quarta-feira, 26 de julho de 2017

A sociedade civil portuguesa é a responsável pelo nível de qualidade da nossa democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído hoje no jornal i.

Este grave acidente deveria fazer a sociedade civil compreender as lacunas existentes na classe dirigente deste país e atuar com rapidez, pois cidadãos inocentes morreram porque o Estado não conseguiu garantir a sua segurança.


A sociedade civil portuguesa é a responsável pelo nível de qualidade da nossa democracia
A qualidade da democracia em Portugal está a afetar negativa e gravemente a vida dos cidadãos. Apercebi-me dessa evolução inaceitável, mas nunca pensei que as consequências fossem tão gravosas. Atualmente estão, infelizmente, bem à vista.

Dessa evolução fez e faz parte, entre muitos outros aspetos, a não efetivação da reforma do Estado, por um lado, e, por outro, o facto de que sucessivos governos tenham vindo a depauperar o Estado de recursos técnicos absolutamente imprescindíveis. Conforme as áreas de atuação, optaram, posteriormente, por duas vias: subcontratar as tarefas a profissionais caríssimos e, muitas vezes, não preparados, ou pura e simplesmente permitir que o Estado deixasse de efetuar as tarefas a que está obrigado por lei.

Não posso esquecer o incêndio que deflagrou há cinco semanas em Escalos Fundeiros. Muito lamento as mortes de tantos inocentes e, para as suas famílias, vão neste momento os meus pensamentos. Este grave acidente deveria fazer a sociedade civil compreender as lacunas existentes na classe dirigente deste país e atuar com rapidez, pois cidadãos inocentes morreram porque o Estado não conseguiu garantir a sua segurança. O problema não residiu nos operacionais no terreno, mas na sua falta, na falta de instruções para que atuassem corretamente e ainda na falta de resposta inqualificável aos inúmeros apelos feitos por cidadãos em pânico.

Onde estavam os sistemas de reserva para atuarem, se, em caso de emergência, os sistemas da primeira linha falhassem?

Anseio pelas conclusões da investigação do Ministério Público à ocorrência e desejo fortemente que também faça uma investigação separada e detalhada à compra do sistema SIRESP. Quanto custariam os equipamentos concorrentes? Comprou-se um equipamento “específico” ou comprou-se um “standard” já testado? Devemos também exigir informações ao Ministério Público sobre esta matéria. Três governos envolvidos e o preço da adjudicação do SIRESP quase sempre a subir não auguram nada de bom.

O nosso país necessita urgentemente de uma reforma do Estado feita pelo poder político, mas eficazmente apoiada em técnicos com muita experiência e profundamente conhecedores das várias áreas sob escrutínio. Assiste-se em Portugal a tomadas de posição da classe política que se percebe de imediato estarem assentes em conceitos de vária ordem, mas onde faltam as considerações de cariz técnico profundas e independentes. Quando quer proceder a alterações, a classe política faz muitas vezes referência à Diretiva de Serviços ou ao Simplex, ou a outros conceitos que mais não são do que meios para atingir outros fins não mencionados. E avançam muitas vezes sem sequer ouvir quem na administração pública tem profundos conhecimentos dos estrangulamentos e das necessidades.

Em áreas em que tenho muita experiência – como, por exemplo, certificação/inspeção –, sei que SIMPLEX em excesso resulta em grande e grave COMPLEXidade para toda a sociedade civil.

Sou membro da direção da CERTIEL – Associação Certificadora de Instalações Elétricas, associação privada de utilidade pública e sem fins lucrativos, e escrevo hoje para os leitores sobre um outro assunto que também tem a ver com democracia de qualidade, incêndios e mortes.

Peço que vejam a sequência da legislação publicada, por dois governos, relativa à realização de um concurso público para se escolher uma associação certificadora de instalações elétricas:

– Portaria 325/2015 de 2 de outubro de 2015. Prevê a realização do processo concursal até 31/12/2015 para a escolha de associação certificadora. Nota: concurso não realizado!

– Portaria 27B de 16 de fevereiro de 2016. Prevê a realização do concurso até 31 de março de 2016. Nota: concurso não realizado!!

– Portaria 27A de 20 de abril de 2016. Prevê a realização do concurso até 31 de dezembro de 2016. Nota: concurso não realizado!!! A perspetiva de realização do concurso foi-nos confirmada pelo sr. secretário de Estado da Energia, em reunião, em junho de 2016.

