quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

As prioridades económicas de Portugal e a coesão social

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, ontem saído no jornal i.
Após o falhanço resultante das políticas públicas e das atuações privadas que se seguiram à entrada de Portugal no euro, o quadro estratégico português alterou-se radicalmente.


As prioridades económicas de Portugal e a coesão social
Completaram-se há poucos dias 30 anos desde que Portugal integrou a então designada Comunidade Económica Europeia. 
Na altura, o objetivo prioritário era o de estabilizar politicamente o regime democrático para que a economia pudesse florescer e, dessa forma, saísse reforçada a coesão social. 
Pode dizer-se que este paradigma prevaleceu e teve sucesso até à entrada de Portugal no euro. 
Após o falhanço resultante das políticas públicas e das atuações privadas que se seguiram à entrada de Portugal no euro, o quadro estratégico português alterou-se radicalmente. 
A globalização, ao relativizar, para não dizer subalternizar, a posição da União Europeia no contexto mundial, veio colocar exigências acrescidas a Portugal em termos da qualidade das suas prioridades económicas. 
Começando por uma necessária vocação exportadora de bens e serviços que assegure, de forma sustentada, o emprego qualificado que fomenta a estabilidade social. 
Ora, para que as exportações atinjam os 45 a 50% do PIB, é urgente que se fomente uma “reindustrialização moderna”, baseada na inovação tecnológica, no design mais apelativo e nas trade marks de referência. 
Tendo as exportações conseguido subir de um contributo mínimo de 28% do PIB, em 2010, para cerca de 41% em 2015, Portugal fez um esforço significativo e muito relevante, mas a meta necessária está ainda longe e exige investimentos significativos e uma adequada mobilização de recursos humanos bem preparados e motivados. 
Para permitir esses investimentos, as políticas públicas têm de favorecer o reforço dos capitais próprios das empresas, o que deve ser motivado por uma adequada política fiscal por parte do Estado. 
Ora, uma grande parte das empresas portuguesas estão descapitalizadas e, em simultâneo, a união bancária europeia coloca exigências acrescidas à banca em termos de poder financiar, com o necessário escrutínio, o desenvolvimento da atividade empresarial. 
Ou seja, para favorecer o investimento produtivo e criador de emprego, as políticas públicas têm de favorecer o reforço dos capitais próprios das empresas, o que deve ser motivado por uma política fiscal do Estado, complementada por uma consciência social dos empresários para mobilizarem o máximo dos seus capitais próprios disponíveis no reforço da produtividade das suas empresas. 
Em termos de política fiscal a anunciada recriação do imposto sucessório arrisca-se a ser mais uma forma de desincentivar a capitalização das empresas familiares. 
Neste sentido, valerá a pena recordar o sistema alemão, que isenta de imposto sucessório a participação social em empresas desde que estas não sejam transacionadas nos cinco anos após a receção da respetiva herança. E esta orientação é uma das bases fundamentais da perspetiva de longo prazo do empresariado industrial alemão. 
Além disso, nesta altura, uma política pública de fomento ao consumo pode provocar o enfraquecimento da competitividade das empresas produtoras de bens e serviços transacionáveis nos mercados globais, o que irá destruir emprego. 
Mais. Provocará um círculo vicioso em que o enfraquecimento das empresas aumentará as imparidades do que ainda resta da banca de capitais portugueses. 
Ou seja, feita com a melhor intenção de reforçar o bem-estar social, mas sem fortalecer o tecido empresarial, este tipo de política consumista arrisca-se a pôr em causa a coesão social. 
Pelo contrário, uma orientação macroeconómica exigente que inspire a confiança dos investidores será capaz de conduzir ao reforço dos capitais próprios das empresas, que será o melhor garante do investimento produtivo, da salvaguarda do emprego e, em consequência, do reforço da coesão social. 
Assim, pode dizer-se que, hoje, a estabilidade do regime político e a indispensável coesão do tecido social dependem das prioridades económicas que vierem a ser definidas quer pelas políticas públicas, quer pelas opções empresariais. 
É esta a encruzilhada decisiva em que nos encontramos, exatamente 30 anos depois de termos entrado para a Comunidade Económica Europeia.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

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