quarta-feira, 13 de abril de 2016

O sectarismo funcional da refundação do CDS


A palavra "refundação", usada muitas vezes como coisa boa, tem um lado detestável: o sectarismo cronológico que consagra. "Antes de", não haveria; tudo só teria começado "depois de". É um sectarismo funcional.

A direcção do CDS anunciou por estes dias uma iniciativa política parlamentar na área da família e da natalidade. É um movimento positivo. Duplamente: primeiro, porque é bom tomar iniciativas; segundo, porque este temário é importante, sendo fundamental colocá-lo regularmente na primeira linha da agenda nacional.

Poderia fazer alguns comentários sobre o seu conteúdo: sobre aspectos fundamentais que omite (nomeadamente, quanto a erros ou falhas do governo PSD/CDS anterior); ou quanto ao impacto de algumas propostas. Talvez venha a fazê-lo, mas não hoje, nem aqui. A iniciativa política é boa.

O que aqui comento é outro aspecto: a afirmação de que o partido só trabalhou estas áreas desde 2007, justamente o ano em que Assunção Cristas entrou no CDS e chegou à sua direcção. A frase exacta, ontem repetida insistentemente em vários boletins de notícias da TSF, é esta: um tema que é "uma preocupação consistente do partido desde 2007".

Quem não se sente não é filho de boa gente.

Fui o presidente do CDS no período exactamente anterior, 2005/07. E quer eu próprio, quer a minha direcção tomámos várias iniciativas na área da família e da natalidade. Começámos a assinalar sempre o Dia Internacional da Família, a 15 de Maio - existe desde meados da década de 90, mas isso nunca fora feito; e assinalava-o quer por cá, quer em sessões que organizava com outros colegas no Parlamento Europeu, onde era deputado. Fiz intervenções e coloquei questões sobre a crise demográfica, no âmbito europeu, algumas vezes em articulação com o meu irmão, que era o presidente da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas e que mais puxou pelo tema "crise demográfica" em Portugal - a partir de 2008, promovi a divulgação e o debate, em Bruxelas e Estrasburgo, dos documentários "Inverno Demográfico", que constituem um importante marco internacional nesta área;  mas isto foi a sequência e o corolário de trabalho desenvolvido desde anos antes. A partir de 2002 e até 2099, fui o vice-presidente do Intergrupo para a Família e a Criança (extinto depois de ter saído do Parlamento Europeu), onde os temas Família e Natalidade foram abordado regularmente, preparando debates ou entradas em relatórios. Em 2003, deputado europeu do CDS, patrocinei e fiz financiar a tradução e a divulgação de um relatório muito crítico sobre políticas e práticas muito negativas do UNFPA, que têm afectado a família e a natalidade em vários países do mundo. Em 2005, como Presidente do CDS, preparei e fiz aprovar a Carta do Autarca Democrata-Cristão, que tinha um capítulo próprio sobre "Autarquias Amigas da Família" - esta Carta do Autarca, que poderia ir sendo acrescentada e melhorada, foi, entretanto, a pouco e pouco, jogada no lixo pela direcção que me sucedeu (sinal do mesmo "sectarismo funcional"), embora algumas das suas ideias e orientações permanecessem, sem menção de fonte e de origem. No final da minha presidência, iniciámos um novo instrumento de informação e reflexão política: um "Boletim Económico" (do CDS), quinzenal, muito bem feito, embora com meios rudimentares, pelo Fernando Paes Afonso com o Miguel Morais Leitão. O primeiro número desse Boletim foi nem mais, nem menos do que sobre uma análise cuidada da evolução da demografia em Portugal e das suas consequências para a economia - o que, para a época, era uma abordagem inteiramente "revolucionária".

É verdade que, na direcção que me sucedeu, Assunção Cristas foi escolhida para liderar um Grupo de Missão sobre Natalidade, que apresentou um Relatório em Novembro de 2007. Este relatório é uma base de referência positiva, sem dúvida. Mas daí a dizer que é o começo da História...

Um dos aspectos mais caricaturais do "portismo" é a tendência irreprimível para o a.P./d.P. - antes de Portas, depois de Portas - em que todos os biógrafos oficiais e outros divulgadores avençados têm de mostrar-se suficientemente adestrados: antes de mim, as trevas; depois de mim, o dilúvio. É certo que Assunção Cristas e a sua direcção não terão razões para temer o "portismo", que os não vê como dilúvio, mas como continuidade - os mais fervorosos adeptos de Paulo Portas e de Assunção Cristas vêem-no como S. João Baptista do "cristanismo". Porém, Assunção Cristas deverá, ao menos, na continuidade em que se inscreve, reparar e eliminar os seus traços egocêntricos mais negativos. Um partido aberto e verdadeiro não é assim.

A História não começou em 2007. O sectarismo funcional nunca presta; faz mal.

O CDS tem, desde sempre, um longuíssimo compromisso com a Família e a Natalidade. É mesmo uma sua marca matricial. Citei acima algumas coisas que fiz e em que intervim, mas conheço outras de muito antes. Em matéria de Família, lembro-mede outras desde a fundação do partido em 1974 e até aos inícios dos aos '80. E, quanto à Natalidade, o CDS foi sempre, que me lembre, um olhar desperto, um espírito atento e uma voz de alerta e proposta.

José Ribeiro e Castro

2 comentários:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

A ideia , parece ser única e exclusivamente falar, falar, para não estar calada.

E para mostrar-se Chefa!!!

Mesmo indo buscar temas que nao sao os mais indicados, ou fazendo fogo directo ao alvo principal!!!

Pouco!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Unknown disse...

Totalmente de acordo amigo Augusto.