, mas uma à justa; e Sócrates só o conseguiu da primeira vez, a da maioria absoluta. Em 2009, cabe lembrá-lo, Sócrates ganhou as eleições só com 36,56% dos votos; mas, somados, PSD e CDS tiveram mais que isso: 39,54% - isto é, tiveram os 40 pontos da praxe, os 40 pontos da maré baixa. 

É certo que, teoricamente, seria compreensível que a dureza da governação em crise, com troika e pós-troika, pudesse conduzir, agora, a uma maré baixa eleitoral PSD/CDS. Mas esta maré baixa seriam exactamente os 40% da história eleitoral do país – e, mesmo assim, estariam a levar uma "tareia" de 10 pontos percentuais abaixo da vitória de 2011. 
 
Satisfazermo-nos com menos do que isso e deitarmos foguetes com sondagens de resultados medíocres é que é alegria dos tristes. E semente de derrota.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

As listas do CDS-PP (8). Outros processos, precisam-se!


O que se passou na escolha dos candidatos do PSD e do CDS-PP que integrarão as listas PàF às eleições legislativas de 4 de Outubro põe bem em evidência quanto a coligação teria a ganhar, se tivesse optado por realizar eleições primárias em cada um dos partidos que a integram. Foi uma ideia que defendi nas últimas semanas.

Os dois líderes teriam sido poupados ao desgaste político de arbitrarem rivalidades; as listas seriam efectivamente representativas; as correntes e sensibilidades estariam arrumadas de forma justa; e o processo de escolha teria constituído um forte momento de mobilização partidária a partir da base. O simples facto desta mobilização geral pré-eleitoral, conjugada com a ampla representatividade traduzida nas listas, poderia assegurar uma vitória com maioria absoluta em Outubro. Seria o poder da transparência, da legitimidade e da união de todos. António Costa tinha prometido primárias no PS e acabou recuando, não as fazendo. A coligação surpreenderia o Partido Socialista no seu terreno, colhendo ainda mais vantagem para si.

Infelizmente, o ímpeto reformista desta PàF é baixo. Quanto à reforma eleitoral, as palavras são tímidas - sabe-se, ainda, que Paulo Portas é contra mexidas no sistema. E nem imaginação e ousadia própria houve quer do CDS, quer do PSD para ensaiar este paliativo imediato de aproximação eleito/eleitor.

A experiência de primárias feita pelo Livre/Tempo de Avançar podia ter inspirado. Mas o sistema preferiu uma vez mais o poder no quiosque à representatividade expressiva da democracia.

Um dia, a casa vem abaixo.

As listas do CDS-PP (7). A candidata-surpresa.

Quem será a 230?

Uma das maiores originalidades deste processo é a de, num círculo eleitoral, o(a) candidato(a) escolhido(a) pelo CDS-PP ainda estar em branco: é já conhecido como o candidato 230.

O feliz contemplado foi o distrito de Santarém, em que o líder distrital do CDS aparece em 8º lugar da lista PàF, mas deixando reservado à sua frente o 4º lugar da mesma lista. Ao que ficou a saber-se, este lugar será ocupado por uma mulher e uma independente: entrando numa vaga do CDS-PP, caberá ao CDS-PP indicá-la. Só que, já lá vai uma semana... e ninguém sabe (ou não nem diz) quem é, como contou o Diário de Notícias.

O Conselho Nacional de dia 30 de Julho foi mantido inteiramente às escuras sobre a indigitada. E o mistério ainda continua.

O caso, além de absolutamente inédito, revela as dificuldades em recrutar "independentes". Com estes sinais dirigistas e autoritários, as aceitações ficam mais difíceis. E a muito dificultada elegibilidade por Santarém complicou certamente a operação. As modas não vão de feição para a generosidade de serviço público.

As listas do CDS-PP (6). A confirmação do óbito.