Sem mais informações prestadas à CERTIEL, o sr. ministro da Economia anunciou, no seguimento do Conselho de Ministros de 11 de maio de 2017, que as atividades da CERTIEL seriam passadas para uma entidade pública em 1 de janeiro de 2018. De forma não oficial, porque de forma oficial nada conseguimos obter até este momento, já recebemos texto de um decreto-lei em que se preconizam alterações muito graves para os cidadãos. Este é um exemplo claro de democracia de muito baixa qualidade.

Só a sociedade civil e o nosso Presidente da República podem trabalhar para se pôr termo a situações destas. Os partidos políticos e os governantes fogem disso como o diabo da cruz.

Veremos também se os deputados da nação estão atentos a esta situação e se decidem aplicar o art.º 169º da Constituição – apreciação parlamentar de atos legislativos –, pedindo a apreciação parlamentar caso o decreto-lei a ser publicado venha a eliminar a necessidade de inspeção e de validação do projeto das instalações elétricas. A ser assim, os cidadãos poderão deixar de ter disponível um modelo que tem dado provas ao longo dos últimos 20 anos na garantia da segurança das instalações elétricas para os seus utilizadores, que estão indefesos perante a utilização nestas de uma tensão elétrica mortal de 230 V, que não pode ser alterada. Esta possibilidade resulta do facto de, à luz da informação que possuímos, um significativo número (70%) de projetos elétricos avaliados nos organismos que efetuam essa verificação não estarem em condições de serem aprovados numa primeira fase, o que só vem confirmar a importância de manter o controlo sobre esta atividade. A saber, ainda, que mais do que 60% dos incidentes de origem elétrica em 2016 ocorreram em edifícios de utilização doméstica ou similar onde, segundo informações não oficialmente recolhidas, se apontaria para que, no futuro, estas instalações fossem dispensadas em larga medida de uma inspeção prévia à sua ligação.

As minhas motivações são duas, mas bem importantes: que se continue a garantir a segurança das instalações elétricas em Portugal, de uma forma exigente e absolutamente independente; que a solução encontrada defenda o conhecimento e a experiência acumulados que, a perderem-se, considero, representariam um retrocesso muito prejudicial para o nosso país.

Tivéssemos nós uma lei eleitoral para a Assembleia da República baseada nos princípios defendidos pelo “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade” e com candidatos independentes das estruturas partidárias a poderem apresentar-se às eleições nos círculos uninominais e, seguramente, assuntos de grande importância para o país, como estes, seriam debatidos na Assembleia da República com uma grande profundidade, o que não se verifica hoje em dia.

Pedidos de informações sobre a subscrição do nosso “Manifesto: Por uma Democracia de Qualidade”, de contactos e outras podem ser feitos através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com

Fernando TEIXEIRA MENDES
Empresário e gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade


quarta-feira, 19 de julho de 2017

Solução: uma democracia de qualidade

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal i.

Há muito que não vivemos num verdadeiro regime democrático, do povo e para o povo, e há muito que a Assembleia da República, sede da democracia, deixou de representar todos os portugueses.

Solução: uma democracia de qualidade 

Os tristes acontecimentos das últimas três semanas, desde os fogos de Pedrógão Grande ao roubo de armas dos paióis de Tancos, passando pelos casos da divulgação antecipada do ponto de exame de Português e do Galpgate, bem como as notícias semanais de acusações por corrupção de políticos e de funcionários, mostram à evidência as razões do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade. De facto, é no excesso de concentração de todo o poder nos partidos políticos, com o equivalente controlo exercido pelo Estado sobre as instituições da sociedade, que deveremos procurar a explicação para todos estes acontecimentos.

No caso de Pedrógão Grande, foi evidente a ausência de capacidade de comando, que permitiu que o combate ao incêndio tivesse precedência relativamente à evacuação das populações em perigo, o que provocou a imensa tragédia que nos envergonhará para sempre. No caso de Tancos, a longa e humilhante desvalorização das Forças Armadas pelo poder político, nomeadamente com a menorização do fator competência relativamente à conveniência partidária na escolha das chefias militares, abriu a porta à degradação do serviço que permitiu o que agora aconteceu. O que não serve de justificação, mas que dá para compreender que o prestígio da instituição Forças Armadas não pode ser confiado aos desprestigiados partidos políticos portugueses.

