sábado, 17 de setembro de 2016

16.out.2016 | As eleições açorianas e a liderança do CDS

Assunção Cristas e Artur Lima,
líderes do CDS a nível nacional e no Açores

A seguir à recente confirmação da candidatura a Lisboa por Assunção Cristas, o jornal PÚBLICO escreveu esta peça jornalística "Assunção Cristas: uma líder em construção que arrisca teste das urnas em Lisboa". A peça termina assim:

«O primeiro teste da líder nas urnas será já no próximo mês, nas eleições regionais dos Açores. Uma disputa difícil para o CDS, já que o quadro político está muito polarizado entre PSD e PS. E há quem não esqueça que Paulo Portas, quando regressou à liderança do partido, iniciou com as eleições dos Açores de 2008 um ciclo de crescimento eleitoral do partido até 2011.»

Este trecho final mostra como está minado o terreno de Assunção Cristas dentro do CDS-PP e da sua própria direcção. O facto não é novidade face a comentários saído nos últimos meses. Assunção Cristas foi eleita Presidente, no último Congresso, por 95,6% dos votos, mas muitos destes não trabalham para o seu sucesso. Já se viu disso antes no CDS - noutros partidos também.

O fecho da peça do PÚBLICO coloca à vista a próxima ratoeira na mão dos críticos: «há quem não esqueça que Paulo Portas (...) iniciou com as eleições dos Açores de 2008 um ciclo de crescimento eleitoral.» A responsabilidade da armadilha não é da jornalista Sofia Rodrigues. É das fontes bem colocadas na direcção do partido que a iludiram e enganaram, levando-a a escrever um desafio político totalmente inconsistente.

A lenda de as regionais de 2008 nos Açores terem iniciado «um ciclo de crescimento eleitoral do partido até 2011» é uma meia-aldrabice que foi alimentada na altura, perante confrangedora falta de capacidade crítica e de avaliação objectiva por comentadores e observadores externos. Só a distância da comunicação social nacional (dominantemente lisboeta) face à distante realidade insular açoriana e às suas peculiaridades pode explicar que uma tal construção fantasiosa tivesse livre curso tão fácil.

Nessa altura, em 2008, aproveitando a ignorância usualmente reinante, a aldrabice alimentada pela direcção do CDS destinava-se sobretudo a construir uma "narrativa de sucesso" - e, portanto, menos mal. Agora, a sua repristinação só serve para aumentar a pressão sobre a actual líder e, assim, abrir o baile para uma "narrativa de fracasso".

É facto que, nas regionais açorianas de 2008,  o CDS elegeu 5 deputados - e isto nunca tinha acontecido. Na altura, a direcção de Paulo Portas chegou a dizer várias vezes que «multiplicara por cinco» o número de deputados regionais, assim engrossando a "proeza" e o espanto; e a imprensa reproduziu acriticamente esta mentira. Na verdade das coisas, anteriormente o CDS não tinha 1, mas 2 deputados (eleitos em coligação em 2004); acontecera tão-só que um dos deputados tinha abandonado e ficara como "independente". A coisa prestava-se à ilusão do pescador que exagera o tamanho do pargo na pescaria... E, "comparando" resultados, toca de multiplicar por 5 o que realmente se multiplicara por 2,5.

O outro factor que a direcção do CDS sempre omitiu é que esse crescimento de 2 para 5 foi o efeito directo da alteração da lei eleitoral açoriana, que tornou justa a repartição dos mandatos. Essa alteração fora feita durante a minha presidência do CDS e tivera o forte apoio do CDS (abandonando a resistência e desconfiança do "portismo" a quaisquer reformas eleitorais) - quanto à Madeira aconteceu o mesmo na mesma altura, embora em modelo diferente.