Ainda não consegui terminar o artigo "O dia em que o CDS morreu". Foi a 11 de Junho, como expliquei. Irei terminá-lo, talvez em breve. Não é coisa que me agrade.

Mas, antes de o fazer, este Conselho Nacional confirmou, além de outros factos, essa impressão de há dois meses.

Conta o EXPRESSO, que tem boas fontes como sabemos, que, "na sua intervenção final, Portas explicou que faz parte do carisma do CDS ter um bom grupo parlamentar, e que isso não podia ser o resultado das escolhas das distritais." Esta intervenção terá respondido a várias intervenções fortemente críticas, provindo justamente de algumas distritais, com a de Braga à cabeça.

Pois bem. As distritais - e o resto dos conselheiros nacionais - ouviram explicar que seriam incapazes de contribuir em que medida fosse para "um bom grupo parlamentar". E logo, acto contínuo, chegada a hora de votar, as listas do partido foram aprovadas, conta o mesmo EXPRESSO, "de forma esmagadora: 135 votos a favor, 6 contra e uma abstenção".

O óbito do CDS está nos dois factos: primeiro, a apreciação do Presidente do partido; e, a seguir, o defunto conformismo do só aparente colectivo.
 

As listas do CDS-PP (5). Escolhidos a dedo: qualidade não foi argumento.

You!

Os candidatos do CDS-PP foram, todos, escolhidos a dedo e ordenados, um a um, pelo presidente do partido. Não fez disso segredo. Frisou-o, segundo a imprensa, na irritada intervenção final no Conselho Nacional, argumentando, entre outros, com a necessidade de garantir a "qualidade" do grupo parlamentar.

Ora, qualidade é justamente argumento que não pode usar-se neste caso. Não se trata de pôr em causa a qualidade de novo(a)s candidato(a)s apresentado(a)s. É que, no ainda actual grupo parlamentar do CDS, não há um(a) só de que se pudesse dizer que não tinha qualidade para continuar. Outras terão sido as razões. Certamente "grupismo", garantias de obediência.

Foram várias, aliás, as exclusões, quer do grupo do PSD, quer do CDS, de deputado(a)s de indiscutível qualidade pessoal, política e técnica, que se haviam destacado positivamente no trabalho parlamentar, inclusive na recta final. Por todo(a)s, cito apenas o caso da Teresa Anjinho no CDS e de Pedro Saraiva no PSD, que marcou como relator do inquérito ao caso BES. A sua saída constituiu enorme - e negativa - surpresa. Haviam, sem dúvida, marcado pela qualidade.

As escolhas da coligação, afastando uns e chamando outros, deveram-se a critérios que não têm a ver com a qualidade. 

É coisa tão notória que se reflecte, depois, na enorme dificuldade em cativar novos independentes de relevo. Esta dificuldade já tinha transparecido, aquando do anúncio da chamada "Comissão Política Nacional" da coligação. Mas, agora, foi de novo evidente na formação das listas para a Assembleia da República. Com tantos tiques controleiros, quem quer meter-se nisto?

As listas do CDS-PP (4). A "quota" de 100 por cento.


Haverá quem diga que o que se passou no CDS-PP é inteiramente normal e que acontece em todos os partidos. Haverá quem sublinhe que o líder do partido tem sempre direito a fazer as suas escolhas - a chamada "quota nacional" - e que mau seria que a direcção nacional não tivesse uma palavra a dizer na feitura das listas. 

Certo. 

Mas não é isso que está em causa. 

Ter "uma palavra a dizer" não é o mesmo que ter toda a palavra. E a quota nacional é exactamente isso: uma "quota". 

"Quota" corresponde a uma parte. Se a quota é de 100 por 100, a "quota" não é quota: é tudo! 

Foi isso que esteve errado. Muito errado.

As listas do CDS-PP (3). O "primado do militante".


Os militantes

Pode parecer anedota, mas não é.

