quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Reformas com sentido: o caso do mercado do trabalho

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.
O foco essencial do moderno contrato de trabalho tem de visar a melhoria da produtividade e dos salários e o fortalecimento dos direitos dos trabalhadores, em particular dos mais vulneráveis, incluindo os da designada “economia gig”.

Reformas com sentido: o caso do mercado do trabalho
Um dos aspectos bizarros e mais preocupantes da formulação das políticas públicas em Portugal é a base primária e não devidamente fundamentada em que normalmente assentam. As bases de decisão são frequentemente a opinião de políticos ou de “opinion makers” desconhecedores dos factores determinantes dos fenómenos em causa. Estes são basicamente substituídos pelo “achómetro”, muitas vezes alimentado por ideologias, ou pelo politicamente correcto, mas desligadas dos aspectos relevantes subjacentes à realidade que se pretende corrigir.
Não é certamente por acaso que em Portugal não existe um verdadeiro “think tank” (no autêntico sentido do termo), ao contrário do que sucede na esmagadora maioria dos países do denominado mundo ocidental. As poucas tentativas feitas nesse sentido entre nós fracassaram totalmente. E, no entanto, a sua existência é fundamental para que seja possível uma discussão séria e aprofundada das eventuais soluções para os múltiplos problemas que há muito enfrentamos. Tal não implica, obviamente, que a solução final a adoptar não deva também ter em conta a dimensão política, mas devidamente alicerçada numa análise rigorosa (e tanto quanto possível quantitativa) de custos e benefícios das diferentes alternativas. A discussão deve, porém, assentar em dados objectivos e não se reduzir a uma dimensão meramente opinativa… Numa altura em que a Inteligência artificial (IA) desenvolve máquinas superinteligentes (“deep learning”) para nos ajudar a resolver problemas complexos (cancro, alterações climáticas, etc.) mas também problemas financeiros e macroeconómicos, a metodologia de decisão predominantemente utilizada entre nós está claramente ultrapassada e não faz parte das usualmente utilizadas no mundo ocidental desenvolvido.

Esta introdução serve basicamente de preâmbulo ilustrativo das discussões existentes, relacionadas com a reforma do mercado do trabalho. Que esta reforma é prioritária e urgente é por todos sentido e aceite. A questão relevante tem a ver com os aspectos primordiais do que se pretende alcançar. Para uns – trabalhadores e sindicatos – trata-se basicamente de direitos e garantias; para outros – empresários e dirigentes patronais – é o velho tema da flexibilização, nomeadamente das cláusulas respeitantes à protecção do emprego e cessação dos contratos. Posto nestes termos, fica de fora o objectivo fundamental de promoção do emprego e aumento da produtividade como via para o aumento do produto, enquanto via para o crescimento e melhor repartição deste, pelos factores produtivos que lhe estão subjacentes.

Neste contexto, importa começar por reconhecer o dualismo existente no mercado, incluindo as razões que o determinam e as suas principais consequências. Que existe dualismo, i.e. uma significativa percentagem de trabalhadores com contratos temporários de curta duração, beneficiando os restantes de contratos permanentes sem termo (fixo) e concomitantes regalias, é facto facilmente comprovável pelas estatísticas. Essa percentagem, embora variável de acordo com a conjuntura, os estratos etários e as qualificações, situa-se em Portugal na ordem dos 25%, vs. 15% na área do euro. Os inconvenientes deste dualismo encontram-se igualmente bem documentados. Para começar, desigualdade no seu estatuto, dando origem a trabalhadores de 1ª (os possuidores de contrato permanente) e de 2ª (os com contrato a termo), com todas as consequências daí resultantes em termos de estabilidade de emprego e familiar, rendimento, condições de vida e perspectivas. Mas também de natureza macroeconómica e social: a nível da qualificação do capital humano (formação), motivação, hábitos de trabalho e organização a nível das empresas e correlativos impactos ao nível da produtividade e do produto, nível salarial e repartição do valor acrescentado (entre trabalho e capital).

