sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Democracia - Portugal e Angola

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído anteontem no jornal i.
Dificilmente se encontra hoje num outro país da Europa e mesmo em muitos outros países de democracia não consolidada, como Angola, um nível de compadrio, de nepotismo e de corrupção tão elevados como em Portugal.
Democracia - Portugal e Angola
A evolução recente da política angolana contém alguns ensinamentos que deveriam interessar a todos os portugueses, na medida em que precisamos tanto quanto os angolanos de uma limpeza dos estragos provocados na economia e na sociedade portuguesa pelo conluio entre a política e os negócios. Porque se é verdade que a corrupção foi, apesar de tudo, mais evidente em Angola do que em Portugal, não é menos verdade que o novo Presidente João Lourenço iniciou um processo de limpeza que nos deve fazer inveja.

Recentemente, o Presidente angolano anunciou numa intervenção pública que o MPLA, como órgão colegial, assume colectivamente a responsabilidade do que se passou e que se deveu à inacção do partido e cujas consequências “está hoje o País a pagar”. Que bom seria que António Costa e os restantes dirigentes do Partido Socialista dissessem o mesmo relativamente à tenebrosa governação do PS durante o consulado de José Sócrates.

Mas João Lourenço acrescentou mais na sua intervenção: “Que haja transparência na adjudicação das grandes empreitadas públicas, barragens hidroeléctricas, portos, aeroportos e que se respeite a necessidade de realização de concursos públicos.” Que bom seria que António Costa dissesse o mesmo e terminasse com a hecatombe dos concursos por ajuste directo, no Governo e nas autarquias, nomeadamente na de Lisboa, que é fruto da inspiração pessoal do Primeiro-Ministro.

Na mesma ocasião, o anterior presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, falando certamente sobre o que conhece bem, disse o seguinte: “a corrupção já tem sido definida como o segundo principal mal que afecta a sociedade depois da guerra, tendo em conta os excessos praticados por agentes públicos e privados, que obtinham de forma ilícita vantagens patrimoniais para si ou para terceiros.” Mais à frente e falando de nepotismo disse: “caracterizado como o favorecimento de parentes ou amigos próximos em processos de promoção profissional ou de nomeação para o exercício de funções.”

Ainda sobre o mesmo tema, soubemos há dias que o Presidente Macron da França publicou um decreto a proibir os ministros e outros governantes de nomearem familiares para cargos públicos. Se aplicada em Portugal, esta lei francesa arriscava-se a demitir metade do Governo português. Ou seja, dificilmente se encontra hoje num outro país da Europa e mesmo em muitos outros países de democracia não consolidada, como Angola, um nível de compadrio, de nepotismo e de corrupção tão elevados como em Portugal. E por mais que os governantes, com o Primeiro-Ministro à frente, se afadiguem a negar essa realidade, usando para isso todos os recursos da sociedade da informação e, em muitos casos, da desinformação, vamos continuar a assistir quase semanalmente a novos escândalos e o conhecimento de novos desastres, com ou sem consequências mortais. Contribui para isso um Estado tentacular, chefias em grande parte de familiares, amigos e afilhados do poder político, um Estado usado ao limite pelos partidos em seu benefício e dando os piores exemplos à sociedade. Recentemente, a Câmara de Lisboa demonstrou de forma simples como se gastam os dinheiros públicos para contentar as oposições, concedendo-lhes todas as mordomias possíveis. A fórmula é tragicamente simples: se não consegues convencê-los, compra-os.

Sabemos todos que, para serem democráticos, modernos e desenvolvidos, os países precisam de instituições fortes e independentes do poder político, como precisam de empresas libertas do Estado, mas responsáveis e respondendo perante os colaboradores, os clientes e a lei. Ora, o que acontece em Portugal na actual conjuntura é o inverso: as instituições são dominadas pela desconfiança, pela burocracia, pela instabilidade e pela má qualidade das leis, além de dependerem do dinheiro distribuído em profusão pelos governos, com critérios de reforço do poder partidário e pessoal e o objectivo de manutenção do poder.

Sobre tudo isto impera uma Assembleia da República cega e surda e que só não é muda porque há que simular o processo democrático. Razões mais do que suficientes para que um grupo de gente de boa vontade e que muito gosta de Portugal continue a lutar neste jornal por uma democracia de qualidade e pela reforma das leis eleitorais.
Nota: encontra-se já à venda o livro “Por um Democracia de Qualidade” que dá a conhecer os textos publicados às quartas feiras neste jornal.
Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O inimigo dentro de nós

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
Não há pior inimigo de uma democracia que se queira de qualidade e qualificada do que a corrupção. A corrupção é inimiga da democracia. Ponto final e bom Natal a todos.


O inimigo dentro de nós

Fez por estes dias 14 anos que em 11 de Dezembro de 2003 me desloquei ao México, à cidade de Mérida, para assinar em nome do Estado Português a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

A Conferência Política de Alto Nível em que a Convenção foi apresentada foi o palco de numerosos discursos inflamados contra a corrupção de altos responsáveis da maioria dos países do mundo. Confesso que me diverti interiormente a escutar príncipes árabes e ditadores africanos a fustigar a praga da corrupção…

No discurso de 3 minutos que me foram dados, tive tempo para dizer que a assinatura da Convenção e a sua subsequente ratificação seria a melhor prenda de Natal que poderíamos dar aos nossos filhos, legando-lhes um mundo menos corrupto.

Mal eu sabia que depois disso veríamos grassar a corrupção mais violenta que nunca no continente africano, na Argentina de Kirchner, na Venezuela de Maduro, no Brasil de Lula, na Rússia de Putin, no Portugal de Sócrates, um pouco por toda a parte e sempre em crescendo.

Apesar de todas as medidas de cooperação internacional, de combate aos paraísos fiscais, de combate ao branqueamento de dinheiro ilícito, de controlo das transferências internacionais, a corrupção tem vindo num crescendo, ao ponto de o The Economist ter feito há 15 dias uma capa sobre a corrupção na África do Sul e a ameaça existencial que ela constitui para a Nação do Arco Íris.

A corrupção é como um lento mas imparável subir da água, que vai tirando espaço à liberdade de actuação, à equidade no funcionamento do mercado, minando a confiança das pessoas nos seus políticos eleitos e nas suas instituições.

Não é um fenómeno repentino, que nasça com uma crise (se bem que elas ajudem), com um regime forte. É uma coisa que se vai entranhando perante a aquiescência, por vezes perplexa, dos cidadãos; e é cumulativa: quanto mais se entranha, mais aceite é. Cedo ou tarde mina os fundamentos das sociedades democráticas, cria as condições para todos os populismos, destrói a reputação das classes políticas, infiltra-se, de cima para baixo em todos os recantos da sociedade.

Portugal, como os seis anos do «consulado» Sócrates comprovaram, não é uma excepção, como não o são os restantes países da União Europeia, uns mais, outros menos, mas a mim o que me preocupa é Portugal.

Espanta-me, confesso, a facilidade com que numerosos membros do Governo de Sócrates, que não viram, ouviram ou souberam de nada, tenham transitado sem soluços nem escândalo para o actual governo de António Costa, ele próprio um ex-ministro da Administração Interna de Sócrates.

Espanta-me que ministros que participaram activamente nas “políticas” do Governo Sócrates e não viram nada, mantenham na opinião geral uma reputação de competência sem referência à sua participação no Governo que dirigiu sem escrúpulos nem hesitações Portugal para a bancarrota e para a maior crise desde o 25 de Abril de 1974.

Espanta-me que o actual Primeiro-ministro se rodeie impunemente de uma «coterie» de amigos do peito e velhos cúmplices e companheiros de armas, sem que isso suscite mais do que um ar de cepticismo nos observadores.