O preceito estatutário, ao abrigo do qual foi convocada a reunião do Conselho Nacional do CDS de 30 de Julho passado, diz o seguinte:
Compete ao Conselho Nacional (...) aprovar a regulamentação que respeite o primado da vontade dos militantes no processo de escolha dos candidatos do Partido a eleições locais, regionais e nacionais, quando expressas em termos representativos.
- art.º 29º, n.º 1, alínea i) dos Estatutos do CDS-PP
Desta feita, nem houve Regulamento sequer - que me lembre, foi a primeira vez que tal ocorreu. Mas, cabendo-lhe sempre a aprovação final das listas, o Conselho Nacional deveria ter velado pelo respeito do «primado da vontade dos militantes no processo de escolha dos candidatos do Partido». Viu-se...

Por sinal, chamei a atenção expressamente para isto na carta que, na véspera, dirigi ao Presidente do Conselho Nacional. Ninguém ligou o que quer que fosse.

Não é a mim. Não é à minha carta. É aos Estatutos. É ao partido. É aos Estatutos e ao partido que ninguém ligou nada.

As listas do CDS-PP (2). Autoritarismo, puro e duro.



Não me recordo de umas listas feitas assim, em toda a história do CDS: se o CDS-PP tem hoje um grupo parlamentar de 24 deputados, todos os primeiros 24 candidatos às próximas eleições - os "elegíveis" - foram escolhidos, designados e colocados pelo Presidente do partido. 

Era hábito haver um Regulamento de candidaturas, que regula o processo de escolha a nível distrital e fixa, acima disso, a chamada "quota nacional" e os limites do poder de designação do Presidente e da direcção nacional. É, aliás, aquilo que os Estatutos estipulam. Desta feita, nem isso foi feito.

No primeiro ciclo da presidência de Paulo Portas (1998/05), a questão da "quota nacional" foi algumas vez discutida. É que parecia injusto que, com grupos parlamentares de 14 ou 15 deputados, todos os efectivamente eleitos acabassem por ser os escolhidos pelo líder, uma vez que indicava os dois a quatro primeiros de Lisboa e Porto e, depois, todos os demais cabeças-de-lista - e, noutros círculos, o CDS só elegia precisamente 1 deputado.

Quando fui Presidente (2005/07), defini que o Presidente só teria o poder de designar até 1/3 do previsível grupo parlamentar (isto é, 1/3 dos "elegíveis") e concentraria essas escolhas nos círculos onde elegêssemos mais do que um deputado. A ideia era a de, numa lógica de crescimento, não penalizar o trabalho político dos distritos que se esforçassem por conquistar ou manter representação  parlamentar, "roubando-lhes" o deputado a que fizessem jus. Não cheguei a fazer listas, pois o meu mandato não chegou ao fim, como é sabido. Mas alguma coisa ficou dessa evolução. 

Assim, no segundo ciclo da presidência de Paulo Portas (2007/...), quer em 2009, quer em 2011, Paulo Portas teve de articular com os distritos muitas das escolhas, nomeadamente nas zonas de crescimento. Nos círculos de "crescimento", o cabeça-de-lista passou a ser do distrito; e, noutros, o segundo candidato, a seguir ao cabeça-de-lista. Foi o caso de Hélder Amaral, Serpa Oliva (e, depois, Paulo Almeida), Abel Baptista, Artur Rego, Altino Bessa, Manuel Isaac, Raul Almeida e João Viegas. E, mesmo nos círculos de Lisboa e Porto, não será difícil encontrar entre os quatro a cinco primeiros de 2009 e 2011, candidatos estreitamente envolvidos no trabalho distrital, sendo impossível discernir se eram da "quota nacional", se de escolha distrital.

Agora, voltou-se duramente para trás; e seguiu-se, de modo brutal, um autoritarismo total, que nunca existira: "São 24? Pois escolho 24!" O Presidente decidiu. Está decidido.

As listas do CDS-PP (1). A 19ª distrital do PSD.


Qual é o 19º distrito?