Igualmente conhecidas são as razões deste dualismo. A sobre-protecção das regalias e condições de trabalho oferecidas aos trabalhadores permanentes (sem termo fixo), comparativamente à total flexibilização das condições de trabalho e concomitante insegurança dos restantes, fazem com que os salários dos trabalhadores temporários sejam muito menores. Este facto, juntamente com os condicionalismos legais e custos associados ao despedimento levam as empresas a optar pelos trabalhadores temporários, apesar da elevada rotação da força de trabalho que gera, indutora de quebra na motivação e na produtividade.

A forma mais óbvia de pôr cobro a este dualismo é fazer com que a forma de contratação separe os aspectos nefastos da precariedade que acompanha os contratos a prazo, dos que estão associados à contratação permanente, nomeadamente no que respeita a custos e obstáculos ao despedimento, o qual se justifica e se torna muitas vezes necessário, por razões de conjuntura, tecnológicas e de modernização da estrutura e métodos de trabalho (inovação). É este o objectivo do contrato único de trabalho. Um contrato único (unificado) sem limite de tempo à partida (ex-ante e ao contrário dos temporários) e com custos de despedimento crescentes de acordo com a senioridade (tenure) do trabalhador no posto de trabalho (e não pela natureza do vínculo com a empresa). Claro que um contrato com estas características deixa muitas questões ainda em aberto, tais como o perfil da senioridade, a eventual duração do período de retroactividade, as características da transição, etc. Mas que os benefícios da introdução de um contrato único e unificado são reais, é hoje consensual e faz parte das alterações que vêm sendo advogadas e introduzidas em países com mercados de trabalho com características duais, tal como a França e a Espanha. Aliás os benefícios resultantes repartem-se por trabalhadores e empresas, pelo que a elaboração/definição das suas características específicas, deveria situar-se no âmbito da concertação social com ampla participação dos sindicatos na obtenção de justas contrapartidas para os seus associados e os trabalhadores em geral, nomeadamente no domínio da qualificação profissional e da flexibilização das condições de trabalho. Por exemplo, encarregando-se da melhoria das qualificações profissionais dos trabalhadores, tendo em conta os perfis e as necessidades de mão-de-obra qualificada das empresas, a qual seria paga pelo Estado, desde que, e na medida em que os beneficiários da formação fossem contratados duradouramente pelas empresas.

Tudo isto, num pressuposto de flexibilização do mercado de trabalho já que os condicionalismos do presente se não coadunam com o conceito de emprego para a vida, mas tal também não deve ser equivalente à promoção da insegurança total: flexisegurança é o novo paradigma.

O foco essencial do moderno contrato de trabalho tem de visar a melhoria da produtividade e dos salários e o fortalecimento dos diretos dos trabalhadores, em particular dos mais vulneráveis, incluindo os da designada “economia gig”, mas associando-os aos princípios da motivação, competência e mérito; não a diuturnidades, ou outros direitos decorrentes da passagem do tempo.

Oxalá todos, a começar pelos governantes, mas também os demais parceiros envolvidos na concertação social, elejam o desemprego como uma das principais fontes da desigualdade social e a empregabilidade como factor de coesão e realização pessoal, e se consagrem à promoção do emprego sustentável e gratificante. Estamos em crer que o contrato único de trabalho é um instrumento eficaz para conseguir tais objectivos. Esperemos que mereça a atenção devida. Assim se conseguirá uma sociedade mais coerentemente solidária, assente na ética e capaz de promover e proporcionar uma aliança duradoura contra a austeridade.

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Portugal, a Europa e as interligações elétricas com França

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, ontem saído no jornal i.

A abertura ao “mercado elétrico europeu” vai pôr em causa vários interesses instalados que têm vivido protegidos, nomeadamente pelas FIT, que são por si só o maior atentado à livre concorrência, pelo que resta alguma expetativa sobre a concretização do que ficou acordado na Cimeira de Lisboa.

Portugal, a Europa e as interligações elétricas com França
A realização da cimeira em Lisboa, a 27 de julho de 2018, que contou com o presidente de França, o primeiro-ministro espanhol, o comissário europeu para a Energia e a vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, para reforçar drasticamente as interligações elétricas entre a França e a península Ibérica foi muito relevante para Portugal e para a Europa.

