quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A mensagem presidencial da reinvenção

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído hoje no jornal i.
A melhor contribuição de Marcelo para o progresso será usar a sua imensa popularidade para definir uma estratégia e dar um novo sentido de direção ao país.


A mensagem presidencial da reinvenção
Já passou algum tempo desde a mensagem de fim de ano de Marcelo Rebelo de Sousa, mas, dada a sua importância estratégica, volto ao tema para afirmar que foi bastante adequada às circunstâncias e revelou a inteligência e a finura políticas do Presidente, que alterna entre a cultura florentina e o espírito do homem do povo. Por outro lado, é um facto que a sua intervenção pública durante todo o ano passado foi muito relevante no sentido de pacificar a sociedade portuguesa e de prevenir – por vezes, evitar – que os sucessivos erros do governo e as intervenções contraditórias de António Costa colocassem em causa a estabilidade da governação.

Foi porventura o lado florentino do Presidente que inventou a palavra “reinvenção”, repetida várias vezes durante o discurso, palavra que o Presidente deixou à interpretação dos muitos comentadores que os meios de comunicação chamaram para o efeito. O resultado, claro está, foi o de durante algum tempo não se ter falado de outra coisa mas, infelizmente, sem acrescentar muito para a compreensão da mensagem. Não admira, pois o pensamento crítico não é o forte da atividade política que existe entre nós.

É neste contexto que me pergunto se o estilo e o conteúdo das mensagens do Presidente da República nestes dois anos que leva de magistério são, ou não, os mais úteis no presente contexto de bloqueio de reformas em que vivemos e os mais eficazes para o progresso da nação. E reconhecendo que o Presidente tem sido de grande utilidade na criação do tal clima de apaziguamento e de normalidade na sociedade portuguesa, não duvido de que Marcelo Rebelo de Sousa corre o risco de contribuir, de alguma forma, para o adormecimento dos portugueses, retirando-lhes a necessária capacidade de se reinventarem na procura de novas soluções democráticas, ou seja, a negação da ideia virtuosa da reinvenção. Recordo aqui que os grandes de Portugal não o foram pelo apaziguamento, mas pela criação de novos mundos.

Acredito, por isso, que a melhor contribuição de Marcelo Rebelo de Sousa para o progresso nacional será, nas atuais circunstâncias, usar a sua imensa popularidade para definir uma estratégia e dar um novo sentido de direção ao país. Mais democracia, transparência e reforço das instituições da sociedade, ou o esmagamento da sociedade pelo Estado? Portugal meramente europeu e periférico, ou Portugal euro-atlântico no centro do Ocidente? Economia de mercado, de exportação e de atração do investimento estrangeiro, ou a atual mescla conservadora de tudo um pouco, sem nada fazer de relevante e sem as reformas corajosas de que o país precisa?

Acresce que não basta falar de reinvenção, sabendo-se que o modelo político que nos governa é dominado pelas oligarquias partidárias e que o Estado foi colocado ao serviço dessas oligarquias. Com a nota de que a geringonça introduziu, por si só, um novo modelo de autocontentamento conservador e pouco dado a reinvenções. Até aqui, apenas inventou desgraças, mortes, ausência de transparência governativa e escândalos vários. Isto, claro está, se pensarmos, como eu penso, que a melhoria da situação económica não resultou de qualquer ação do governo, para além de aproveitar o bom momento económico para a redução do défice. Recordo que as empresas exportadoras têm um quinhão elevado no atual sucesso económico, tendo-se sobreposto à prioridade inicial do governo de optar pelo mercado interno.

Seja como for, e apesar de apoiar o papel positivo da ação do Presidente da República durante estes dois anos, considero essencial que até ao fim da legislatura exerça a sua influência no sentido de dotar Portugal de uma estratégia nacional orientadora da economia, do investimento e do valor essencial que a logística de exportação representa no objetivo central de um Portugal moderno, por exemplo direcionando os investimentos públicos para esse objetivo. Se o fizer, terá um lugar seguro na história deste século, como o iniciador de uma nova fase de progresso nacional no contexto da globalização.

É esta a reinvenção necessária no atual momento da vida nacional, com a dúvida metódica que mantenho: se o progresso do país e a solução dos nossos problemas políticos, económicos, financeiros e sociais são possíveis no contexto de uma democracia capturada pelas oligarquias partidárias. Mas essa é uma outra história em que o Presidente da República terá de pensar.

Henrique NETO
Empresário
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


NOTA: artigo publicado no jornal i.


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