Espanta-me sumamente que perante a tragédia dos incêndios deste verão, o actual Ministro da Administração Interna proclame que tudo fará para combater os incêndios e declare com um ano de antecipação que fará os ajustes directos que for necessário fazer. Ajustes directos porquê?

Os ajustes directos, de experiência consabida, são o meio mais directo para a corrupção no Estado. A razão normal é a urgência e valha a verdade que os «incompetentes» são de uma competência extraordinária a inventar razões insindicáveis para as urgências.

Os partidos políticos que deveriam controlar e vigiar a acção do Governo, parecem ter entre si um pacto de regime: o de suportar e calar a corrupção que veem, porque como dizem os africanos, quando alternam no poder, o entendimento geral é que é «a vez deles de comer»…

Estas generalizações parecem e são duras e muitas vezes injustas, mas a verdade é que neste Natal de 2017 não me consigo impedir de pensar, verificar e aquilatar que em Portugal a corrupção mexe-se e move-se e alcança novos protagonistas, cede a novos interesses instalados, sejam investidores chineses (ver capa do The Economist desta semana e as denúncias muito adequadas do Bloco de Esquerda) sejam as novas empresas do regime que rapidamente ocuparam o vazio deixado pelo defunto Grupo Espírito Santo.

O pior de tudo isto é a impressão deletéria que a sociedade civil colhe, de impunidade de quem manda, de sucesso de quem corrompe, de que as rodas do nosso destino não são movidas por nós, de que somos meros espectadores das causas das consequências que nos acontecem, e de que, tudo visto, mais vale a pena jogar o jogo que ficar de fora.

Temo bem que, se continuar assim, cheguemos ao dia em que, como se diz no Brasil, «para os amigos tudo, para os inimigos justiça lenta e cara».

Não há pior inimigo de uma democracia que se queira de qualidade e qualificada do que a corrupção. A corrupção é inimiga da democracia. Ponto final e Bom Natal a todos.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Estratégia, táctica e controvérsias

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.
O simples facto de o governo PS ser suportado na prática pelo BE e PCP, partidos ideologicamente bem distintos, faz com que esta coligação revista características tipicamente tácticas, dada a impossibilidade estratégica de objectivos comuns.


Estratégia, táctica e controvérsias

A tendência para a controvérsia é seguramente um dos aspectos mais característicos da natureza humana e da vida em sociedade. Unanimidade só por milagre. E, como estes não abundam, a conclusão é óbvia... Isto não significa, porém, que toda a controvérsia possa ser seriamente considerada. As regras do bom senso, da racionalidade e da ética circunscrevem aquela ao domínio da admissibilidade.

A área das ciências sociais é particularmente propícia a controvérsias. Desde logo, porque elas têm como objecto o indivíduo, na multiplicidade das suas relações individuais e colectivas, a que personalidades e vivências distintas conferem sensibilidades, sentimentos e visões não coincidentes. A estas, acrescem subjectividades valorativas, tudo se traduzindo numa diversidade de opiniões, por vezes conflituantes. É este conjunto que torna o quadro analítico e decisional nesta área bem distinto do prevalecente nas ditas ciências exactas.

