quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Hiper-mega-geringonça, uma ova!

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal i.
O sistema eleitoral misto, também designado “representação proporcional personalizada”, é o que vigora na Alemanha desde o pós-guerra, com excelentes resultados. O modelo de reforma do nosso sistema eleitoral tem de ser por aí.

O Bundestag

Hiper-mega-geringonça, uma ova!
Nas jornadas parlamentares do PSD, em fim de Maio, a reforma do sistema político e eleitoral foi um tema em debate. Boa escolha, maus os ecos.

Um dos mais sonoros foi a afirmação do deputado Luís Montenegro, ainda líder parlamentar, a denegrir um sistema misto que, garantindo a proporcionalidade da representação parlamentar, contivesse círculos uninominais, em que os eleitores escolhessem directamente o seu deputado. Fustigou Montenegro: “É impossível governar Portugal com 100 deputados ‘limianos’. Isso parecerá não uma geringonça, mas uma ‘hiper-mega-geringonça’”.

O sistema eleitoral misto, designado também “representação proporcional personalizada”, é o que vigora na Alemanha desde o pós-guerra, com grande sucesso e excelentes resultados na óptica da qualidade da democracia. É o sistema que facilitou a integração política de toda a Alemanha após a queda do muro e a reunificação, garantindo, com grande plasticidade, a evolução do sistema partidário, sem sobressaltos. Com metade dos deputados eleitos de modo uninominal e a outra metade em listas plurinominais, existe sempre um Bundestag rigorosamente proporcional, com justa representação das correntes políticas, dos cidadãos e do território. Não há “limianos”, uma das mistificações mais tolas do nosso debate político, superficial e leviano. É o sistema que tem assegurado a tranquila governabilidade do país desde o final dos anos 1940; enquadrou a reconstrução da Alemanha e um invejável grau de desenvolvimento; fomenta o diálogo e a concertação política, tendo, ao longo de sete décadas de boas provas, gerado, democraticamente, ora maiorias de sentido diferente, ora coligações interpartidárias de diversos matizes. É um dos pilares da grande maturidade e solidez política da Alemanha. Vamos poder seguir de novo essa realidade a funcionar nas eleições alemãs de 24 de setembro próximo. Nada como ver.

A única crítica que o sistema alemão merece é a cláusula barreira de 5%: nenhum partido pode eleger deputados, se não tiver um mínimo de 5% – e algumas vezes, na verdade, partidos historicamente importantes, como os liberais do FDP, ficaram arredados do Bundestag por causa desse travão. Ainda assim, o sistema partidário alemão não é concentrado: tem cinco a sete partidos representados no Bundestag, como nós; e uma proporcionalidade de assentos parlamentares frequentemente mais próxima da proporcionalidade da votação do que na nossa Assembleia.

Essa regra dos 5%, porém, é inconstitucional e inaplicável em Portugal. Na Associação Por uma Democracia de Qualidade, chamamos mesmo a atenção para que, em Portugal, por via da matemática, é pior: em Portalegre, por exemplo, quem não tiver 30% não elege ninguém; e vários círculos há em que é preciso mais de 15%, ou 20%, ou 25%, para eleger 1 deputado. Por isso, na linha do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade, defendemos que, além de uma reformulação dos círculos territoriais, tenhamos, no topo do sistema, um círculo nacional de compensação, que corrija, de forma ainda mais justa, as distorções que possam ter sobejado do escrutínio uninominal/plurinominal no patamar territorial (distrital/regional). Ou seja, defendemos um sistema de tipo alemão, melhorado.

Tudo isto é possível no quadro constitucional. Podemos até dizer que a Constituição aponta para aí, pois a Constituição não abre portas para continuarem trancadas. Em 1989, a revisão constitucional permitiu a criação de um círculo nacional – ficou tudo na mesma. Há 28 anos! Em 1997, além do círculo nacional, a revisão constitucional permitiu “a existência de círculos plurinominais e uninominais, [em] complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional” – e tudo na mesma ficou. Há 20 anos!

Ou seja: o sistema que tanto choca o deputado Luís Montenegro é nada mais, nada menos do que o modelo constitucional por cumprir – basta ler o artigo 149º da Constituição. E o mais curioso é que o PSD já o defendeu, havendo apenas a lastimar que o metesse no lixo, em vez de aperfeiçoar ideias e convergir com outros para a reforma necessária. Luís Montenegro criticava a ideia de Rui Oliveira e Costa, convidado às jornadas parlamentares, o qual defende um círculo nacional com lista plurinominal de 100 deputados e, no Continente, 100 círculos uninominais. Ora, em 16 de Março de 1998, o PSD apresentou, na Assembleia da República, na esteira imediata da revisão constitucional de 1997, o Projecto de Lei n.º 509/VII, que propunha um círculo nacional com 85 deputados e, no Continente, 85 círculos uninominais. Exactamente a mesma coisa! A única diferença está no número, pois Oliveira e Costa aponta para uma Assembleia com 215 deputados e o PSD queria-a com 184.