O problema nas eleições açorianas estava na circunstância de, tendo unicamente círculos de ilhas, os partidos pequenos ou médios saírem injustamente penalizados, já que, nas ilhas mais pequenas, era necessário obter percentagens muito elevadas para conseguir eleger um deputado. Por exemplo, nas ilhas das Flores e de São Jorge, onde o CDS historicamente tinha votações elevadas, os votos não chegavam para eleger; e, por isso, frequentemente, eram sugados para a abstenção ou "voto útil" noutros partidos, por o eleitor sentir que o seu era um voto perdido. A votação regional do CDS acabava também por ressentir-se deste fenómeno.

A alteração introduzida na lei eleitoral em 2006 corrigiu este vício, ao acrescentar um círculo regional de compensação: 5 lugares de deputado, cujos mandatos são repartidos por forma a corrigir distorções emergentes da repartição por ilhas. Apurada a soma da votação regional, esses 5 lugares são atribuídos aos partidos por forma a compor a quota a que fizeram jus: se pelos círculos de ilha elegeram o número a que teriam direito no todo da região, não elegem mais nenhum no círculo regional; se, na atribuição dos mandatos por ilhas ficaram abaixo da quota proporcional regional, vão buscar a diferença ao círculo regional.

Este sistema, estreado em 2008, trouxe automaticamente dois modos de correcção da injustiça do sistema eleitoral anterior na repartição de mandatos: por um lado, a salvaguarda de ir buscar ao círculo regional a compensação directa por défices na atribuição insular dos mandatos; por outro lado, ao comportar esta última salvaguarda, o sistema mostrava aos eleitores que nenhum voto era perdido e, portanto, incentivava também o voto no partido de convicção, mesmo nas ilhas mais pequenas, combatendo a abstenção e o "voto útil".

Em síntese, um partido como o CDS podia beneficiar de duas maneiras: uma, eleger mais deputados logo nos círculos de ilha, porque os seus eleitores sentiam-se motivados a votar no seu partido de escolha, em vez de terem de ir votar "ao lado"; e outra, atribuindo pelo círculo regional mandatos adicionais de compensação a que tivesse direito no cômputo global. Foi o que aconteceu exactamente em 2008: aos 2 deputados que já tinha, o CDS foi conquistar mais 2 mandatos a ilhas onde passou a eleger directamente (Flores e S. Jorge) e ainda mais 1 mandato ao círculo regional de compensação.

Todavia, no histórico açoriano do CDS-PP, o resultado de 2008 (8,7% e 7.853 votos), sendo bom, não foi de todo o melhor resultado do partido. O melhor resultado do CDS em eleições regionais nos Açores continua a ser o alcançado por Alvarino Pinheiro em 2000: 9,6% e 9.515 votos (no novo sistema, elegeria 5 deputados, em lugar dos 2 que foram atribuídos).

Para os que se entretêm a marcar fasquias à liderança do CDS para as próximas eleições regionais de 16 de Outubro, convém ainda ter em conta outros dados objectivos:
  • primeiro: a representação regional do CDS já não é a de 2008, pois ocorreu, entretanto, um tombo significativo em 2012, onde, nas últimas eleições regionais, o CDS-PP caiu para 5,7%, 6.106 votos e 3 deputados (sendo 1 do círculo de compensação e tendo perdido os deputados de S Miguel e das Flores).
  • segundo: a queda do CDS nos Açores foi ainda maior nas legislativas de Outubro de 2015, não obtendo mais do que 3,9% e 3.621 votos na Região Autónoma.
Para o próximo desafio eleitoral do CDS-PP e de Assunção Cristas e Artur Lima, em 16 de Outubro, são estes os dados objectivos de partida: valores de 5,7% e 3,9%.

Foram estes o último legado da direcção de Paulo Portas, que, aliás, Artur Lima e Assunção Cristas também integravam. Os fantasiados números mágicos de 2008 já vão longe. Só por má-fé e desinformação se pode ir buscá-los, agora.

1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Demasiado "evidente" e nada diferente, só malmdizente, a Assunção Cristas!