quarta-feira, 17 de maio de 2017

Mitos e obstáculos

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.
Mito é pensar-se que o Ministério das Finanças é o Ministério das Finanças do país, quando geralmente tem sido apenas o Ministério das Finanças das administrações públicas.


Mitos e obstáculos
O país tem vivido de mitos, de tal modo assimilados que já são tomados como realidade. Eles servem a classe político-burocrática instalada que os sustenta e dinamiza, pois lhe trazem retorno eleitoral assegurado.

Mito é pensar-se que o Ministério das Finanças é o Ministério das Finanças do país, quando geralmente tem sido apenas o Ministério das Finanças das administrações públicas, ou até só de algumas, ou unicamente do setor público estatal. Para melhor servir tal objetivo, o Ministério das Finanças tornou-se tentacular, comandando ou influenciando decisivamente cada vez mais áreas e organismos, acentuando a prevalência do Estado na esfera económica e tornando clara a subordinação da economia real à lógica das administrações públicas e do calendário eleitoral. Prova é a política fiscal, concebida ao exclusivo serviço do Estado e ao arrepio da economia, ou a política orçamental, ao serviço dos interesses das burocracias instaladas e dos partidos do poder. O Ministério das Finanças, salvo honrosas exceções ou mercê de imposição externa, tem-se constituído como o grande patrono dos interesses burocráticos e partidários, prodigalizando-lhes o dinheiro que retira à economia, ao investimento, à formação e reorganização empresariais, e, assim, à produtividade e inovação.

Segregar do Ministério das Finanças muitas das funções que detém seria o melhor símbolo de autonomia da economia real (e do Ministério da Economia…) face às finanças públicas.

Também o mito eólico leva as pessoas a acreditar, já sem questionar, que o vento tornaria, por si, a energia mais barata. O mito fez esquecer que se tratava, e trata, de uma indústria de capital intensivo e de tecnologias que nem sequer dominamos, que levou a investimentos desproporcionados em relação à dimensão portuguesa, exigindo outros complementares nas fontes tradicionais que compensem a intermitência do vento, gerando dessa forma custos de oportunidade injustificados. O mito fez aceitar uma política energética cara, altamente lesiva dos interesses dos cidadãos e das empresas, afectando a economia familiar e a competitividade empresarial.

Outros mitos estão presentes na sociedade portuguesa. O mito da liberdade de empreender e investir, que não existe, sujeita a condicionamentos de toda a ordem; o mito da ecologia radical, que mais não faz que destruir projetos económica e ambientalmente interessantes; o mito do Estado produtor, que destrói a ideia de um Estado eficiente, regulador e fiscalizador; o mito da tragédia das falências e da bondade do apoio do Estado a empresas em dificuldade, que impede o rejuvenescimento do tecido produtivo.

Tais mitos traduzem-se em obstáculos ao desenvolvimento porque geram uma cultura que vê no Estado a solução dos problemas e o agente do progresso, logo uma cultura de aversão ao risco, de anti-empreendedorismo e de desconfiança face à globalização, inibidora de vontades e de projetos. Como estimulam a mentalidade conservadora da administração pública e a resistência à mudança, traduzidas num acentuar do seu poder burocrático, gerador de corrupção, e inibindo uma concorrência sã, pilar da economia de mercado.

E se os antigos gregos cultos viam a mitologia como forma de educação que indicava o caminho a seguir, distinguindo claramente as diversas categorias de deuses e heróis, insólito é que os portugueses de hoje ainda aceitem acriticamente toda a mitologia que a existente nomenklatura política, perpetuada pelo sistema eleitoral, lhes vai diariamente incutindo.

Zeus ofereceu à sua filha Pandora uma caixa de cobre, mas ordenou-lhe que nunca a abrisse. Mesmo avisada de que nunca deveria ter aceitado presentes dos deuses (e eu diria, nós, do Estado…), não resistiu a abri-la. Dela saíram todos os males do mundo, sofrimento, pobreza, velhice, doença… Desesperada, Pandora tentou fechar a caixa, mas era tarde. E então espreitou lá para dentro. E viu que uma estrelinha ainda lá tinha ficado, muito escondida, mas bem reluzente. Era a esperança!...

Possa também o Projeto Por Uma Democracia de Qualidade alimentar essa esperança de um novo processo eleitoral que leve à erradicação da classe político-burocrática instalada que sustenta os mitos e vive deles, substituindo-a por outra, de cabeça limpa, disposta a remover os obstáculos ao nosso desenvolvimento.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade


1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

PÚBLICO 23.05.2017


Portugal, país bipolar

Com a nossa bipolaridade nacional, passamos rapidamente de um estado de angústia profunda pelo nosso empobrecimento ao estado de euforia exacerbada pelo nosso enriquecimento.

E como, ao longo dos nossos nove séculos, já o fizemos por diversas vezes, e sempre sem desfechos aconselháveis, convirá não o fazer uma vez mais, agora em euforia de haver muito dinheiro e ter que se gastar todo a correr seja como e em que for.

No passado recente, criou-nos um endividamento que ainda aqui está, do Estado de 130% do PIB e dos privados e particulares de 220% do PIB.

E se voltarmos hoje a achar-nos ricos, estaremos tão rápida e novamente numa angústia existencial a pedir ajuda às troikas que nos “levam coiro e cabelo em juros” e nos põem, uma vez mais, quais pedintes, de gatas. (...)

Augusto Küttner de Magalhães,
Porto