Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
Durante o mandato de José Sócrates criou-se um sistema elétrico monstruoso que protege a energia eólica. Quem paga esta proteção? Todos os consumidores de eletricidade em Portugal.
A perversão da electricidade
Uma Democracia de Qualidade tem como objectivo eleger políticos sérios que exerçam os seus cargos com competência e ao serviço dos cidadãos.
No caso da política energética portuguesa, o objectivo prioritário é o de se conseguir uma base energética que fomente o emprego na economia e, em especial, nos sectores transacionáveis.
Ora, em Portugal, durante o mandato de José Sócrates, criou-se, em 2007, um sistema eléctrico monstruoso, pela inclusão simultânea de duas componentes legais:
a) Promoveu-se a instalação de 5.600 MW de potência eólica intermitente, toda ela protegida legalmente por tarifas “feed-in”;
b) Manteve-se em vigor, e nalguns casos reforçou-se, os CMEC, que eram destinados a “proteger do mercado” as receitas de exploração das centrais que anteriormente serviam de base à produção eléctrica.
As tarifas feed-in garantem, por Lei, duas vantagens fundamentais aos produtores de eletricidade de origem eólica intermitente:
- Um preço garantido, muito acima do preço de mercado - e asseguram esse preço mesmo que não haja consumo no momento da produção.
- Prioridade à energia eólica produzida de forma intermitente, em termos de entrada na rede, afastando assim outras fontes de energia que estejam disponíveis nesse momento e a preços muito mais baixos.
E quem paga, por Lei, estas proteções é o conjunto de todos os consumidores de electricidade em Portugal.
Para melhor se perceber o absurdo deste quadro legal, vejamos dois exemplos:
1) - Consideremos que a Central de Sines se encontra a fornecer eletricidade ao sistema a 35 euros/MWh mas que surge, entretanto, um aumento de vento que introduz no sistema 1.000 MW de potência que beneficia dum preço garantido de 100 euros/MWh. Então, o sistema tem que comprar esta electricidade, deixando de comprar a que estava disponível mais barata.
O que significa que, em cada hora, esta substituição provoca um sobrecusto de 65.000 euros, ou seja, um custo adicional de 1,6 milhões de euros por dia…
Só que os prejuízos que esta descida de produção provoca na Central de Sines também serão pagos pelos consumidores, dado que esta Central está protegida por um CMEC que visa exatamente eliminar estes impactos negativos na respectiva exploração.
2) - O segundo exemplo da irracionalidade económica deriva de que, se, num dado momento, houver excesso de produção eólica e o sistema elétrico português não a puder absorver, ela poderá ser exportada para Espanha.
Só que, aqui, o produtor eólico já está pago pelos referidos 100 euros/MWh que a Lei lhe garante, à custa dos consumidores portugueses, que, neste caso, não vão consumir essa eletricidade, a qual, depois, pode ser vendida a consumidores espanhóis a preços de mercado, como o MIBEL prevê.
O que significa que os consumidores espanhóis podem, depois, pagar a apenas 5 euros/MWh esta eletricidade, que já tinha sido paga aos produtores eólicos por 100 euros/MWh.
É este cocktail explosivo, derivado das limitações tecnológicas da intermitência eólica e dum quadro legal absurdo, que também originou a famosa Dívida Tarifária, que continua a atingir quase 5.000 milhões de euros.
Como é possível o consumidor pagar a eletricidade tão cara e ser-lhe atribuída em cima disso a responsabilidade por uma Dívida Tarifária?
Porque os sobrecustos deste sistema monstruoso são de tal forma elevados que, em vários anos, os responsáveis optaram, por razões políticas, por não fazer pagar todos esses custos nesse mesmo ano e, em vez disso, diferi-los para serem pagos em vários anos futuros.
Só que, com estas regras, os sobrecustos continuam a ser tão altos que a Dívida Tarifária permanece, apesar das tarifas serem tão elevadas.
É como se tivesse criado uma perversão para evitar que a eletricidade produzida em Portugal possa ser usada para criar empregos no nosso país.
E o que se pode fazer para se atenuar este desastre?
Em primeiro lugar, acabar em absoluto com a atribuição de tarifas feed-in a quaisquer tipos de novos produtores, para que o problema não aumente ainda mais.
Em segundo lugar, renegociar as tarifas feed-in e os CMEC ou, pelo menos, não criar mais qualquer tipo de CMEC, que assim se extinguirão a prazo, começando já em finais deste ano com o CMEC da Central de Sines que, ao passar a mercado, será um contributo para reduzir as tarifas.
E, em terceiro lugar, pressionar a Europa, juntamente com Espanha, para que as interligações Península Ibérica/França sejam reforçadas e, assim, se possa vender electricidade quando ela for cá excedentária, ou comprar em França quando ela for mais barata do que na Península Ibérica, melhorando, assim, o custo da base energética em Portugal.
Eis pois um excelente objectivo a alcançar por uma Democracia de Qualidade em Portugal.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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