quarta-feira, 12 de julho de 2017

Conto de uma noite de verão

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
O golpe mediático dos eucaliptos tinha sido realmente de génio. Os idiotas úteis do tipo MST na “Newsweek” e o trotskista de serviço no “New York Times” tinham-se atirado aos eucaliptos com uma sanha notável, culpando-os de tudo.

Conto de uma noite de verão

Foi numa noite de setembro igual a tantas noites de setembro. Na Casa Branca, Donald Trump estava sentado, enfastiado, sem fazer nada, quedo, imóvel.

Levantou-se lentamente e dirigiu-se à janela, fitou com olhar lânguido o Bósforo que lá em baixo refletia, prateado, uma lua cheia.

“O que fazer?”, pensou. O que fazer? Nos últimos dois anos tinha inventado um golpe de Estado para se ver livre dos adversários, sobretudo do McCain, o tipo que inventou a Sarah Palin e tinha a mania que era dono da alma do partido;

Tinha-se visto livre dos generais da velha guarda, os tipos que achavam que a OTAN e os tratados internacionais de segurança mútua eram a última coca-cola do deserto;

A sua gente tinha inventado os melhores bodes expiatórios, os eucaliptos, o SIRESP, fosse o que fosse, menos assumir responsabilidades pelo que corresse mal.

O golpe mediático dos eucaliptos tinha sido realmente de génio. Os idiotas úteis do tipo MST na “Newsweek” e o trotskista de serviço no “New York Times” tinham-se atirado aos eucaliptos com uma sanha notável, culpando-os de tudo: crises, bancarrotas, incêndios, mortes, revoluções, desgoverno, desorganização do território, caos urbano, o que fosse. Até dava gosto.

O vice-primeiro-ministro, o Celinho, o das ternuras, tinha ajudado a pegar ao pálio: chorava muito, comovia a populaça.

Pois sim, mas tudo isto era inútil, águas passadas, águas paradas. Agora, do que ele precisava era de um golpe de génio, de um big bang criador, mudar de paradigma. O que não muda apodrece, pensou.

O olhar fixou-se na água do Bósforo, num ponto impreciso: podia sempre libertar o Leopoldo López, esse pateta, acalmar a oposição; podia rever os círculos eleitorais, dava que falar à oposição uns meses, punha os opinadeiros a opinar e, no fim, ninguém mudava nada.

E lançar a coisa da renegociação da dívida? Era melhor guardar essa na manga para quando a poluição sobre Washington fosse tão violenta que até ele viesse a desejar não ter abandonado o acordo de Paris.

Não! Do que ele precisava mesmo era de um ato de destruição criadora. O velho Schumpeter é que sabia. Fora com o velho, venha o novo.

Mas o quê? Mísseis balísticos intercontinentais, para assustar a rapaziada? Tinha experimentado e chamaram-lhe maluco, palhaço. Invadir a Ucrânia? Tinha experimentado, acabou com a Crimeia ocupada, uma coisa de nada. Abater um avião de passageiros, para chamar a atenção? Sim, tinha resultado, um horror, 15 dias de imprensa, nem sequer a culpa lhe tinha sido assacada, ficou a dúvida. “É para isso que servem as comissões de inquérito”, pensou com um sorriso malicioso…

As águas do Bósforo corriam mansas lá em baixo. Ou seria o Tejo? O Potomac? Os estreitos marítimos não correm, estão.

Estava confuso, sem saber o que fazer. Voltou a sentar-se, pediu um chá de camomila e decidiu ali mesmo: aqueles três secretários de Estado, os “palermas da bola” que tinham ido ao Europeu (um ano antes!) iam à vida. Iam dar primeira página dos jornais, iam dizer que ele era um homem de grande rasgo, capacidade de decisão…

E se não dissessem, não tinha mal: até setembro não acontece nada tirando o país arder, e isso, já se sabe, é o habitual.

Viver habitualmente, arder habitualmente, morrer por hábito, era, tinha de passar a ser esse o princípio orientador da pátria ingrata e volátil.

Quais reformas, qual Schumpeter, qual destruição criadora, quem se mexe não fica na fotografia. Isso é que é.

Enquanto isto durar, “tant que ça dure”, como diziam os franceses, bem vai. Depois, quem vier que apague a luz.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.


1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

PÚBLICO 07.07.2017



A Áustria a criar uma fronteira dentro da Europa

A Áustria de quando em vez tem “saudades” do Império que já foi.

Tem tiques de “imperialismo/ nacionalista”, algo que já seria suficiente estar a acontecer em países que não sabem se querem continuar na Desunião Europeia ou regressar à Federação Russa, como a Hungria e outros.

A Áustria deveria meditar muito antes de colocar as Forças Armadas na sua fronteira com a Itália, abalando, de forma unilateral e injustificada, o espaço Schengen.

Os problemas dos migrantes, mas essencialmente dos refugiados, não vão terminar com fronteiras, por mais militarizadas ou muradas que surjam na Europa.

A Europa deveria adoptar o que em grande dimensão a Alemanha seguiu quanto a migrantes/refugiados e, claro, em escala muito menor, nós, Portugal, que na Europa somos exemplos muito positivo de acolhimento de refugiados.

A Europa como um todo não se une — não quer ter uma política comum/unida, e não quer fazer também o trabalho indispensável para que os assassinos/traficantes de pessoas em desespero sejam detidos.

A Áustria deveria não esquecer a História — como os seus refugiados foram muito bem acolhidos entre 1938 e 1945 — e amparar a unidade europeia.


Augusto Küttner de Magalhães,
Porto