quarta-feira, 5 de julho de 2017

Custos das não reformas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

É importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público.


Custos das não reformas
A despeito de múltiplas controvérsias e polémicas ideológicas, não será fácil encontrar hoje um economista que não subscreva a ideia de que, sem reformas estruturais significativas, não será possível Portugal ultrapassar as crises periódicas que têm caracterizado o pós-25 de Abril - e, em particular, as últimas duas décadas -, por forma a encontrar o rumo que lhe permita alcançar a modernização e as transformações necessárias, tendo em vista o progresso e a melhoria do bem-estar coletivo.

Esta é hoje uma visão de tal forma consensual que a opinião pública já integrou essa necessidade como condição indispensável ao desenvolvimento sustentável do país. Por ela vem reclamando cada vez mais, a ponto de a sua concretização ser causa da crescente desconfiança que nutre pelo processo político em geral e pela grande maioria dos políticos em particular.

Com efeito, é importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público. Aliás, ela surge na sequência dos choques resultantes da crise financeira global (2008) e da do euro (2010), sendo certo que outros países europeus e nossos concorrentes diretos evidenciam maior resiliência e melhor desempenho. Deste modo, sem um crescimento mais robusto do PIB e dos fatores que o determinam não será possível ultrapassar as crises cíclicas com que vimos sendo confrontados. Esta é uma constatação a que os políticos não conseguirão escapar e que exige capacidade, competência e empenhamento para ser enfrentada. Dela dependerá a credibilidade e a confiança na governação e a concomitante qualidade e melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mas o que está verdadeiramente em causa quando falamos de reformas? O termo tem sido de tal forma utilizado e banalizado que necessita de clarificação. Ora, por reformas estruturais pretende-se significar aquelas que verdadeiramente determinam a forma de funcionamento da economia, influenciando-a no sentido estrategicamente predefinido como desejável. Isto é totalmente distinto do que sucede no tipo de “navegação à vista”, em que a atuação visa corrigir uma trajetória não desejada, mas sem verdadeira clarificação do rumo prosseguido.

Neste contexto, importa, assim, reconhecer que o objetivo primordial a prosseguir é o do crescimento do PIB, assegurando simultaneamente a competitividade, o que implica políticas visando melhoria na produtividade dos fatores trabalho e capital e suas determinantes, nomeadamente inovação e condições de financiamento. Deste modo, tudo quanto possam ser práticas políticas não consentâneas com a prossecução mais eficaz do objetivo terão de considerar-se como custos inerentes às mesmas, decorrentes da não adoção das soluções mais adequadas: é, tipicamente, o caso das não reformas.

Em termos mais concretos, importa assim reconhecer que constituem custos do nosso processo político, entre outros, a ausência de reformas nos seguintes domínios:

1. Sistema eleitoral, por forma a retirar o monopólio dos partidos na elaboração das listas de candidatos à AR, assim permitindo uma representatividade mais consentânea com as aspirações e interesses dos cidadãos e possibilitando um melhor escrutínio público, com vista a que o interesse nacional seja assegurado;

2. Sistema judicial, por forma a torná-lo mais célere, mais accountable e eficaz;

3. Sistema regulador, dotando-o de efetiva independência e accountability, por forma a permitir que atue de modo responsável no momento oportuno, eliminando “falhas de mercado” e custos associados. Só assim poderá ser assegurada a concorrência, de molde a eliminar desperdício e evitar práticas de favorecimento. Em particular, o caso das “rendas excessivas” no setor da energia e das parcerias público-privadas terá de ser criteriosamente revisto, assim contribuindo para a redução da despesa pública e para a indispensável reforma do sistema fiscal.

4. Sistema bancário, tendo em vista assegurar uma reconfiguração do mesmo que possibilite que o seu funcionamento tenha em conta os interesses nacionais, seja eficaz e contribua para o crescimento potencial da economia. Especial atenção deverá ser dada ao crédito malparado, de modo a que ele não seja objeto de tratamento especulativo e fator de agravamento da necessária capitalização bancária.

5. Sistema educativo, por forma a dotá-lo de maior relevância e eficácia, nomeadamente na sua vertente profissional, à semelhança do que sucede noutros países, nomeadamente na Alemanha.

6. Sistema de infraestruturas, tendo em conta as suas reais prioridades, potencialidades e necessidades. Em particular, urgem decisões sobre a rede ferroviária, sua modernização, compatibilização e integração nas redes europeias, bem como sobre a expansão do porto de Sines.

7. Segurança Social, tendo em vista garantir a sua sustentabilidade no longo prazo, mas tendo igualmente em conta as diferentes situações contributivas dos seus beneficiários.

8. Administração pública, tornando-a mais eficiente e célere, através da desburocratização e da motivação e empenhamento dos seus agentes. Neste contexto afigura-se relevante a responsabilização e motivação destes, com revisão das carreiras e de vencimentos, tendo em vista o aumento efetivo da produtividade.

9. Sistema de saúde, com vista à eliminação de desperdício, maior eficiência e eficácia. Neste âmbito é importante ter em conta as conclusões do estudo patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, bem como a necessidade de revisão de carreiras, vencimentos e incompatibilidades, por forma a dotar o sistema de maior transparência e produtividade.

10. Descentralização e ordenamento do território, com vista a potenciar as reais possibilidades do país, de modo eficaz e potenciador da coesão social.

Não é este o local, obviamente, para justificar e aprofundar a forma de concretizar este conjunto de reformas. Essa é uma tarefa para uma equipa de especialistas. Fica aqui tão-só mais um alerta para a sua premência, uma vez que medidas avulsas e não inseridas numa perspetiva reformista e bem articulada dificilmente poderão fornecer uma base credível para promoção do investimento. Esperemos que os responsáveis pela prossecução do desígnio nacional assim o considerem também. 
José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

EXPRESSO 15.07.2017

Tancos: grave é roubo, não o valor
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Agora oficialmente “dizem-nos” que o valor do que foi roubado em Tancos será de €34 mil e que parte do que foi roubado seria para “abater ao ativo” dado já não estar em condições de utilização.
(…)
Nem que sejam €10, seja o valor que possa ser, é um roubo de algo “pertença do Estado” que foi pago com os nosso impostos, logo, nunca poderia ter sido roubado. Por outro lado, qualquer pessoas que teve que fazer “tropa” sabia que quando lhe entregavam uma G3 nunca a poderia perder, nunca a podia deixar ser roubada, seria gravíssimo e iria sofrer as consequências. Assim, tudo o que possa ser dito para desvalorizar o “roubo em si”, porventura é muito pouco. Houve um roubo de armas e munições ao Exército português, tal como antes havia acontecido com pistolas Glock à PSP, e “isto” é gravíssimo.
Aqui é que está o problema.

Augusto Küttner, Porto