Nunca os mais altos responsáveis de França, de Espanha e de Portugal se haviam encontrado para darem urgência a um projeto estratégico da maior relevância prática: construir uma nova interconexão elétrica com uma potência de 5500 MW que irá ligar o sul de França a Espanha, ao longo da costa do golfo da Biscaia.

Numa altura em que perde terreno relativamente aos gigantes económicos – os Estados Unidos da América e a China –, é da maior importância que a União Europeia não se deixe afundar ainda mais e aposte em projetos que reforcem a competitividade económica e a utilização racional de todas as formas de produção de eletricidade na Europa.

No caso português, as empresas e as famílias têm sido vítimas, há mais de 12 anos, duma política nefasta que visa introduzir sob pressão legislativa” as renováveis intermitentes no sistema elétrico, obrigando os consumidores a pagar por esse facto um preço exorbitante e a acumular uma enorme dívida tarifária que atinge ainda 3.800 milhões de euros.

O que esteve na origem desta desgraça foi o “cocktail explosivo” dos preços de eletricidade, proveniente da “mistura” das feed-in tariffs (FIT) concedidas às renováveis intermitentes com os CAE/CMEC concedidos às centrais térmicas clássicas, que não vai ser resolvido pelo reforço em 5500 MW das interligações elétricas com França.

Todavia, esta nova interligação elétrica com França vai proporcionar, logo após a sua concretização, quatro importantes vantagens:

a) Os 15% de eletricidade que estão em mercado passarão a estar sujeitos a mais ofertas, o que permitirá uma baixa do respetivo preço;

b) Dado que as FIT abrangem hoje 6000 MW de potência intermitente – muito mais do que os 3800 MW de consumo nas horas de vazio –, esta nova interligação permitirá alargar os potenciais compradores dos excedentes assim artificialmente criados;

c) Os produtores elétricos sem FIT, sempre que fiquem sem consumidores em Portugal devido à entrada no sistema de fontes intermitentes com FIT, poderão ter alternativas de consumo de forma a reduzir o número de situações de pára-arranca a que estão sujeitos;

d) Esta redução do número de paragens/arranques contribuirá para reduzir o desperdício de energia primária de que o sistema tem sido vítima devido à intermitência das eólicas e das fotovoltaicas.

Esta abertura ao “mercado elétrico europeu” vai pôr em causa vários interesses instalados que têm vivido protegidos, nomeadamente pelas FIT, que são por si só o maior atentado à livre concorrência, pelo que resta alguma expetativa sobre a concretização do que ficou acordado na Cimeira de Lisboa.

E foram dois os vetores de atuação a curto prazo definidos nesta cimeira:

– Elaborar o projeto de engenharia da conexão elétrica de 280 km que vai ligar Cap Breton a San Sebastián e passar depois à fase de adjudicação dos equipamentos e à respetiva instalação no terreno;

– Negociar as cláusulas comerciais que definirão as regras das transações de eletricidade entre França e o atual Mibel. Sendo certo que o princípio básico será a regra do “preço mais baixo em cada momento”, haverá que definir ainda quais os agentes que poderão atuar nesse mercado e em que condições serão negociadas, executadas e liquidadas essas transações.

Note-se que, com esta nova interligação, a potência da totalidade das interligações entre a França e a península Ibérica passará a ser da ordem dos 9300 MW, o que exigirá certamente “plataformas de negociação” altamente eficazes e fiáveis.

Mas, aqui chegados, voltamos a uma questão fundamental:

Se os dirigentes europeus preveem que este Mercado Elétrico do Sudoeste Europeu, envolvendo França, Espanha e Portugal, entre em funcionamento até 2023, como irá ele articular-se com o “cocktail explosivo” do Sistema Elétrico Português que, no atual quadro legal, se irá prolongar até 2033?

Este é certamente um problema da mais alta importância que a Cimeira de Lisboa não irá só por si resolver, até porque só menos de 15% da produção de energia elétrica portuguesa é negociada em mercado.