Entendamo-nos: há muito que não vivemos num verdadeiro regime democrático, do povo e para o povo, e há muito que a Assembleia da República, sede da democracia, deixou de representar todos os portugueses, seja os que não votam, seja os que, votando, não se reveem na ação e na inação dos deputados escolhidos pelos líderes partidários. Deputados que não fiscalizam os governos e que nunca se preocuparam com as questões que mais interessam aos portugueses, como as que agora debatemos, desde o SIRESP às condições de trabalho e de comando dos bombeiros, dos recursos das Forças Armadas à sua desvalorização, da floresta ao vazio humano e económico do interior.

Há anos que existe um largo consenso na sociedade sobre a necessidade de organizar a floresta, de mapear a propriedade rural, de proceder ao emparcelamento da propriedade com a devida compensação aos proprietários que não tenham a suficiente capacidade económica para proceder à sua exploração, de repensar as espécies a desenvolver de forma a tornar a sua existência não só rentável, mas também ao abrigo de incêndios generalizados. A questão é, agora, a de saber o que foi feito pelos governos e pelo parlamento sobre tudo isso? Negócios, muitos negócios: no SIRESP, nos Kamov, nos aviões alugados, nas rendas pagas a empresas com relações privilegiadas com os partidos.

A base de Tancos há anos que não tem as condições mínimas de segurança: a videovigilância está desativada, as torres de vigia não têm vigilantes, a rede que circunda a base haveria de ser consertada um dia e os militares da ronda não têm munições para a sua própria defesa. Nada de grave, portanto, já que o primeiro-ministro sabe que as armas roubadas não serão usadas por terroristas ou quaisquer máfias mal-intencionadas.

Noutros países, com regimes democráticos credíveis, os bombeiros e as polícias, tal como os militares, são sujeitos a inspeções periódicas, fazem exercícios regulares para demonstrar aos seus superiores a sua competência e prontidão em situações extremas e tão próximas da realidade quanto possível, os acidentes são tentativamente previstos e, se necessário, combatidos com eficácia. Em Portugal, basta a ministra da Administração Interna chorar e o ministro da Defesa assegurar que não sabia de nada para que o primeiro-ministro lhes renove a sua confiança porque, obviamente, o que está em causa não é a vida e a segurança dos portugueses, mas a sobrevivência do partido, ou partidos, no poder.

Os signatários do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade tinham razão quando há anos defenderam publicamente que a raiz da má governação em Portugal residia nos partidos políticos e na forma como estes condicionam o acesso ao poder político, seja no acesso à Assembleia da República, seja nas autarquias, seja nos diferentes órgãos do Estado. Mas não só, também a forma como esterilizam a independência das instituições, desde as Forças Armadas às associações empresariais e até à própria Igreja, cada vez mais limitada a ser o complemento dos serviços sociais do Estado, atividade da maior relevância, mas que não deveria excluir a liberdade de opinião – a exemplo, aliás, do Papa Francisco.

Não será, portanto, necessário ser profeta para prever que os acidentes que agora estão a ser tão debatidos na sociedade portuguesa continuarão a acontecer. Pelo menos enquanto os portugueses não puderem escolher, um a um, os seus representantes, em plena consciência e liberdade, porque essa é a base de qualquer democracia moderna. É na qualidade e na verdade dessa escolha que reside a melhoria do nível de exigência dos cidadãos perante os seus eleitos e a representatividade, a qualidade e a disciplina das instituições.

Henrique NETO
Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Conto de uma noite de verão

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, saído hoje no jornal i
O golpe mediático dos eucaliptos tinha sido realmente de génio. Os idiotas úteis do tipo MST na “Newsweek” e o trotskista de serviço no “New York Times” tinham-se atirado aos eucaliptos com uma sanha notável, culpando-os de tudo.

Conto de uma noite de verão

Foi numa noite de setembro igual a tantas noites de setembro. Na Casa Branca, Donald Trump estava sentado, enfastiado, sem fazer nada, quedo, imóvel.

Levantou-se lentamente e dirigiu-se à janela, fitou com olhar lânguido o Bósforo que lá em baixo refletia, prateado, uma lua cheia.

“O que fazer?”, pensou. O que fazer? Nos últimos dois anos tinha inventado um golpe de Estado para se ver livre dos adversários, sobretudo do McCain, o tipo que inventou a Sarah Palin e tinha a mania que era dono da alma do partido;

Tinha-se visto livre dos generais da velha guarda, os tipos que achavam que a OTAN e os tratados internacionais de segurança mútua eram a última coca-cola do deserto;

A sua gente tinha inventado os melhores bodes expiatórios, os eucaliptos, o SIRESP, fosse o que fosse, menos assumir responsabilidades pelo que corresse mal.