Passada uma semana sobre a aprovação final das listas dos partidos da coligação, nos Conselhos Nacionais de 30 de Julho, e lidas e digeridas as notícias e as ressacas, pode-se já fazer uma avaliação mais informada do que se passou.

No PSD, o processo foi participado e largamente debatido. O respectivo "picadinho", das escolhas e das exclusões, foi condimentado e executado a nível das distritais. A reunião do Conselho Nacional pôde, por isso, ser muito rápida; e decidiu por unanimidade. A liderança do partido não interferiu directamente, senão num número limitado de casos e de candidatos.

No CDS-PP, por seu turno, tudo o que é relevante foi decidido e imposto pelo líder. Em rigor, todos os que terão hipótese de vir a ser deputados na próxima Legislatura foram escolha directa de Paulo Portas: quem é e quem não é; em que lista vão; e em que posição estarão.
Muitos comentarão que a diferença deve-se ao facto de o PSD ser um partido basista, em que prevaleceu o aparelho; enquanto o CDS se tornou num partido de cortesãos, em que prevalece o chefe.

Não foi tanto isso. A verdade mais crua é a de que, tendo que indicar apenas 30 a 40 nomes para listas conjuntas na "Portugal à Frente", Paulo Portas tratou do processo como se fosse o comandante de mais uma distrital do PSD. E, com indiscutível sentido prático, tratou dos seus.

Por isso, sem sequer um regulamento que tivesse regido o processo partidário, o Conselho Nacional do CDS-PP foi agitado e com momentos tempestuosos. Foi a primeira e única instância de apreciação, debate e confronto. Nalgumas das 18 distritais do PSD também deve ter sido assim -  disso houve notícia aqui e ali.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Ao Deputado Decente que foi excluído das listas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, ontem saído no jornal i.
Dizia Adriano Moreira que as árvores se conhecem pelos frutos. Se eu tiver no meu jardim uma oliveira estéril, procurarei ocupar-me dela, pô-la a dar azeitonas.
O deputado Pedro Saraiva, relator da
Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES

Ao Deputado Decente que foi excluído das listas
O deputado Pedro Saraiva, do PSD, era e é um perfeito desconhecido. No entanto, este desconhecido, cuja aparência e estilo são modestos, protagonizou um dos melhores momentos parlamentares desta legislatura: foi o relator da comissão de inquérito ao colapso do BES. Fez trabalho altamente meritório e, de recompensa, sai das listas do PSD…

Não são muitos os deputados excluídos das listas, mas alguns, por razões várias, são gente que se notabilizou pela independência de espírito, pela diligência e trabalho profícuo, pela perspicácia em defesa do interesse público.
Nalguma coisa haviam de ter de errado, e essa coisa foi não serem indefectíveis dos chefes, não serem dos mais fiéis, daqueles com quem o aparelho – controlado pela direcção controlada pelos chefes – pode contar, mesmo que seja para votarem contra tudo o que defenderam e em que acreditam.

Conta-se que um ditador ateniense decidiu explicar um dia a um visitante qual era o segredo do seu poder. Levou-o a um campo de trigo e mostrou-lhe na seara uma ou outra espiga que eram mais altas que as demais e cortou-as. “Assim, ficam todas iguais, nenhuma avulta.”

É este o método dos nossos chefinhos partidários. Cortar as espigas mais altas; e, no fim, nenhuma avulta. Dos grupos parlamentares o que se espera é uma obediência normalizada e abúlica, um silêncio obrigado e aquiescente, um respeito reverente pelas decisões de quem manda.

Esta vi eu: um importante personagem do PSD, ministro à época, dizia a um deputado do seu partido que tinha ousado discordar de uma menoridade qualquer: “olha lá, fui eu que te fiz deputado, vê lá se te comportas...”