O que a Cimeira de Lisboa revela é que este enorme problema que há anos estava esquecido neste canto da Europa passou a ter uma dimensão europeia e, por isso, foram agora concedidos 578 milhões de euros para esta nova interligação.

E a forma como este problema vai ser resolvido vai depender da qualidade da democracia em Portugal, bem como da determinação dos dirigentes europeus para resolverem os problemas concretos dos cidadãos e das empresas europeias, neste momento crucial de preparação das eleições para o Parlamento Europeu, que irão decorrer em maio de 2019.


Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O Palácio do Vento e o Palácio de S. Bento

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído ontem no jornal i.
No Palácio do Vento, em Jaipur, a concubinagem era às claras e permitida pela lei que o próprio marajá decretava. Em S. Bento, a regra tem sido escondê-la ou mostrá-la como acasalamento sólido e estável, mas nunca selando qualquer contrato de vida conjunta.
O Palácio do Vento e o Palácio de S. Bento  
A fachada rosa do Palácio do Vento, em Jaipur, na Índia, que há uns anos visitei, permite adivinhar um edifício grandioso. Mas não é assim. Trata-se apenas da fachada de cinco andares de varandas rendilhadas de um palácio inexistente, mas que acaba por ser um extraordinário monumento.

As concubinas do marajá de Jaipur andavam desgostosas por estarem confinadas ao palácio real. Não vendo ninguém a não ser o marajá e os eunucos, e só conversando entre elas, invadiu-as uma grande monotonia. Temendo falta de motivação das damas para as suas nem sempre fáceis tarefas, que a prática do Kama Sutra continha exigências de elevado nível qualitativo, e procurando preservar a sua qualidade de vida, o marajá resolveu oferecer-lhes uma varanda de onde pudessem recriar a vista com os passantes e o movimento da cidade. A fachada constitui um dos símbolos de Jaipur.

Lembrei-me que, rimando com Palácio do Vento, temos cá o Palácio de S. Bento, inicialmente um virtuoso convento beneditino e, depois, um não menos puro Palácio das Cortes, virtude certamente aumentada com o palacete construído nas adjacências traseiras. No entanto, não estou totalmente seguro de que a semelhança entre os dois palácios se fique pela rima e que o Palácio de S. Bento nunca tenha seguido a vocação do Palácio do Vento, metaforicamente falando, claro está.

É verdade que com regras diferentes: no Palácio do Vento, a concubinagem era às claras e permitida pela lei que o próprio marajá decretava, enquanto em S. Bento, ainda metaforicamente falando, a regra tem sido escondê-la. Ou, em certas ocasiões, mostrá-la como acasalamento sólido e estável, mas nunca selando qualquer contrato de vida conjunta, já que diferenças mal assumidas entre as partes o poderiam reverter a todo o momento, tornando mais cara a separação.

Concubinagem política existe quando, sobrelevando-se ao bem comum, interesses pessoais, partidários ou políticos, económicos e corporativos se cruzam para promover o poder dos marajás de ocasião e daí retirar as ajustadas contrapartidas pessoais e políticas. A outorga de contratos de escandalosa rentabilidade e nulo risco ou a reserva privilegiada de lugar à mesa do Orçamento a quem, pessoas ou corporações, possa favorecer a renovação do poder, em troca ilegítima de serviços a custo do cidadão, é concubinagem pura e dura.

E se no palácio real de Jaipur havia geringonças de apoio aos exercícios mais acrobáticos do Kama Sutra, também por cá elas vão aparecendo para os exercícios menos democráticos do poder. Mas enquanto lá as peças se ajustavam e as geringonças ainda podem ser vistas, na geringonça caseira, não figurando o acasalamento das peças em qualquer manual conjunto, a fragilidade da quadripeça aparece tanto mais evidente quanto cada qual se apressa a reivindicar a importância decisiva da sua contribuição e a maior performance pessoal entre os parceiros – no fim, mera traficância de serviços entre si, mascarada de benefício público.