O golpe mediático dos eucaliptos tinha sido realmente de génio. Os idiotas úteis do tipo MST na “Newsweek” e o trotskista de serviço no “New York Times” tinham-se atirado aos eucaliptos com uma sanha notável, culpando-os de tudo: crises, bancarrotas, incêndios, mortes, revoluções, desgoverno, desorganização do território, caos urbano, o que fosse. Até dava gosto.

O vice-primeiro-ministro, o Celinho, o das ternuras, tinha ajudado a pegar ao pálio: chorava muito, comovia a populaça.

Pois sim, mas tudo isto era inútil, águas passadas, águas paradas. Agora, do que ele precisava era de um golpe de génio, de um big bang criador, mudar de paradigma. O que não muda apodrece, pensou.

O olhar fixou-se na água do Bósforo, num ponto impreciso: podia sempre libertar o Leopoldo López, esse pateta, acalmar a oposição; podia rever os círculos eleitorais, dava que falar à oposição uns meses, punha os opinadeiros a opinar e, no fim, ninguém mudava nada.

E lançar a coisa da renegociação da dívida? Era melhor guardar essa na manga para quando a poluição sobre Washington fosse tão violenta que até ele viesse a desejar não ter abandonado o acordo de Paris.

Não! Do que ele precisava mesmo era de um ato de destruição criadora. O velho Schumpeter é que sabia. Fora com o velho, venha o novo.

Mas o quê? Mísseis balísticos intercontinentais, para assustar a rapaziada? Tinha experimentado e chamaram-lhe maluco, palhaço. Invadir a Ucrânia? Tinha experimentado, acabou com a Crimeia ocupada, uma coisa de nada. Abater um avião de passageiros, para chamar a atenção? Sim, tinha resultado, um horror, 15 dias de imprensa, nem sequer a culpa lhe tinha sido assacada, ficou a dúvida. “É para isso que servem as comissões de inquérito”, pensou com um sorriso malicioso…

As águas do Bósforo corriam mansas lá em baixo. Ou seria o Tejo? O Potomac? Os estreitos marítimos não correm, estão.

Estava confuso, sem saber o que fazer. Voltou a sentar-se, pediu um chá de camomila e decidiu ali mesmo: aqueles três secretários de Estado, os “palermas da bola” que tinham ido ao Europeu (um ano antes!) iam à vida. Iam dar primeira página dos jornais, iam dizer que ele era um homem de grande rasgo, capacidade de decisão…

E se não dissessem, não tinha mal: até setembro não acontece nada tirando o país arder, e isso, já se sabe, é o habitual.

Viver habitualmente, arder habitualmente, morrer por hábito, era, tinha de passar a ser esse o princípio orientador da pátria ingrata e volátil.

Quais reformas, qual Schumpeter, qual destruição criadora, quem se mexe não fica na fotografia. Isso é que é.

Enquanto isto durar, “tant que ça dure”, como diziam os franceses, bem vai. Depois, quem vier que apague a luz.

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA:
artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 5 de julho de 2017

Custos das não reformas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

É importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público.


Custos das não reformas
A despeito de múltiplas controvérsias e polémicas ideológicas, não será fácil encontrar hoje um economista que não subscreva a ideia de que, sem reformas estruturais significativas, não será possível Portugal ultrapassar as crises periódicas que têm caracterizado o pós-25 de Abril - e, em particular, as últimas duas décadas -, por forma a encontrar o rumo que lhe permita alcançar a modernização e as transformações necessárias, tendo em vista o progresso e a melhoria do bem-estar coletivo.

Esta é hoje uma visão de tal forma consensual que a opinião pública já integrou essa necessidade como condição indispensável ao desenvolvimento sustentável do país. Por ela vem reclamando cada vez mais, a ponto de a sua concretização ser causa da crescente desconfiança que nutre pelo processo político em geral e pela grande maioria dos políticos em particular.