Para quem se interesse por política, as listas do PSD e do PS são um bom indicador de como a normalização aparelhística se tornou a norma nos partidos. Interessante só nos pequenos partidos, onde uma Mariana Mortágua mostrou o que valia e encabeça a lista de Lisboa pelo BE.

No CDS, então, o aparelho reduz-se mesmo ao chefinho: é como ele diz e ponto. Nem chega a haver discussões que se ouçam sobre listas, porque o “partido” não existe, existe apenas o chefe.

A que propósito vem isto, em pleno Agosto?

Pois vem a propósito de este mês preceder a campanha eleitoral e as pessoas estarem de férias com tempo para pensar; e convinha que pensassem no que vão fazer ao depositar o seu voto numa urna. Não estou a fazer um apelo à abstenção, nem ao voto em branco; estou a fazer um apelo a que os cidadãos se tornem mais exigentes e pensem que aquilo que é feito em seu nome só pode ser feito em seu nome se votarem em quem o faz.

Dizia Adriano Moreira que as árvores se conhecem pelos frutos. Se eu tiver no meu jardim uma oliveira estéril, procurarei ocupar-me dela, pô-la a dar azeitonas, senão é meramente decorativa. Ora as nossas oliveiras, os nossos partidos políticos, são hoje meros adereços decorativos, que usam a ideologia como imagem de marca que os distingue do partido ao lado e que são árvores estéreis.

Ou as pomos a dar fruto, e fruto são, ou mais vale erradicá-las e substituí -las por outras, mais sadias e frutuosas.

Assim como as coisas estão, ao votar, estamos apenas a avalizar um sistema que, de facto, já deixou de nos representar há muito e não quer saber de nós para nada.

Para pôr estas árvores a dar fruto, temos todos de nos empenhar muito mais, não premiar com o nosso voto quem nos mente e defrauda, não permitir que estes partidos políticos mantenham o monopólio da representação política, não deixar que dois ou três chefinhos, cujo maior talento consiste em manipular os outros, continuem a dispor do futuro do nosso país, alinhados sabe Deus por que agendas e de quem…

Talvez nas próximas eleições, que o nosso Presidente, em hora aziaga, marcou para Outubro e não para Junho, como responsavelmente devia ter feito, pudéssemos ensaiar uma pequena lição aos partidos: todos nós votamos num determinado círculo eleitoral; o exercício consiste em verificar quem são os candidatos que nesse círculo representam os partidos em que contamos votar e, se nessa lista houver algum que tenha contas a acertar com a justiça, com a moralidade, seja um pára-quedista sem qualquer ligação a quem o elege, pois bem, votemos noutros ou abstenhamo-nos, que sempre é mais higiénico, e tornemos pública a razão por que o fizemos. Se 10% dos eleitores fizessem isto, veriam como a coisa mudava e depressa.
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado
ex-secretário de Estado da Justiça

NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A anedota dos debates - o que está realmente em causa


Coesão

Fixem bem. É um verdadeiro monumento.

A fonte da grande porcaria é a Lei n.º 72-A/2015, de 23 de Julho: “Estabelece o regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral, regula a propaganda eleitoral através de meios de publicidade comercial e revoga o Decreto-Lei n.º 85 -D/75, de 26 de Fevereiro”. Tem somente duas semaninhas de vida: novinha e já arisca.

Esta lei maravilhosa resultou de proposta das direcções do PSD e do CDS-PP; e foi aprovada por maioria, com os votos favoráveis das bancadas governamentais (PSD e CDS-PP) e votos contra de toda a oposição (PS, PCP, BE e PEV) – tanto na generalidade, como na votação final global.

É desta lei que está a resultar a exclusão do CDS dos debates pré-eleitorais, porque se interpreta que a coligação “PaF - Portugal à Frente” (PSD e CDS) é uma só e a mesma candidatura. 