Estas considerações são particularmente relevantes no contexto da governação e da formulação política e ajudam-nos a clarificar muitas das controvérsias e conflitos que de há muito vimos assistindo na avaliação da situação presentemente vivida em Portugal. Neste contexto, é paradigmática a contradição existente entre os que proclamam o sucesso das actuais políticas, em larga medida com base nos resultados económicos a que vimos assistindo, e os que consideram que estes são fundamentalmente consequência do desempenho económico extremamente favorável verificado a nível global. Em síntese, para uns, a actual retoma do País resulta basicamente de uma situação conjuntural favorável e não de medidas assentes na estratégia reformista de que o país carece e sem as quais o processo de modernização e desenvolvimento não será sustentável. Para outros, nomeadamente afectos ao Governo, trata-se de um conjunto de medidas que estão provando a sua eficácia e reconhecidas externamente como viáveis e susceptíveis mesmo de serem exportadas.
A conveniente clarificação da dita controvérsia requer ter presente os aspectos essenciais do conceito de estratégia. Com efeito, esta não é mais do que um plano de acção para alcançar os objectivos decorrentes do desígnio consensualmente definido, o qual deverá igualmente explicitar a métrica de avaliação dos resultados. A estratégia deve, assim, orientar o processo de decisão, fornecendo os princípios orientadores para a tomada de decisões e a afectação dos recursos que tornam possível alcançar os objectivos, tendo em conta que se trata de uma realidade dinâmica de longo prazo. Ao citar-se a célebre frase de Keynes, de que no longo prazo estaremos todos mortos, é preciso igualmente ter consciência de que é no longo prazo que se consubstancia o futuro... A estratégia não deverá, pois, ser confundida com o desígnio (ou missão) e muito menos com a táctica, isto é, com acções específicas visando a implementação da estratégia definida, ou vista como um somatório de acções conjunturais (ou pontuais) não integradas numa estratégia.
Em conclusão, toda a estratégia implica acção (táctica), mas acções (tácticas) não integradas numa estratégia não permitem alcançar o desígnio; mais facilmente conduzem a resultados contraditórios e divergentes dos objectivos. É à estratégia que compete orientar a utilização dos recursos, no quadro das escolhas políticas definidas; trata-se de uma escolha de meios com vista a alcançar os objectivos politicamente estabelecidos, com vista à concretização do desígnio consensualmente estabelecido. Por sua vez, é à política que compete definir os fins (ou objectivos) com base nos valores ou ideologias defendidos. A estratégia é uma ciência da escolha dos meios mais eficazes para atingir os objectivos, independentemente de qualquer referência a ideologias. Estas informam as escolhas políticas, enquanto doutrina dos fins a alcançar. 
Com base nas considerações anteriores, é fácil concluir que a mencionada controvérsia é basicamente resultante de um conjunto de acções que se revelaram eficazes, assentes na gestão de uma conjuntura internacional favorável, mas de natureza táctica, que o Governo e seus apoiantes pretendem apresentar e ver aceites como uma estratégia alternativa de crescimento viável. Que não se trata de uma verdadeira estratégia é óbvio, por várias ordens de razão, entre as quais:

1. Não visarem as acções um conjunto de objectivos consensualmente definidos e prioritários. Aliás, o simples facto de o governo PS ser suportado na prática pelo BE e PCP, partidos ideologicamente bem distintos, faz com que esta coligação revista características tipicamente tácticas, dada a impossibilidade estratégica de objectivos comuns.

2. Entre os objectivos anunciados não figuram alguns dos essenciais, tais como a reforma do sistema eleitoral, por forma a possibilitar maior representatividade e assegurar que os eleitos se sintam responsáveis perante os eleitores. De igual modo, continua sem se materializar a ambicionada reforma do sistema judicial, tantas vezes anunciada e até já objecto de acordos interpartidários.

3. No campo económico, muitos dos objectivos proclamados são contraditórios ou conflituantes, como sucede com o objectivo de redução da dívida pública e a evolução (presumível) da despesa pública, sem que concomitantemente seja expressa a intenção de proceder a uma urgente reforma fiscal. Sintomático, aliás, desta incongruência é o facto de partidos da “geringonça” continuarem a falar da necessidade de uma restruturação da dívida, sem nos informarem da táctica a utilizar e respectivos custos, incluindo reputacionais.

Em resumo, mais de quatro décadas após a “revolução dos cravos”, é altura de nos libertarmos das controvérsias vigentes e reconhecermos humildemente a realidade dos factos, passando a empenhadamente dedicar todo o nosso esforço na definição da estratégia, visando as reformas que duradouramente determinarão o nosso maior bem-estar colectivo. Pensarmos estar no caminho do paraíso, não ajuda...

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Da palavra dada à verba orçamentada: uma distância cósmica e nada honrada

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído hoje no jornal i.

O Orçamento de 2018 é um Orçamento mentiroso e sem qualidade, próprio de uma democracia sem qualidade e de um governo sem qualidade.


Da palavra dada à verba orçamentada: uma distância cósmica e nada honrada

O debate do Orçamento para 2018 confirmou a minha opinião inicial de que se tratava de um Orçamento sem qualidade, um mero exercício de powerpoint em que tudo é milimetricamente ajustado para servir exclusivamente os interesses corporativos que sustentam a geringonça, mas promovido como imagem apelativa, todavia fictícia, de um Orçamento ao serviço do país.

Pior ainda, aconteceu que grandes bandeiras e promessas do governo consubstanciadas no estribilho da “palavra dada, palavra honrada” não tiveram acolhimento nas verbas orçamentais. Ou o governo não honrou a sua palavra no Orçamento ou foi o Orçamento que se rebelou contra o criador e desonrou a palavra do governo.

Dada e mil vezes repetida foi a promessa da reposição de rendimentos. Todavia, é o próprio quadro-síntese das receitas e despesas da administração pública do relatório do OE que desmente a promessa, ao explicitar um aumento da receita do Estado, em termos absolutos e em relação ao PIB. Se a receita do Estado vem, ou veio, da economia, das empresas e das famílias, e se o Estado arrecada uma parcela maior, são as empresas e famílias que a suportam. E, se os portugueses suportam e pagam uma parcela maior do PIB e ficam com uma parcela menor, o Estado não repõe rendimentos, antes recolhe uma parcela adicional através, nomeadamente, da anestesiante tributação indireta.

Assim, das duas, uma: ou o governo não honrou a sua palavra no Orçamento ou foi o Orçamento que imediatamente se rebelou e desonrou a palavra do governo.

Dada e repetida foi a garantia do rigor dos valores orçamentados que suportam os gastos de cada rubrica da despesa.

Todavia, e logo num ano de todos os desbloqueios, de promoções de funcionários, progressões automáticas, aumentos salariais, e também de admissão de professores, de precários sem concurso, bolseiros, estagiários, certamente em condições diferentes das que usufruíam, o OE prevê para as despesas de pessoal um aumento de apenas 71 milhões de euros.

Assim, das duas, uma: ou é o governo que não honra a sua palavra no Orçamento, e serão os cortes orçamentais, agora chamados cativações, no investimento e em rubricas orçamentais ad hoc, que permitirão a cobertura da rubrica, ou é o Orçamento que toma vida própria e desonra a palavra do governo.

Palavra dada e repetida foi ainda que a diminuição do défice se deveria a um controlo da despesa, já que a receita sofreu pela dita devolução de rendimentos aos cidadãos. Mas é o aumento da despesa de 2,5 mil milhões de euros que dá a grande contribuição para o défice de 2 mil milhões de euros, pois este seria o dobro caso a receita fiscal e parafiscal não aumentasse nessa mesma ordem de grandeza.

E também aqui, das duas, uma: ou o governo não honra a sua palavra no Orçamento ou é já o Orçamento que se rebelou e desonra a palavra do governo.

Palavra dada e repetida foi que a dívida irá diminuir em 2018. Mas o quadro das receitas e despesas também mostra que as necessidades líquidas de financiamento atingem um valor superior a 2 mil milhões de euros (e a baixa dos juros, da ordem dos 500 milhões de euros, foi de imediato aproveitada para financiar despesas correntes).

Não sendo possível conciliar reembolsos com défices orçamentais, também aqui, das duas, uma: ou o governo não honra a sua palavra no Orçamento ou é o Orçamento que tomou vida própria e desonra a palavra do governo.

E nem vale recorrer ao sofisma da evolução em termos de PIB. Com o fim dos apoios do BCE e a alta certa das taxas de juro, a persistência de uma dívida elevada gerará novas crises a agravarem as do passado. As reformas estão por fazer (e as feitas foram revertidas) e muitos dos custos permanentes parcialmente considerados em 2018 far-se-ão sentir em pleno nos anos posteriores.

Enfim, um Orçamento mentiroso e sem qualidade, próprio de uma democracia sem qualidade e de um governo sem qualidade, em que palavra dada nada tem a ver com a verba orçamentada e esta pode ser tudo menos palavra honrada.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor
Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A hora de Centeno



A escolha para liderar o Eurogrupo é sem dúvida um grande êxito para Mário Centeno e uma fonte de regozijo para o governo onde é o ministro das Finanças. É também uma honra para Portugal. E uma oportunidade.

Por mim, estou contente. Sem qualquer espécie de reserva. Contente, ponto final.

Limitei-me a comentar, logo que foi anunciada a eleição do novo Presidente do Eurogrupo: “Uma boa notícia, a consagração de um bom trabalho, a responsabilidade de fazer melhor.” Isso mesmo repetiria agora. E repito.

Ontem, na rádio, ouvi Francisco Louçã prevenir contra a explosão de “centenismo” a que iria assistir-se, assestando contra a direita os seus tiros e procurando contrastar a política de Centeno com as políticas defendidas por PSD e CDS.

A prevenção de Louçã contra os “centenistas” da 25ª hora é, sem dúvida, avisada. Mas a prevenção aplica-se a si próprio e a outros das suas bandas. Ao apontar o dedo em riste, Francisco Louçã, ao espelho, está a apontar o dedo ao seu próprio nariz.

Centeno ganhou, porque, com indiscutível mérito seu e da sua equipa (bem como do primeiro-ministro), se tornou o “Ronaldo do Ecofin” (o conselho de ministros da Economia e Finanças da UE), nas palavras do diabolizado Wolfgang Schäuble.

Centeno ganhou, porque teve o apoio declarado de boa parte do PPE europeu, mostrando bem que a direita europeia não se rege pelo sectarismo dos companheiros e parceiros de Louçã.

Não vou obviamente dizer que Centeno aplicou a mesma política que PSD/CDS executariam, o que seria injusto e disparatado. Mas a política que Centeno aplicou só foi possível, porque PSD/CDS enfrentaram com coragem os anos da brasa da intervenção directa da “troika” e abriram espaço e tempo a novas escolhas e possibilidades de alternativa.

Hoje, com PSD/CDS, não teríamos políticas macroeconómicas muito diferentes, mas teríamos progressos sociais provavelmente mais lentos. O talento de Centeno, como quem faz um “patch work” muito cuidadoso e paciente, tem estado em ter mantido (e porventura melhorado) a trajectória de Portugal nos indicadores fundamentais para os equilíbrios do país e a nossa credibilidade nos mercados, nos parceiros e nas instituições, ao mesmo tempo que acelerou a chamada “reposição de rendimentos”, acorrendo à urgência de bem-estar de muitas famílias. “Chapeau!”

Mas onde a diferença de Centeno é fundamental é mesmo com os seus parceiros de geringonça. Se Centeno tivesse seguido a linha de Varoufakis, o grande herói de Louçã, Marisa Matias e Catarina Martins, estaríamos todos liquidados. Estaria Centeno destruído e nós também, debaixo da pata de um segundo resgate ou equivalente. Mesmo se o actual governo tivesse seguido uma mais moderada linha Tsipras 2, que já pediu desculpa pelo Tsipras 1 e se demarcou de Varoufakis, Centeno não teria sido consagrado como Presidente do Eurogrupo, mas não passaria de mais um pedinte humilhado por si mesmo e, por estar falido, incapaz de quaisquer escolhas.

Os derrotados da eleição de Centeno são os adversários consagrados do euro. Os vencidos pela eleição de Centeno são aqueles que sempre têm advogado a saída de Portugal da zona euro. Quem são, quem são? PEV, BE e PCP. Nem mais.

E quem foi o primeiro oráculo da eleição de Centeno? Wolfgang Schäuble, ele mesmo. E esta, hein?...