Na série de divulgação do
Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, ontem saído no jornal
i.
Na antecâmara das próximas eleições autárquicas de 1 de Outubro, temos assistido a uma série de comportamentos desviantes, vazios de conteúdo e de sentido de responsabilidade.
Ausência de reforma é crime político
Tenho um bom amigo apelidado por António Guterres o autarca modelo e considerado por muitos o melhor autarca português que insiste em repetir que a política existe para entender e servir as pessoas transformando o território de acordo com o tempo, a cultura e as ambições. Cada vez melhor o entendo.
É através do poder local que se define e implementa muito do que respeita à qualidade de vida das pessoas que vivem, trabalham, visitam ou simplesmente atravessam o território. É nesta matéria que a acção política ganha relevo prático e importância rumo ao desenvolvimento económico, inclusão e equilíbrio social. Há provas disso na história política contemporânea portuguesa nalguns excelentes exemplos de autarcas que contribuíram de forma evidente para o desenvolvimento do território.
Na antecâmara das próximas eleições autárquicas de 1 de Outubro, temos assistido a uma série de comportamentos desviantes, vazios de conteúdo e de sentido de responsabilidade, entre os quais:
• A fulanização do debate à volta de tricas em detrimento do debate das ideias e projectos;
• O desinteresse, salvo raras excepções, da generalidade dos actores políticos de peso e de personalidades com curriculum e história à presidência de Câmara – veja-se a título meramente ilustrativo o exemplo dos candidatos a Lisboa ou a invasão pelo país fora de boys & girls, sem qualquer experiência profissional, a candidatos a lugar tão influente na gestão de organizações extremamente importantes;
• Poucos partidos apresentam candidaturas à totalidade dos municípios;
• A abstenção nas eleições autárquicas, como consequência, evidencia a distância dos eleitores a tão importante decisão.
Tarda o diagnóstico sério e tarda a fundamental evolução e inovação no que à gestão autárquica diz respeito. Temos em Portugal 308 municípios dos quais 278 estão no continente, 19 nos Açores e 11 na Madeira. Desses 308 municípios apenas 58 têm mais de 50.000 habitantes, 238 têm menos de 40.000 habitantes, 184 têm menos de 20.000 habitantes, 118 têm menos de 10.000 habitantes, e 42 têm menos de 5.000 habitantes. A titulo de referência é importante mencionar com base no critério populacional que o maior município é Lisboa com cerca de 500.000 habitantes, o 10º é Oeiras com cerca 175.000 habitantes, o 20º é Vila Nova de Famalicão com cerca de 135.000, o 30º é Vila do Conde com 80.000, o 40º é Palmela com 65.000, o 100º é Albergaria a Velha com cerca de 25.000, o 200º é Mogadouro com cerca de 8.000, o 300º é Penedono com cerca de 2.700.
Esta estrutura tem por base uma divisão territorial, ao tempo (há cerca de 200 anos), altamente reformadora liderada em 1832 e 1836 respectivamente por Mouzinho da Silveira e Passos Manuel. Convém lembrar que, na altura, não havia nem telefone nem telex, nem rádio nem televisão, nem estradas nem autoestradas, e de Bragança a Lisboa eram vários dias de viagem...
É evidente que a estrutura de 308 municípios é inadequada e prejudicial à boa gestão territorial contemporânea. As tecnologias e a inovação a todos os níveis trouxeram novas exigências e novas possibilidades, tornando o modelo de há dois séculos bastante desadequado. São várias as inconveniências, sendo as mais evidentes as estruturas organizacionais pouco pensadas e excessivamente burocráticas, a deficiente gestão de custos fixos e economias de escala, a frágil capacidade negocial perante fornecedores, governo central e comunidade europeia.
Para chegar ao número de municípios adequado, haverá vários possíveis critérios e o tema deveria ser objecto de bons estudos (nomeadamente por parte dos adormecidos gabinetes de estudos dos partidos). Pessoalmente, considero, à luz do princípio com que abri este texto, que o melhor critério corresponde ao numero de habitantes, parecendo-me adequado uma fasquia mínima de 25.000. Sem grande estudo e numa análise simples uma regra dessas aponta para cerca de 180 câmaras municipais permitindo dimensões territoriais adequadas à adequada integração de populações.
Por que mantêm então os partidos de governo esta estrutura de 308 municípios a funcionar? Porque esta estrutura é vantajosa para assegurar mais jobs for the boys & girls que por sua vez sustentam as lideranças dos partidos. É por isso que nem se fala em alterar algo que foi estabelecido em 1832-1836 e que tão bem serve as reais necessidades da partidocracia em que vivemos.
Por fim e numa óptica reformadora, considero que o órgão governativo mais importante será certamente aquele que regularmente venha a juntar os presidentes de câmara com o primeiro-ministro e o governo. Essa integração permitirá ao país evoluir mais rapidamente. Também no contexto reformador e no sentido do desenvolvimento de competências, faz sentido a criação de uma escola de formação para dirigentes, candidatos e eleitos autárquicos. Também indispensável e aparentemente tabu é a revisão séria quanto ao salário dos eleitos.
Há tanto para pensar, debater e fazer na modernização da governação do país que assisto incrédulo à teimosa incapacidade do presidente do PSD em produzir uma ideia reformadora e inovadora. Considero estarmos perante um grave delito político quando vejo todos no partido olhando calma e silenciosamente para esta falta de criatividade política que persiste, perigosa e teimosamente, hipotecando a credibilidade do PSD.
Não é excessivo sublinhar a ideia de o desenvolvimento do país passar pela evolução qualitativa da democracia que apenas uma democracia de qualidade, real e sem disfarces, poderá resolver.
Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i
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