Segundo o que lemos nos jornais, o PS levantou o problema e o resto da oposição alinhou pelo mesmo diapasão. Só o BE aceitou inicialmente debater com Paulo Portas, embora também afirmasse, depois, que considerava pertinentes os argumentos do PS. O PCP seguiu a mesma posição do PS. E o PEV exigiu que, se Paulo Portas estivesse nos debates, Heloísa Apolónia também teria de estar, por integrar a coligação CDU, mas ser partido separado do PCP.

Coesão
Toda a questiúncula está nesta palavrinha: “candidatura”.

A resposta do CDS assenta no ataque ao Partido Socialista: que é “birra”; que tem “medo”; que é um partido do “toca e foge”. Além de tudo soar como uma garotada (o que mancha perante a opinião pública a desgastadíssima imagem dos partidos políticos), a resposta ilude o problema principal.

O PS e a oposição em geral fazem o seu papel: não lhes cabe facilitarem a vida à coligação governamental. CDS e PSD, o governo, a maioria é que estão a falhar no seu papel – e a oposição a rir-se. O que espanta, na verdade, é que nem nesta coisa simples dos debates os partidos do governo pareçam ter posição comum, estratégia concertada, entendimento efectivo. E esta linha, que se lê, também não ajuda: “o CDS não desarma da sua vontade de que Paulo Portas participe - sob o argumento de que é preciso avaliar em separado a participação do PSD e do CDS no Governo.” Avaliar em separado? 

O que este caso evidencia, de mais profundo, são estas duas coisas:
  • Primeiro, falta de seriedade no processo legislativo parlamentar. Como é que se chegou a este ponto de degradação política? Como é possível que, apenas poucas semanas depois de aprovada uma nova lei muito controversa, debatida para trás e para a frente, ao pormenor, logo surjam divergências tão frontais de interpretação entre os actores dos partidos políticos que a discutiram e votaram? Só pode haver manha e má-fé, habilidade e esperteza-saloia – o que desacredita a classe política perante a opinião pública. O que se passou nos bastidores para chegarmos a isto? Como é possível tão pouco respeito mútuo entre os próprios actores do processo parlamentar?
  •  Segundo, incapacidade da coligação em arrumar o assunto em três tempos. Bastaria o PSD partilhar clara e firmemente a interpretação do CDS e dizer que, ou era com a participação de todos os partidos principais (isto é, incluindo o CDS-PP), ou também não havia debates com o PSD – e o problema ficaria resolvido de imediato.
Já no final do processo legislativo, pareceu haver desentendimentos cruciais entre PSD e CDS, o que nunca foi esclarecido. Agora, esta aparente falta de solidariedade e de sintonia será talvez a “paga” de outras faltas, em momentos mais graves e delicados para o país, em que a direcção do CDS falhou. Mas fica mal a ambos.

Coesão
O texto da última proposta e da lei adoptada terá talvez erros de principiante, ao falar mais vagamente de “candidaturas”, quando, no princípio de tudo, a proposta inicial de PSD e CDS-PP falava de “forças políticas com representação parlamentar”. Mas o texto legal dificilmente suporta o que se quer fazer ao CDS: “A representatividade política e social das candidaturas é aferida tendo em conta a candidatura ter obtido representação nas últimas eleições, relativas ao órgão a que se candidata.” A candidatura é a Assembleia da República; e, se o CDS não conta porque agora é só a “Portugal à Frente”, então o PSD também não pode contar – tudo se passaria como se a PaF fosse como o JPP, o Livre/Tempo de Avançar, o PDR ou o Nós, Cidadãos – isto é, tudo “candidaturas” novas, sem representação parlamentar actual.

Se a coligação não tem coesão para vencer esta prova de lana caprina, como mostra que será capaz de a ter perante as provas mais duras da governação futura e da reforma estrutural do Estado? 

Isto é o mais sério – e o que está por debaixo destes arrufos. 

Se a oposição conseguir pôr em evidência a falta de coesão na coligação e entre as suas lideranças, marca pontos. É como ganhar um debate, sem sequer sofrer o desgaste de o fazer.

Coesão