Assim, é na proclamação ideológica que o acasalamento se sustenta: a saúde pública, a escola pública, o transporte público ou a reposição de direitos dos funcionários tornam-se slogans para abafar o ruído do avolumar das filas de espera nos hospitais, das dificuldades do ensino e transportes, da falha clamorosa dos serviços públicos, com o cidadão a pagar no privado o serviço público que lhe falta, mesmo com a maior carga fiscal de sempre.

A fachada monumental do Palácio do Vento escondia a dramática realidade de concubinas aprisionadas, aparentando para o exterior invejáveis condições de bem-estar.

A fachada do Palácio de S. Bento esconde muitas vezes uma democracia sem qualidade, em que a política se tornou um bem transacionável ao sabor de interesses partidários ou de corporações amigas.

E se, no Palácio do Vento, os eunucos eram úteis para pôr fim a concubinais rivalidades, no Palácio de S. Bento também não faltam, para justificar políticas de todo indefensáveis ou divulgá-las como inestimável serviço aos cidadãos.

Afinal, não será apenas a rima que une o Palácio do Vento e o Palácio de S. Bento. Caricatura? Mas não é a caricatura, acentuando traços, que tantas vezes melhor traduz a realidade?

A Sedes e a Associação Por Uma Democracia de Qualidade realizam hoje uma conferência sobre a reforma do sistema eleitoral. Oxalá que seja mais um passo para acabar com tal rima e adocicar a caricatura. 

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor
Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

PSOSD – falta de visão, de sonho e de ambição

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
O que a atual direção do PSD mostra é muito pouco. É um SOS para o partido e por isso um SOS para o país. 
PSOSD – falta de visão, de sonho e de ambição 
Uma democracia saudável assenta em debate fértil de conceitos e projectos que cimentam a construção de visões e sonhos na direcção de uma sociedade mais feliz, equilibrada e justa. Esse é o principal papel dos políticos. Entender o presente, visionar o futuro e construir as pontes que nos levam, enquanto sociedade, a dar os passos em direcção aos sonhos e visões.

Os líderes, os verdadeiros líderes, corporizam essas visões, conceitos e projectos e aos olhos dos outros não restam dúvidas sobre quem são e o que defendem. A história mostra-nos fantásticos exemplos de seres humanos que colocaram a vida ao serviço de causas. Ao seu tempo destacaram-se pela capacidade de defenderem a construção de futuros melhores e mobilizarem movimentos de cidadãos capazes de transformar os sonhos em realidades. Nessas circunstâncias, as causas que defendem e as capacidades de as executarem são facilmente perceptíveis.

A actualidade mostra-nos em Portugal a ausência de debate de conceitos, visões e sonhos e que a política se transformou na galhardia de pequenos temas. Enquanto isso o País fica mais endividado e para alimentar a máquina de um estado sôfrego e despesista, a carga fiscal sobre pessoas e negócios estrangula o crescimento económico. Salvaguardar a sustentabilidade desse modelo é precisamente o que o PSD anulado e desagregado está a fazer. Dir-se-ia que é tempo de o partido de Sá Carneiro se assumir e defender um país economicamente mais arrojado, socialmente mais justo, e acima de tudo mais exigente com a organização e funcionamento das instituições públicas. Em vez disso temos um mau governo sem oposição. Há tanto para reformar nos modelos de governação e desenvolvimento económico que ambicionar à vice-presidência do governo revela falta de visão, sonho e ambição. Essa ausência é mortífera em qualquer área da actuação humana, mas em política as consequências são sublinhadamente graves por implicarem a vida das pessoas.

À ausência de ideias e fundamentos aglutinadores da energia dos Portugueses, substituem-se argumentos de carácter administrativo, como é o do cumprimento de mandatos, reveladores de posturas muito pouco compatíveis com o exercício da actividade nobre de construção e defesa de visões e sonhos de futuro. O que a actual direcção do PSD mostra é muito pouco e extremamente preocupante. É um SOS para o partido e por isso um SOS para o país; é de facto um PSOSD.

Passada mais de uma década sobre a fundação de um partido sei, faz muito tempo, que o país não necessita de mais partidos; precisa de líderes fortes, de ideias, de sonhos e de reformas na política e na economia. Os mandatos servem para as colocar em movimento, são instrumentos, não fins em si.
Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político
Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i