Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.
Tal como nós, Manuel Braga da Cruz aconselha a reforma das leis eleitorais, nomeadamente através de círculos uninominais e de um círculo nacional.
O sistema político português
As ideias e as propostas que os subscritores do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade” têm defendido, nomeadamente nas páginas deste jornal, acabam de receber um apoio qualificado na publicação de um importante ensaio do prof. Manuel Braga da Cruz com o título “O sistema político português”. Trata-se de um ensaio de grande lucidez e atualidade, escrito numa linguagem clara, que nada deixa de fora da história do nosso regime político após o 25 de Abril, dos seus vícios e dos interesses que ao longo dos anos se têm escondido no conservadorismo de leis feitas por conveniência e pela promiscuidade com o Estado, ao ponto de o autor escrever que “são hoje notórios os sinais de degradação do nosso sistema democrático representativo”. Para demonstrar a afirmação, o autor dá dados: “O número de jovens portugueses que consideravam que a democracia funcionava bem desceu, de 2007 para 2015, de cerca de 33% para 17,3%. O número de jovens que participavam em partidos desceu, nesses mesmos anos, de 13,6% para 3,7%, e os que participavam em sindicatos decresceu de 12,1% para 3,6%.”
O prof. Manuel Braga da Cruz explica ainda algo essencial e hoje muito esquecido: “Os partidos saíram reforçados da transição constitucional, mormente com a desmilitarização da vida política e com a redução dos poderes do Presidente da República, na primeira revisão da Constituição de 1982. O afastamento dos militares da cena política e o seu regresso aos quartéis, a reeleição civil do Presidente Eanes e o seu abandono da chefia do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a extinção do Conselho da Revolução e a sua substituição por órgãos civis tornaram os partidos os grandes e exclusivos atores da vida política nacional.” E, mais à frente: “Os partidos detêm o monopólio da representação política e controlam ferreamente o acesso ao parlamento, através do sistema eleitoral de lista fechada.” Ou ainda: “Os partidos arriscam-se a representar não o melhor, mas o pior da sociedade. Muitos dos melhores afastam-se da política e dos partidos, com a consequente debilitação das lideranças.”
Tal como nós, Manuel Braga da Cruz aconselha a reforma das leis eleitorais, nomeadamente através de círculos uninominais e de um círculo nacional (refere aqui o sistema alemão), e preconiza um equilíbrio virtuoso entre a governabilidade e a representatividade porque, na atualidade, diz ele: “ A unidade básica do parlamento português não é o deputado, mas o partido. O parlamento é uma câmara de partidos.” Esclarecendo a seguir: “Os grupos parlamentares são mais um órgão do partido no parlamento do que o inverso: um instrumento do parlamento no partido.”
Parece, pois, evidente que depois do período revolucionário, em que o poder militar limitou de alguma forma o poder dos partidos políticos, a generosa intenção então existente de democratização do regime foi aproveitada para dotar os partidos de todo o poder, o que fizeram tomando conta do aparelho do Estado em todas as suas dimensões. São os partidos que designam membros do Conselho de Estado, do Tribunal Constitucional, do Conselho Superior da Magistratura, o procurador- -geral da República, a administração do Banco de Portugal e de todas as empresas públicas. Além disso, a conhecida promiscuidade entre os partidos e o mundo dos negócios faz com que mesmo em empresas privadas, como é o caso da EDP, os partidos mantenham ex-governantes e militantes seus em lugares de direção, solução promovida ou aceite pelos acionistas como a forma útil de manterem os favores do Estado, que representam milhares de milhões de euros anualmente.
Finalmente, como escreve o prof. Braga da Cruz: “Os Gabinetes de Estudo e Planeamento, que asseguravam a reflexão do Estado sobre si e sobre as suas estratégias setoriais, foram encerrados ou desvalorizados. E acabaram a ser substituídos por outsourcing de gabinetes de projetos ou de advocacia que não têm, nem podem ter, visão de Estado e do interesse público.”
A publicação em livro do ensaio “O sistema político português”, do prof. Manuel Braga da Cruz, representa um excelente serviço prestado à democratização do regime e à luta dos signatários do “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”.
Henrique NETOGestor
1 comentário:
PÚBLICO 03.06.2017
Autarca não deveria ser profissão e eternização
Continuamos todos, eleitos e eleitores, a “fazer de conta” que não vemos o que está à nossa frente, e nas redes sociais protestamos, insultamos, desabafamos sobre o que nada tem a ver com o tema em causa (...).
E queixamo-nos que os políticos, genericamente, não são de confiança, que estão nos lugares para lá se eternizarem, mas nada fazemos “democraticamente” para que tal não continue a acontecer.
Estamos em pleno em “autárquicas”, e aflora-se se o número de deputados não deveria ser menor, tal como estabelece o art.º.. 148 da nossa Constituição, uma vez que é um tema que não vai ser agora regulado, e na hora ficará esquecido.
Mas nada se fala quanto ao número excessivo de câmaras municipais.
Depois, tenta-se remediar a situação, não permitindo que “alguém” se candidate a várias mandatos na mesma autarquia consecutivamente, mas, fazendo um pousio, pode regressar e candidatar-se novamente à mesma autarquia.
As culpas são repartidas, dos eleitos ou putativos eleitos que se profissionalizam nas eleições e nas políticas, e dos eleitores que os elegem.
Augusto Küttner, Porto
Enviar um comentário