quarta-feira, 27 de julho de 2016

A reforma do sistema eleitoral, imprescindível para uma melhoria de Portugal


Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.

A sociedade civil não pode continuar a aceitar que as listas para deputados  sejam elaboradas pelos directórios dos partidos em círculos distritais.


A reforma do sistema eleitoral, imprescindível para uma melhoria de Portugal
Quer os directórios partidários queiram ou não os pilares de uma democracia estão assentes em bases cuja solidez depende da forma como são escolhidos os Deputados para a Assembleia da República. 

Sem uma Assembleia que legisle e supervisione o Governo da Nação de forma verdadeiramente representativa da vontade popular é impossível ter-se uma Democracia assente em bases sólidas e que não esteja à mercê do ataque de grupos de pressão. Só Deputados verdadeiramente representantes do povo podem actuar como uma voz eficaz junto do Governo, para que este torne o Sistema Judicial muito mais eficiente e que atente em políticas que verdadeiramente coloquem o país a crescer para que se reduza o nível de desemprego, só para mencionar dois aspectos que nos trazem em grande sofrimento. 

Nada será conseguido até ao dia em que se proceda a uma alteração do nosso Sistema Eleitoral. Não temos de inventar a roda, apenas temos de aproximar o nosso Sistema Eleitoral dos Sistemas Eleitorais de países com mais, ou muito mais, experiência democrática do que a nossa. Somos um país fabuloso, com gente fabulosa, mas que está com um grande problema a nível do endividamento externo e do défice de representatividade parlamentar que vem afectando muitas tomadas de decisão. 

Os directórios partidários têm feito um trabalho de grande eficiência em auto-protegerem-se, não legislando para a existência de votações em círculos uninominais (que a Constituição já permite há quase vinte anos!) e muito menos para abrirem o Parlamento a candidatos independentes dos sistemas partidários (que a Constituição não permite, mas devia permitir).

De uma forma vergonhosa têm horror a estas ideias e a quem as propõe, porque esses, estão a atacar o sistema que ardilosa e cuidadamente estabeleceram. Muito temos escrito nesta série de artigos sobre a importância de existir uma reforma do nosso Sistema Eleitoral, possibilitando uma selecção de Deputados para a Assembleia da República, com acrescida participação dos eleitores. Na última semana lemos uma primorosa comparação, da autoria de Henrique Neto, sobre as diferenças dos processos de escolha dos jogadores, Campeões Europeus de Futebol e dos Deputados da nossa Assembleia da República. 

Notável referência essa! A Sociedade Civil não pode continuar a aceitar que as listas para Deputados sejam elaboradas pelos directórios dos partidos em círculos distritais, nas quais os eleitores não têm nenhuma hipótese de priorização ou avaliação dos candidatos propostos. A figura do voto preferencial deve absolutamente ser inserida no Círculo Nacional, essa sim com candidatos apresentados pelos partidos políticos. No Sistema Eleitoral vigente, tal como acima mencionei, também não é dada a possibilidade a candidatos independentes das estruturas partidárias a apresentarem-se, por decisão própria, a sufrágio em círculos uninominais, e assim entrarem para o hemiciclo por vontade expressa também dos eleitores. 

Atente-se em alguns aspectos, bem revoltantes, da gestão da elaboração das listagens de candidatos a Deputados efectuada pelos directórios de alguns partidos nas últimas eleições legislativas. Verifica-se, de imediato, que deputados de enorme valor foram retirados das listas de candidatos. Não podendo, obviamente, mencionar todos, não quero deixar de referir aqui os importantes nomes de José Ribeiro e Castro, Teresa Anjinho, Altino Bessa, Rui Barreto, Pedro Saraiva, Paulo Mota Pinto, Carina Oliveira, João Lobo, Vasco Cunha e Pedro Lynce, entre outros. Com que objectivo foi isto feito? A Assembleia ficou privada de um conjunto de Deputados que fizeram, no passado, exímios trabalhos nas Comissões da Especialidade, de que muitos destes foram Presidentes, contribuindo muito para a elevada eficiência de tarefas relacionadas com processos bem complexos tratados na anterior legislatura.

