sexta-feira, 28 de abril de 2017

43 anos depois: disfarce de democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
Em Portugal, 43 anos de regime supostamente democrático e os eleitos respondem essencialmente às estruturas partidárias, deixando para plano secundário a relação com os eleitores.


43 anos depois: disfarce de democracia

Há décadas que considero o sistema político e a consequente plataforma de acesso a cargos de nomeação política fortes entraves ao desenvolvimento do país. Entre órgãos comunitários, poder central e autárquico, direcções, institutos e empresas públicas, há em Portugal um excesso de cargos preenchidos por funcionários cujo principal elemento curricular reside na militância num partido de poder. É um sistema onde a lealdade a dirigentes se sobrepõe à lealdade a princípios, políticas e eleitores, ilustrando na perfeição a expressão jobs for the boys.

Facilmente se intui quanto aos princípios associados a este modelo de gestão dos recursos públicos, bem como às consequências no Orçamento do Estado, ao défice crónico das contas públicas, à qualidade dos serviços prestados e ao excesso de endividamento não produtivo. A má gestão da causa e recursos públicos é um cancro social de dimensões monstruosas e é por esta via que se estabeleceu a perigosa equivalência entre dinheiro público e dinheiro fácil – conceito económico absolutamente defeituoso, mas ilustrativo do modo como é conduzida a gestão do dinheiro dos contribuintes, resultando nos níveis de endividamento e carga fiscal que o país atingiu.

Em Portugal, 43 anos de regime supostamente democrático e os eleitos respondem essencialmente às estruturas partidárias, deixando para plano secundário a relação com os eleitores. Este modelo tem sido ao longo das últimas décadas ocupado por militantes carreiristas de partidos, transformados em agências de emprego público e gestão de interesses. É por essa via que José Sócrates e Pedro Passos Coelho foram primeiros-ministros; António José Seguro, líder do Partido Socialista; e Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa – este caso particular é bem ilustrativo de um modelo de democracia defeituosa. Pessoalmente, tenho sérias dificuldades em respeitar politicamente quem aceita um cargo elegível sem que ninguém em si tenha efectivamente votado. Há vários outros exemplos desta forma de estar que reforçam apenas este meu enjoo relativamente à lei que a permite e ao sujeito que a aceita, constituindo esta prática uma clara sobreposição dos interesses partidários relativamente à qualidade e transparência do modelo de democracia representativa que em Portugal vigora, tornando-a, efectivamente, um disfarce de democracia.

Como resolver o problema? Alterando o sistema eleitoral no sentido de aproximar e responsabilizar eleitos perante eleitores; indo aos back to basics dos conceitos de democracia representativa e participativa, de modo a eliminar o modelo de promessas em tempo de campanha eleitoral sem efectiva tradução nas políticas de protecção do interesse público, substituídas pela promoção de interesses ocultos, deixando para trás a prioridade absoluta da actividade política: a qualidade de vida das pessoas traduzida na educação e civismo, segurança e justiça, solidariedade social, saúde, emprego e qualidade do ambiente. Portugal só poderá ser pujante, inovador e motivante quando o seu principal recurso (as pessoas) confiar e estiver em sintonia com a visão política e com a estratégia de desenvolvimento – coisas que desapareceram faz muito tempo. O desenvolvimento do nosso país depende da evolução qualitativa da democracia que só uma democracia de qualidade, real e sem disfarces, poderá resolver.
Eduardo BAPTISTA CORREIA
Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i

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