Com efeito, é importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público. Aliás, ela surge na sequência dos choques resultantes da crise financeira global (2008) e da do euro (2010), sendo certo que outros países europeus e nossos concorrentes diretos evidenciam maior resiliência e melhor desempenho. Deste modo, sem um crescimento mais robusto do PIB e dos fatores que o determinam não será possível ultrapassar as crises cíclicas com que vimos sendo confrontados. Esta é uma constatação a que os políticos não conseguirão escapar e que exige capacidade, competência e empenhamento para ser enfrentada. Dela dependerá a credibilidade e a confiança na governação e a concomitante qualidade e melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mas o que está verdadeiramente em causa quando falamos de reformas? O termo tem sido de tal forma utilizado e banalizado que necessita de clarificação. Ora, por reformas estruturais pretende-se significar aquelas que verdadeiramente determinam a forma de funcionamento da economia, influenciando-a no sentido estrategicamente predefinido como desejável. Isto é totalmente distinto do que sucede no tipo de “navegação à vista”, em que a atuação visa corrigir uma trajetória não desejada, mas sem verdadeira clarificação do rumo prosseguido.

Neste contexto, importa, assim, reconhecer que o objetivo primordial a prosseguir é o do crescimento do PIB, assegurando simultaneamente a competitividade, o que implica políticas visando melhoria na produtividade dos fatores trabalho e capital e suas determinantes, nomeadamente inovação e condições de financiamento. Deste modo, tudo quanto possam ser práticas políticas não consentâneas com a prossecução mais eficaz do objetivo terão de considerar-se como custos inerentes às mesmas, decorrentes da não adoção das soluções mais adequadas: é, tipicamente, o caso das não reformas.

Em termos mais concretos, importa assim reconhecer que constituem custos do nosso processo político, entre outros, a ausência de reformas nos seguintes domínios:

1. Sistema eleitoral, por forma a retirar o monopólio dos partidos na elaboração das listas de candidatos à AR, assim permitindo uma representatividade mais consentânea com as aspirações e interesses dos cidadãos e possibilitando um melhor escrutínio público, com vista a que o interesse nacional seja assegurado;

2. Sistema judicial, por forma a torná-lo mais célere, mais accountable e eficaz;

3. Sistema regulador, dotando-o de efetiva independência e accountability, por forma a permitir que atue de modo responsável no momento oportuno, eliminando “falhas de mercado” e custos associados. Só assim poderá ser assegurada a concorrência, de molde a eliminar desperdício e evitar práticas de favorecimento. Em particular, o caso das “rendas excessivas” no setor da energia e das parcerias público-privadas terá de ser criteriosamente revisto, assim contribuindo para a redução da despesa pública e para a indispensável reforma do sistema fiscal.

4. Sistema bancário, tendo em vista assegurar uma reconfiguração do mesmo que possibilite que o seu funcionamento tenha em conta os interesses nacionais, seja eficaz e contribua para o crescimento potencial da economia. Especial atenção deverá ser dada ao crédito malparado, de modo a que ele não seja objeto de tratamento especulativo e fator de agravamento da necessária capitalização bancária.

5. Sistema educativo, por forma a dotá-lo de maior relevância e eficácia, nomeadamente na sua vertente profissional, à semelhança do que sucede noutros países, nomeadamente na Alemanha.

6. Sistema de infraestruturas, tendo em conta as suas reais prioridades, potencialidades e necessidades. Em particular, urgem decisões sobre a rede ferroviária, sua modernização, compatibilização e integração nas redes europeias, bem como sobre a expansão do porto de Sines.

7. Segurança Social, tendo em vista garantir a sua sustentabilidade no longo prazo, mas tendo igualmente em conta as diferentes situações contributivas dos seus beneficiários.

8. Administração pública, tornando-a mais eficiente e célere, através da desburocratização e da motivação e empenhamento dos seus agentes. Neste contexto afigura-se relevante a responsabilização e motivação destes, com revisão das carreiras e de vencimentos, tendo em vista o aumento efetivo da produtividade.

9. Sistema de saúde, com vista à eliminação de desperdício, maior eficiência e eficácia. Neste âmbito é importante ter em conta as conclusões do estudo patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, bem como a necessidade de revisão de carreiras, vencimentos e incompatibilidades, por forma a dotar o sistema de maior transparência e produtividade.

10. Descentralização e ordenamento do território, com vista a potenciar as reais possibilidades do país, de modo eficaz e potenciador da coesão social.

Não é este o local, obviamente, para justificar e aprofundar a forma de concretizar este conjunto de reformas. Essa é uma tarefa para uma equipa de especialistas. Fica aqui tão-só mais um alerta para a sua premência, uma vez que medidas avulsas e não inseridas numa perspetiva reformista e bem articulada dificilmente poderão fornecer uma base credível para promoção do investimento. Esperemos que os responsáveis pela prossecução do desígnio nacional assim o considerem também. 
José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.