Muitos de nós nem disso demos conta porque votamos de forma cega em partidos, desconhecendo muitas vezes até mesmo os nomes do cabeça de lista da lista em que votamos. A Sociedade Civil tem também de se aprimorar e impor mais exigências aos partidos políticos que escolhe. Tudo porque, erradamente, votamos em meia dúzia de directórios que em tudo mandam, porque assim deixamos. 

Os Deputados referidos no parágrafo anterior, e outros, claro, fazem parte de um conjunto de candidatos em que a Sociedade Civil muito gostaria de poder votar e que, estou convicto, por sua vontade própria integrariam círculos uninominais como candidatos dependentes ou independentes das estruturas partidárias. 

Aos eleitores caberia decidir qual o deputado mais votado em cada círculo uninominal, o qual entraria assim no importantíssimo hemiciclo. Para que se possam escolher os deputados de uma forma muito mais democrática escrevemos, há dois anos, o Manifesto “Por Uma Democracia de Qualidade”, que está cada vez mais actual, sendo, por conseguinte, a sua implementação cada vez mais premente e absolutamente crucial. 

Informações sobre a Subscrição do nosso Manifesto, Contactos e outras perguntas podem ser feitos através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com

Fernando TEIXEIRA MENDES
Empresário e gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade


quarta-feira, 20 de julho de 2016

O sucesso do futebol nacional e a crise democrática

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.

Já Michael Porter dizia que Portugal devia escolher o futebol como um dos setores onde apostar, alegando a tradição, saber e competência específicas.


O sucesso do futebol nacional e a crise democrática
A equipa portuguesa de futebol ganhou em Paris a Taça da Europa, vencendo a França na final, e os portugueses espalhados pelos cinco continentes vibraram de emoção patriótica como não se assistia há muito. O Presidente da República, o primeiro-ministro e muitos outros políticos avulsos cavalgaram a onda na esperança, penso, de que o êxito do nosso futebol na Europa possa fazer esquecer as agruras da vida aos portugueses, ou porventura na expectativa de que o futebol possa dar uma ajuda ao défice do Estado e evitar as sanções de Bruxelas.

O sucesso do futebol nacional era previsível. Já Michael Porter, quando por cá andou há anos a estudar a economia portuguesa, a convite do então ministro da Indústria, Luís Mira Amaral, escolheu o futebol como um dos setores onde apostar, com o argumento de que deveríamos privilegiar fazer aquilo em que tínhamos tradição, saber e competências específicas. O futebol seria, por essa razão, uma das atividades mais promissoras da economia nacional. Outras eram os setores tradicionais como as atividades do mar, o calçado e a confeção, argumentando que todos os setores da economia eram suscetíveis de modernização e de aplicação de novas tecnologias.

Michael Porter tinha razão, como acaba de se verificar em Paris. Mas também na forma como a realidade económica portuguesa tem evoluído através das exportações. Com a nota adicional de que são os setores onde existe concorrência e que vivem fora da alçada do Estado, que progridem; e, pelo contrário, as atividades que sofrem a influência nefasta do Estado tendem a definhar ou a entrar em crise, como está a acontecer com o sistema financeiro.

Para uma melhor compreensão, calcule-se o que aconteceria se os jogadores da equipa portuguesa vencedora do Europeu fossem escolhidos com os mesmos critérios com que são escolhidos os deputados da Assembleia da República, com base no pagamento de favores antigos, de fidelidades e de interesses vários. Ou se as carreiras dos diversos profissionais presentes em Paris não tivessem sido baseadas no mérito, na vocação e na competição entre todos.

Esta é a lição útil a retirar do sucesso da equipa nacional de futebol, a que acrescento o facto de a liderança do grupo ter sido entregue a alguém que é também um produto da competição e da concorrência, competição no plano nacional mas também no plano internacional.

São estas as razões críticas do sucesso da equipa nacional de futebol, razões que são as mesmas que estiveram na origem da criação do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade, onde se reivindica a reforma das leis eleitorais com o objetivo de criar competição aberta e livre na escolha dos candidatos a deputados, a fim de só chegarem à Assembleia da República os melhores, os mais escrutinados, os mais competentes e os mais vocacionados para gerir os destinos de Portugal - modelo de escolha que deveria ser extensivo a todos os cargos políticos, como é próprio de um regime que se quer democrático.

