Este grave acidente deveria fazer a sociedade civil compreender as lacunas existentes na classe dirigente deste país e atuar com rapidez, pois cidadãos inocentes morreram porque o Estado não conseguiu garantir a sua segurança.
A sociedade civil portuguesa é a responsável pelo nível de qualidade da nossa democracia
A qualidade da democracia em Portugal está a afetar negativa e gravemente a vida dos cidadãos. Apercebi-me dessa evolução inaceitável, mas nunca pensei que as consequências fossem tão gravosas. Atualmente estão, infelizmente, bem à vista.
Dessa evolução fez e faz parte, entre muitos outros aspetos, a não efetivação da reforma do Estado, por um lado, e, por outro, o facto de que sucessivos governos tenham vindo a depauperar o Estado de recursos técnicos absolutamente imprescindíveis. Conforme as áreas de atuação, optaram, posteriormente, por duas vias: subcontratar as tarefas a profissionais caríssimos e, muitas vezes, não preparados, ou pura e simplesmente permitir que o Estado deixasse de efetuar as tarefas a que está obrigado por lei.
Não posso esquecer o incêndio que deflagrou há cinco semanas em Escalos Fundeiros. Muito lamento as mortes de tantos inocentes e, para as suas famílias, vão neste momento os meus pensamentos. Este grave acidente deveria fazer a sociedade civil compreender as lacunas existentes na classe dirigente deste país e atuar com rapidez, pois cidadãos inocentes morreram porque o Estado não conseguiu garantir a sua segurança. O problema não residiu nos operacionais no terreno, mas na sua falta, na falta de instruções para que atuassem corretamente e ainda na falta de resposta inqualificável aos inúmeros apelos feitos por cidadãos em pânico.
Onde estavam os sistemas de reserva para atuarem, se, em caso de emergência, os sistemas da primeira linha falhassem?
Anseio pelas conclusões da investigação do Ministério Público à ocorrência e desejo fortemente que também faça uma investigação separada e detalhada à compra do sistema SIRESP. Quanto custariam os equipamentos concorrentes? Comprou-se um equipamento “específico” ou comprou-se um “standard” já testado? Devemos também exigir informações ao Ministério Público sobre esta matéria. Três governos envolvidos e o preço da adjudicação do SIRESP quase sempre a subir não auguram nada de bom.
O nosso país necessita urgentemente de uma reforma do Estado feita pelo poder político, mas eficazmente apoiada em técnicos com muita experiência e profundamente conhecedores das várias áreas sob escrutínio. Assiste-se em Portugal a tomadas de posição da classe política que se percebe de imediato estarem assentes em conceitos de vária ordem, mas onde faltam as considerações de cariz técnico profundas e independentes. Quando quer proceder a alterações, a classe política faz muitas vezes referência à Diretiva de Serviços ou ao Simplex, ou a outros conceitos que mais não são do que meios para atingir outros fins não mencionados. E avançam muitas vezes sem sequer ouvir quem na administração pública tem profundos conhecimentos dos estrangulamentos e das necessidades.
Em áreas em que tenho muita experiência – como, por exemplo, certificação/inspeção –, sei que SIMPLEX em excesso resulta em grande e grave COMPLEXidade para toda a sociedade civil.
Sou membro da direção da CERTIEL – Associação Certificadora de Instalações Elétricas, associação privada de utilidade pública e sem fins lucrativos, e escrevo hoje para os leitores sobre um outro assunto que também tem a ver com democracia de qualidade, incêndios e mortes.
Peço que vejam a sequência da legislação publicada, por dois governos, relativa à realização de um concurso público para se escolher uma associação certificadora de instalações elétricas:
– Portaria 325/2015 de 2 de outubro de 2015. Prevê a realização do processo concursal até 31/12/2015 para a escolha de associação certificadora. Nota: concurso não realizado!
– Portaria 27B de 16 de fevereiro de 2016. Prevê a realização do concurso até 31 de março de 2016. Nota: concurso não realizado!!
– Portaria 27A de 20 de abril de 2016. Prevê a realização do concurso até 31 de dezembro de 2016. Nota: concurso não realizado!!! A perspetiva de realização do concurso foi-nos confirmada pelo sr. secretário de Estado da Energia, em reunião, em junho de 2016.
Sem mais informações prestadas à CERTIEL, o sr. ministro da Economia anunciou, no seguimento do Conselho de Ministros de 11 de maio de 2017, que as atividades da CERTIEL seriam passadas para uma entidade pública em 1 de janeiro de 2018. De forma não oficial, porque de forma oficial nada conseguimos obter até este momento, já recebemos texto de um decreto-lei em que se preconizam alterações muito graves para os cidadãos. Este é um exemplo claro de democracia de muito baixa qualidade.
Só a sociedade civil e o nosso Presidente da República podem trabalhar para se pôr termo a situações destas. Os partidos políticos e os governantes fogem disso como o diabo da cruz.
Veremos também se os deputados da nação estão atentos a esta situação e se decidem aplicar o art.º 169º da Constituição – apreciação parlamentar de atos legislativos –, pedindo a apreciação parlamentar caso o decreto-lei a ser publicado venha a eliminar a necessidade de inspeção e de validação do projeto das instalações elétricas. A ser assim, os cidadãos poderão deixar de ter disponível um modelo que tem dado provas ao longo dos últimos 20 anos na garantia da segurança das instalações elétricas para os seus utilizadores, que estão indefesos perante a utilização nestas de uma tensão elétrica mortal de 230 V, que não pode ser alterada. Esta possibilidade resulta do facto de, à luz da informação que possuímos, um significativo número (70%) de projetos elétricos avaliados nos organismos que efetuam essa verificação não estarem em condições de serem aprovados numa primeira fase, o que só vem confirmar a importância de manter o controlo sobre esta atividade. A saber, ainda, que mais do que 60% dos incidentes de origem elétrica em 2016 ocorreram em edifícios de utilização doméstica ou similar onde, segundo informações não oficialmente recolhidas, se apontaria para que, no futuro, estas instalações fossem dispensadas em larga medida de uma inspeção prévia à sua ligação.
As minhas motivações são duas, mas bem importantes: que se continue a garantir a segurança das instalações elétricas em Portugal, de uma forma exigente e absolutamente independente; que a solução encontrada defenda o conhecimento e a experiência acumulados que, a perderem-se, considero, representariam um retrocesso muito prejudicial para o nosso país.
Tivéssemos nós uma lei eleitoral para a Assembleia da República baseada nos princípios defendidos pelo “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade” e com candidatos independentes das estruturas partidárias a poderem apresentar-se às eleições nos círculos uninominais e, seguramente, assuntos de grande importância para o país, como estes, seriam debatidos na Assembleia da República com uma grande profundidade, o que não se verifica hoje em dia.
Pedidos de informações sobre a subscrição do nosso “Manifesto: Por uma Democracia de Qualidade”, de contactos e outras podem ser feitos através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com
Fernando TEIXEIRA MENDESEmpresário e gestor de empresas, EngenheiroSubscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade