quinta-feira, 5 de maio de 2016

Uma crise de confiança

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, ontem saído no jornal i.

Não é simplesmente possível acreditar numa governação sem horizontes, sem sentido estratégico, com políticas titubeantes e a maior parte das vezes erradas, desprovida de uma justiça eficaz.

 

Uma crise de confiança
A crise que Portugal atravessa tem sido tema de inúmeras crónicas e análises. E por boas razões: a sua magnitude inclui dimensões económicas, políticas, institucionais e cívicas. Resumidamente e em síntese, poder-se-ia dizer que se trata de uma crise generalizada que atinge a confiança. Talvez por isso esta seja tão frequentemente referida e tantos apelos lhe sejam feitos. 
A confiança, tal como muitas outras dimensões da vida relacionadas com comportamentos, tem por base a experiência passada; logo, assenta em factos e requer provas. Porém, a nossa experiência passada na esfera política e da governabilidade só muito dificilmente permite gerar essa tão necessária confiança. E sem ela, dificilmente se conseguirá o grau de respeitabilidade, previsibilidade e responsabilidade indispensáveis à tomada das decisões que o funcionamento eficaz da economia e da sociedade exigem. A confiança é tanto mais necessária quanto todo o comportamento humano tem sempre associado uma certa aleatoriedade; é a confiança que permite conter esta no campo do risco aceitável. 
Para além de, atualmente, não existir no país um consenso sobre quais os vetores que perspetivam o desígnio nacional que torne possível equacionar e aceitar o presente, o sistema político não tem sido capaz de produzir novas elites nem instituições geradoras de confiança. Sem um projeto comum, não é possível interpretar o presente nem perspetivar o futuro. E sem instituições inclusivas, que favoreçam consensos, promovam a negociação e permitam equilíbrios sustentáveis, não se conseguirá crescimento económico duradouro e bem-estar social. Negociar é uma das características primordiais das relações democráticas e de igualdade e fator de confiança. 
É, pois, este contexto de ausência de grandes objetivos comuns e de um sistema político capaz de promover a conciliação de correntes de opinião que faz com que as instituições se descredibilizem e façam parte do problema. Gera-se, assim, a desconfiança no Estado - com a consequente suspeita e desrespeito pela lei - e a desresponsabilização dos cidadãos, envoltos numa cultura avessa à avaliação e ao mérito que fragiliza a sociedade civil e mina a confiança. 
Ao que precede acresce - e decorre, em parte - a falta de credibilidade de grande parte das políticas prosseguidas por sucessivas governações. Estas têm-se mostrado reféns dos mais variados - embora nem sempre os mesmos - grupos de interesses e incapazes de definir de forma transparente o rationale subjacente às suas decisões, de mostrar claramente que estas se pautam pelo interesse nacional, e não por quaisquer interesses individuais ou de grupo. O contrário parece ser verdade, assistindo-se ao desenrolar de factos reveladores de corrupção, de práticas fraudulentas e desrespeitadoras dos mais elementares princípios éticos e de conflitos de interesse, sem que se assista à incriminação e julgamento dos responsáveis. O país encontra-se perplexo perante os inúmeros casos, que têm sido relatados, de clara violação das leis e da ética que já custaram ao país vários milhares de milhões de euros - e que, presumivelmente, ainda muitos mais irão custar - sem que ninguém seja responsabilizado. Aparentemente, tudo se esfuma na “memória coletiva”. 
Com tal desresponsabilização e falta de credibilidade na governança interna, não é possível a confiança. Deste modo, não é legítimo nem necessário recorrer aos inúmeros erros da governança exterior a Portugal para explicar as razões pelas quais a economia portuguesa não arranca, nem aos baixíssimos níveis de investimento no país - seja nacional ou estrangeiro. Não é simplesmente possível acreditar numa governação sem horizontes - de navegação à vista e pressionada pelos acontecimentos -, sem sentido estratégico, com políticas titubeantes e a maior parte das vezes erradas, desprovida de uma justiça eficaz. É por isso que, em vez do investimento indispensável ao país, assistimos a destruição de valor e a fugas de capital - financeiro e humano. 
Torna-se imperioso um grito de alerta quanto ao ponto a que chegámos. Há situações a partir das quais o sentido da evolução é irreversível. A história revela-nos alguns exemplos. Não basta clamar por confiança. É indispensável dar provas de que ela é merecida. Credibilidade e transparência das políticas prosseguidas, objetivos claros, inseridos numa estratégia com prioridades claramente assumidas e com responsabilização dos governantes são fatores determinantes da mesma. Temos todos de agir enquanto é tempo.
José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

3 comentários:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Estamos sem dúvida a não ter horizontes, e a não confiar em nada e em niguém.

Daí o viver um dia de cada vez...como se não houver AMANHÃ!!!

MAU, MUITO MAU!

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Mas já estamos asim há um bom par de anos.....e ainda nao batemos no fundo.....vai descer mais......

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Um pouco circunscrito, que está a ficar este n/ blog? ou é impressão desajustada da realidade??