Festejemos, pois, o sucesso da equipa nacional de futebol em Paris e a lição de competência que a vitória nacional está a dar, mas sem esquecer as conclusões que devemos retirar dessa vitória, que mostram à sociedade que não são os portugueses em geral que estão na origem da grave crise nacional que atravessamos, mas sim a forma como somos politicamente dirigidos, com base num modelo de escolha dos protagonistas pouco democrático e em que a competência não é o principal critério, ao contrário do que acontece no futebol.


Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Digressões à volta do Brexit e das sanções

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
O que o referendo inglês provou é que é possível entrar e sair. Que a entrada deixou de ser irrevogável e que a saída é uma possibilidade a encarar.


Digressões à volta do Brexit e das sanções
Desde que, no passado dia 23 de junho, o Reino Unido (RU), para imensa surpresa dos próprios e do resto da Europa, votou pela saída da União Europeia, sentiu-se um movimento de choque como há muito não havia em matéria de integração europeia.

Nos anos 80, sobretudo na segunda metade, proliferaram cursos de “estudos europeus”, promovidos pelas nossas melhores universidades, em que a cadeira de “integração europeia” avultava.

Hoje em dia faria mais sentido introduzir também uma cadeira de “desintegração europeia”.

Não só o RU declarou querer sair como é a primeira vez que alguém quer sair. Até aqui tínhamos o exemplo suíço que, por referendo, em 92, declarou não querer entrar e nem sequer querer aderir a esse espaço vestibular que é o Espaço Económico Europeu (EEE). No resto da Europa, o sentimento prevalecente era o de que toda a gente queria aderir à União Europeia e que convinha pôr os postulantes em decorosa espera, suster--lhes a sofreguidão.

Já não é o caso. O Espaço Económico Europeu, de que fazem parte a Noruega e o Liechtenstein, deixou de ser um vestíbulo de acesso para ser um espaço de permanência. Das várias gradações que do coração da Europa (euro e Schengen) até aos tratados de associação, passando por aqueles que estão em Schengen mas não na União (Suíça), que estão na União mas não no euro (Dinamarca e Inglaterra) ou que, não tendo o opting–out que os ingleses e dinamarqueses negociaram, mantêm a obrigação teórica de aderir ao euro, e ainda por aqueles muitos que têm tratados de associação, de fixação de paridade de moedas, de acesso privilegiado ao mercado único, tendo de aceitar as suas regras e jurisprudência, a Europa é, de facto um verdadeiro arco-íris de possibilidades.

O que o referendo inglês provou é que é possível entrar e sair. Que a entrada deixou de ser irrevogável e que a saída é uma possibilidade a encarar.

O mundo à nossa volta muda e muda de acordo com os seus ritmos próprios, e não de acordo com as palavras de lei fixadas nos complexos tratados europeus.

O primeiro grande fator dessa mudança chama-se globalização, aquele movimento que trouxe os mercados para a vida quotidiana dos cidadãos, tirou da miséria milhares de milhões de seres humanos, criou um sistema financeiro global e pôs em confronto os trabalhadores europeus e americanos com os do Bangladesh e da Índia.  
Tirando as diferenças de produtividade, esses trabalhadores do antigo Terceiro Mundo, que também têm direito à sua parcela de modesta prosperidade, são muito mais baratos do que os excelentes trabalhadores do nosso mundo ocidental; em muitos casos, fazem a mesma coisa…

Este facto tem gerado no Ocidente uma frustração progressiva com a globalização, que nos rouba postos de trabalho e crescimento económico em proveito de esses outros países. É esse o fator decisivo na sensibilidade extrema que as nossas sociedades estão a desenvolver. Vários politólogos começam a falar nos “angry voters”, os eleitores irritados, que votam em partidos que eram extremistas há uns anos e agora são quase do main-stream, os Trumps e LePens, os Orban, os Dutertes…

Este não é o ambiente propício para discussões serenas, princípios intransigentes ou dura lex, sed lex. Este não é o ambiente apropriado para impor sanções a ninguém. Menos ainda quando a União Europeia declara o seu amor ao princípio das sanções (as regras são para cumprir), mas só decide aplicá-las a quem pensa que não pode reagir, ou seja, Portugal e Espanha, mas não a França.

As sanções estão previstas nos tratados desde o Tratado de Maastricht, de 1992. Certo. Bem me bati contra o princípio na altura, sem sucesso.

Agora, parece-me que não é o princípio que está em causa: em dúzias de vezes que o teto orçamental dos 3% foi ultrapassado, ninguém falou em sanções. Mesmo agora, sendo o défice francês maior do que o nosso (!), ninguém fala em impor sanções à França. A Comissão invocou até uma causa de exclusão da responsabilidade francesa: os franceses tinham tido um “enorme” acréscimo de despesa com segurança pública, por causa dos atentados…

A impressão que dá é que um país – a Alemanha – decidiu subir a parada para todos os outros, martelar a mesa dos conselhos com o seu próprio e crescente poder, assumir o mando informal da Europa, e quem não aguentar a passada sai da formatura, como naqueles filmes sobre o treino dos serviços especiais em que os mais fracos vão sendo sucessivamente eliminados com exigências crescentes.

Digo eu, provavelmente muito minoritário, que neste cenário convém olhar com maior atenção para o exemplo britânico. Não queremos sair do euro, muito menos da “Europa”, mas se o cenário é de uma humilhação crescente perante a exposição das nossas fragilidades, que só podem acentuar-se, então convém pensar em alternativas realistas e nossas.

É bom saber que há mais vida para além da União, que há a EFTA (AECL), que há o Espaço Económico Europeu, que talvez termos a nossa própria moeda possa ser um fator de competitividade e realismo. Talvez. É que convém mesmo pensar nisto, sopesar os prós e os contras.

Para já, para já, não ficava mal ao governo português, se quer ser menos lambe-botas que o anterior, chamar a atenção nas instâncias próprias, a começar pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, para que ainda não nos habituámos a viver num sistema orwelliano em que todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.

E, já agora, que cada vez que o irritante ministro das Finanças da Holanda ou o DDT alemão abrem a boca sobre Portugal, os juros da nossa dívida sobem e isso custa-nos dinheiro!

E mil parabéns a Portugal pela vitória da nossa seleção no Euro 2016.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.


sábado, 9 de julho de 2016

A morte do Capitão Valadas


Faleceu na passada sexta-feira, 1 de Julho, o Capitão Valadas, assim conhecido por várias sucessões de dirigentes e militantes do CDS-PP. Foi o director administrativo e financeiro do partido. Não tinha a responsabilidade de decidir, mas a funcional e executória, dirigindo ainda em geral os funcionários da sede nacional e os serviços centrais. O cargo, que creio manter-se, embora com outro titular, que não conheço, depende do Secretário-Geral do CDS – e, sempre que o houve, também do dirigente nacional com o pelouro financeiro. Por vezes, nalgumas matérias, reportava directamente ao presidente do partido.

Só o conheci quando voltei à actividade partidária em 1998. No meu tempo inicial no CDS, até 1983, era outro a desempenhar essas funções (entretanto, também já falecido: o Capitão Brás dos Santos). Desde então, sempre vi o Capitão Valadas. Esteve lá sempre, em todos os momentos e dificuldades. Nunca virou a cara. Não há dirigente de base, intermédio ou nacional do CDS que não saiba quem é o Capitão Valadas – todos tiveram que tratar com ele por alguma questão funcional ou para solucionar aquelas urgências que sempre surgem nas campanhas eleitorais e sob a sua pressão.

Não sei quando começou; mas creio que serviu o CDS-PP por mais de 20 anos, talvez 25 ou ainda mais. Foi um leal, cumpridor e muito dedicado servidor do partido. Um homem pacato. Era também muito discreto. Tão discreto, tão discreto que bem procurei, mas não encontrei uma só fotografia dele para ilustrar este post. Contudo, a imagem que uso acima ilustra suficientemente bem o que tenho de escrever.

Não lhe devo nada a ele, nem ele a mim. Nos dois anos em que fui presidente do partido, ele cumpriu bem as suas responsabilidades. E eu também procurei cumprir bem as minhas. Pude confirmar a ideia que já tinha: era um funcionário leal, experiente e zeloso. Confiei nele e respeitei-o sempre. Não tenho a mais pequena razão de queixa. E foram vários os problemas e dificuldades com que nos deparámos e se cruzaram connosco.

Saí de presidente. E ele continuou o director. Como já era antes.

Ultimamente, à parte a cerimónia principal dos 40 anos do CDS, cruzávamo-nos apenas algumas vezes no hospital. Eu, graças a Deus, bem – por alguma consulta ou exames de rotina. Ele, infelizmente, pelos vistos, mal; eu não sabia que tão mal.

Soube do seu falecimento, já em cima da hora do enterro, por uma mensagem de telemóvel de um antigo funcionário do partido que achou por bem prevenir-me. Estava fora de Lisboa e tive o tempo necessário para chegar à Basílica da Estrela, nesse sábado, 2 de Julho, à hora exacta da última missa de corpo presente, antecedendo a saída do funeral. Foi uma cerimónia simples e sóbria, como acontece. Mas talvez simples e sóbria demais, embora o sacerdote e dois fiéis com jeito procurassem enternecer o momento com o improviso pontual de alguns cânticos.

Fiquei surpreendido – e chocado – com a pouca gente que esteve nesse penúltimo acto. Contei os presentes: éramos, salvo erro, 35 pessoas.

Tirando os familiares e amigos pessoais, incluindo o que me pareceu ser uma pequena representação corporativa da Força Aérea, sobrariam talvez com ligação política ou funcional ao CDS não mais do que uma quinzena de pessoas. Funcionários do partido, creio que estavam uns três. O Capitão Valadas, pelos meus cálculos, serviu lealmente uns onze secretários-gerais consecutivos do CDS-PP, ao longo de mais de duas décadas – destes, na Basílica, estiveram presentes apenas três: o actual Secretário-Geral, Pedro Morais Soares (e muito bem), o Luís Pedro Mota Soares e, chegando antes do fim da celebração, também o António Carlos Monteiro, com sua mulher. De actuais e antigos dirigentes nacionais do partido, estávamos, além destes três, ainda o Abel Pinheiro, eu próprio e, chegando antes do fim, a Teresa Caeiro. Nem mais um: seis no total. Dos dirigentes distritais e concelhios do CDS (são alguns milhares), que todos trataram diversas vezes com o Capitão Valadas, vi apenas um: o antigo deputado João Viegas, hoje líder distrital de Setúbal. Mais nenhum. E, dos antigos, apenas a histórica Isabel Fernandes Homem. Da JP, ninguém. Da FTDC, também não.

Anteontem, quinta-feira, 7 de Julho, foi a missa de 7º dia. De novo na Basílica da Estrela.

Fui avisado outra vez por mensagem de telemóvel, agora por uma colaboradora do partido com que me cruzara no enterro e entendeu avisar-me. Agradeci; e fui a essa missa, anteontem.

Por junto, nesse fim de tarde na Basílica da Estrela, entre familiares, amigos próximos e outros por razão de alguma forma CDS, estávamos nove na celebração pela intenção do Capitão Valadas. Daqueles por razão CDS, estivemos somente três: uma secretária do grupo parlamentar (a Maria João Évora), o responsável nacional autárquico, Domingos Doutel (porventura titulando a representação oficial da direcção nacional), e eu próprio. Ponto final. Foi isto.

Nos últimos anos de vida, o Capitão Valadas teve de passar por momentos amargos, feito arguido num processo judicial complexo, em razão do desconhecido militante Jacinto Leite Capelo Rego, e outros ignotos companheiros deste. A única responsabilidade que lhe poderia ser imputada era a inerente à responsabilidade funcional do cargo de que era titular nos serviços centrais. Mas, conhecendo a sua probidade, não me custa imaginar o que lhe terá doído ver-se puxado para esse processo e aí mastigado. Não faço a mais pequena ideia sobre se ele sabia ou não sabia alguma coisa que a Justiça quisesse saber. Sei que, se algo sabia, calou o que soubesse, para não causar mais dano ao partido ou a qualquer dirigente. Como já disse, o Capitão Valadas foi um leal, cumpridor e muito dedicado servidor do partido. Sempre o conheci assim.

Foi absolvido, aliás, de toda e qualquer acusação – embora me dissessem, na Estrela, que, pela deterioração última do seu estado de saúde, talvez já não tenha tomado conhecimento ou plena consciência da última decisão judicial recente que o libertou em definitivo de qualquer responsabilidade e imputação. Morreu honrado e de honra limpa, como sempre foi e o conheci.

Há cerca de um ano, escrevi um artigo intitulado O dia em que morreu o CDS. É preciso lê-lo para entender o que quis dizer, escrevi e critiquei. Não digo, aliás, estas coisas com qualquer tipo de prazer – é triste ver morrer o que gostamos. E pertencemos.

Nesta semana, por estes factos que desabafo, confirmei a mesma impressão. No PSD, com que dirigentes do CDS tanto gostam de comparar-se, isto seria impossível: nenhum deserto destes rodearia o enterro de um antigo e alto funcionário do PSD.

Em qualquer partido, estou certo de que isto nunca aconteceria. Olhando ao PAN, que é o mais recente partido parlamentar, com apenas um deputado, não faço ideia se dispõe de director administrativo e financeiro. Mas, se tiver e se ele morresse, estou certo de que, no seu enterro, haveria mais gente do PAN do que os CDS que prestaram as últimas homenagens ao Capitão Valadas. Nenhuma organização viva – e com espírito vivo, isto é, com alma, memória e sentido gregário – age desta maneira.

Comentei com uma amiga que estivera no enterro, o que vi na missa do 7º dia. Ela, que é impecável e muito amiga do Capitão Valadas, sentiu-se na necessidade de justificar: “Ó Zé, não soube. Devia ter estado atenta, para não ter faltado.” Logo respondi que nem de perto, nem de longe estava a fazer-lhe qualquer reparo – até porque não tinha qualquer obrigação. Estava a reportar a desolação de termos estado apenas três CDS na Basílica da Estrela. Havia quem tivesse obrigação de avisar e passar palavra – e não o fez.

Fui, há pouco, verificar no portal do CDS-PP se havia, ao menos, uma mensagem, uma qualquer notícia, uma breve homenagem, um pequeno sinal de luto, umas condolências, uma palavrinha de sentimentos, uma simples nota pelo falecimento do Capitão Valadas. Nada! Se não me enganei na busca, que foi cuidada e prolongada, nada e mais coisa nenhuma. [ver: ADENDA final.]

Foi por isto que fiquei com o sentimento de que não foi o Capitão Valadas que foi a enterrar, no dia 2 de Julho. Foi mais o CDS. Só isso explica que não estivesse lá quase ninguém.

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ADENDA final

Uma cuidadosa e atenta leitora do meu texto chamou-me amavelmente a atenção para que havia mensagens de condolências no Facebook. De facto, assim é.

O saudoso Capitão Valadas,
na entrada da sede nacional do CDS-PP
Fiz nova busca e deparei com notícias e mensagens de condolências saídas, no dia 1 de Julho, na Concelhia de Lisboa do CDS e na da JP - Juventude Popular e, no dia 2 de Julho, página do CDS (nacional).

A nota da concelhia de Lisboa foi ainda replicada, no próprio dia 1, pela página da Distrital de Aveiro do CDS e, no dia 4, pela página do CDS-PP dos Olivais - Lisboa. A nota nacional da JP foi replicada, no dia 3, na página da Concelhia de Palmela da Juventude Popular. E a nota nacional do CDS foi também replicada, no dia 4,  pela página do CDS-PP dos Olivais - Lisboa. Alguns militantes e dirigentes locais do CDS registaram aí os seus comentários e partilharam também estes posts nas suas páginas pessoais.

Estas notas são ilustradas com algumas fotos - saudosas - do Capitão Valadas e têm palavras tocantes e justas. Merecem ser lidas.

No Facebook, terão sido pouco lidas e foram pouco atendidas. Os factos ocorreram como os vivi. Mas, na verdade, houve informação e textos de homenagem partilhados por instâncias do CDS e da JP no Facebook. Fica esta correcção e complemento.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

A caverna da geringonça

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de António Pinho Cardão, saído ontem no jornal i.
Só um renovado sistema eleitoral, potenciador da ascensão dos melhores e mais dedicados à coisa pública e criador de lideranças idóneas, poderá abrir a caverna à luz do dia.

A alegoria da caverna, de Platão
[clique para ampliar a imagem]

A caverna da geringonça 
Na alegoria da caverna, Platão imaginou um grupo de prisioneiros acorrentados numa caverna desde que nasceram, olhando o tempo todo para a parede do fundo, iluminada pela luz de uma fogueira atrás deles colocada. Para além da fogueira circulam pessoas erguendo objetos. Um muro esconde as pessoas de tal modo que os prisioneiros apenas podem ver as sombras que tais objetos projetam e ouvir o barulho exterior, que naturalmente associam às sombras, pensando ser ele as falas das mesmas. Para os prisioneiros, as sombras são a realidade.
Se um dos prisioneiros fosse libertado, a luz ofuscaria a sua visão e ele não veria distintamente a nova realidade. E se lhe dissessem que aquilo que agora distinguia era o real e as imagens que anteriormente via eram fantasmas, ele não acreditaria. Se voltasse à caverna, os seus olhos, entretanto sensibilizados à luz, ficariam cegos devido à escuridão. E se revelasse aos companheiros a situação que pudera contemplar, tomá-lo-iam como louco. Temendo ficar possuídos de ideias assim tão absurdas, ameaçariam mesmo de morte alguém que tentasse tirá-los da caverna.
Lembrei-me da alegoria quando, faz um ano, os economistas do PS elaboraram um programa com vista às eleições. Nele apresentavam um novo paradigma para a economia e finanças públicas, baseado num estímulo da procura interna, que levaria a um crescimento do investimento de 7,8% e do consumo privado, situação que, alavancada por um aumento das exportações de 5,9%, potenciaria um crescimento do PIB de 2,4%, possibilitando a diminuição do défice e até o aumento dos gastos públicos. Perante tal fantasia, pensei que só poderia ter sido elucubrada por personagens encerradas numa caverna, recebendo de uma qualquer malévola geringonça imagens turvas, sombras do mundo real.
O que se confirmou quando alguns desses personagens, momentaneamente libertados, foram por tal geringonça encarregados de elaborar um programa de governo. E se a sua visão já era a das sombras desfocadas, a luz que puderam vislumbrar mais obscureceu essa visão. Pois só uma visão confusa poderia levar ao aumento de gastos públicos eleitoralistas, ao desfazer de privatizações efetuadas, ao lançamento de novos impostos, máxime sobre o consumo, gripando o seu próprio alegado motor do crescimento, com prejuízo da economia. E reduzindo o défice, pasme-se!
E se, no mundo exterior, muitos demonstram que tais imagens atentam contra a realidade, mais os prisioneiros, alcandorados a governantes, se obstinam em considerar como autênticas as imagens virtuais que uma geringonça sombria lhes fez criar.
Visão tão obliterada que leva a proclamar êxitos mesmo quando o desemprego aumenta ou quando o indicador de atividade económica se torna pela primeira vez negativo, de há anos a esta parte.
E visão tão ofuscada que negam validade às mais sérias estimativas, que apontam para um crescimento do défice, uma estagnação do investimento (0,1%) e das exportações (1,6%), contra os 7,8% e os 5,9%, respetivamente, projetados na caverna.
Aprisionados na escuridão de conceitos fora de tempo e de senso, eles teimosamente persistem nos fantasmas que criaram e que a todos pretendem impor. Creio bem que Platão imaginou a caverna pensando na atual geringonça.  
Só um renovado sistema eleitoral, potenciador da ascensão dos melhores e mais dedicados à coisa pública e criador de lideranças idóneas, poderá abrir a caverna à luz do dia.
Uma democracia de qualidade é uma democracia aberta à luz, não uma democracia de sombras que nega as mais óbvias evidências. Como a geringonça nega.

António PINHO CARDÃO
Economista e gestor - Subscritor do Manifesto por Uma Democracia de Qualidade