Não defendemos esta proposta concreta por outras razões. Mas o modelo de reforma é por aí. E um líder parlamentar não pode ignorar ou caricaturar a história do seu partido. Quem eram os hereges do PSD que, ao subscrever o Projecto n.º 509/VII, propunham um quadro perpétuo de “hiper-mega-geringonça”? Leiam com atenção por favor quem eram os “limianos”: Luís Marques Mendes, Luís Marques Guedes, Carlos Encarnação, Barbosa de Melo, Carlos Coelho e Manuela Ferreira Leite – tudo figuras de peso, incluindo dois ex-líderes. E Guilherme Silva chegou a defender, nos debates, círculos uninominais também nas Regiões Autónomas. E esta, hein?

Deplorável é que este projecto, assim como a proposta de lei do Governo, ficassem pelo caminho, numa das mais funestas sessões parlamentares da nossa história democrática: a sessão plenária de 23 de Abril de 1998. Aí morreu a ansiada reforma eleitoral. Morreu de morte macaca, como diz o povo. Morreu, por desconversa intencional. Morreu, pela obsessão da redução brutal do número de deputados. Morreu, por fingimento, sabotando. Foi um debate na generalidade que matou uma reforma fundamental. Uma discussão para envergonhar os desconversadores de serviço – fizeram Portugal perder 20 anos.

Nas mesmas jornadas, o deputado Carlos Abreu Amorim também manifestou reservas, na linha de Montenegro, dizendo “ter muitas dúvidas de que, com deputados eleitos por este sistema, o Governo PSD/CDS tivesse conseguido ultrapassar os ‘anos de chumbo’ da troika.” Está a ver mal. A realidade é diferente. Na Alemanha, está lá Schäuble; e, bem antes, Schroeder pôde fazer todas as reformas imperiosas, logo a seguir à reunificação. Se tivéssemos um sistema eleitoral assim, verdadeiramente representativo e com deputados personalizados, provavelmente nunca teríamos tido a troika – não seria precisa. Não teríamos chegado ao precipício da falência, nem teríamos caído no pântano de corrupção em que nos atolámos e nos rouba a dignidade, o ânimo e as poupanças. Problema real é o nosso decadente hiper-mega-pântano, onde tudo amocha e que engole tudo, nada representa, ninguém acredita.

Como o meu colega Fernando Teixeira Mendes já criticou nestas páginas há algumas semanas, não há “hiper-mega-geringonça” de espécie alguma. Pelo contrário, o que haveria seria uma alameda de refrescamento, amadurecimento, recuperação e revitalização da democracia, devolvida à vontade e à escolha dos cidadãos.  
Temos mesmo de começar a construir a agenda da IV República. Portugal não pode continuar adiado.
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José RIBEIRO E CASTRO
Advogado
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i


1 comentário:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

EXPRESSO 05.08.2017


O PCP e os “seus “Sindicatos

Será por certo um exercício, no mínimo curioso, analisar a posição actual do PCP e dos “seus” Sindicatos, quando ambos em nada mudaram desde que “legalmente “ existem, e, talvez assumir que se porventura mudassem, acabariam.
No caso do PCP, ficou sempre aquele “pensamento” de solidariedade com as ideias da União Soviética, o que faz com que hoje não estranhamente, parabenizem Maduro pela sua “suposta” vitória nesta trapalhada de eleições para a Constituinte, estejam próximos dos
intentos da Correia do Norte, sintam “amizade” com Cuba.
E são tempos diferentes, “antes” em que coexistiam de facto dois “blocos”, supostamente antagónicos, e o PCP pertencia a um deles, hoje isso, bem ou mal - ao menos tínhamos definições claras do que cada um pensava, hoje é uma desarrumação total- já não existe.
E, hoje, quiçá muito negativamente, mas de facto não se sentem as diferenças que campos opostos propiciavam, mais no papel que na realidade, mas que no aspecto de proveito individual ou bem colectivo, eram discutidas, presentemente já nem isso!
Logo ficou-se num tempo que não é o de hoje, já passou, e não vai voltar, mas a repetição de procedimentos humanos vai acontecer, e essa seria a nova oportunidade a defender, ou não!
E quanto aos “seus” Sindicatos, e apesar de estarem “agora” um pouco mais recatados com este actual Governo, sempre que põe as “garras de fora” - e vão-no fazendo, apesar de tudo - são/estão na mesmíssima posição de há 40 anos, sendo que nessa altura era a única direcção
possível e até indispensável ser seguida, mas hoje, tudo mudou.
E hoje modificou-se - totalmente - a figura e o conteúdo do trabalho e das relações laborais, logo, não parece ser o mais indicado estar-se, ainda, sempre e só a pedir – no caso “exigir” – mais “dinheiro e segurança no emprego para a vida”. Mas, talvez devesse ser pedida - não reivindicada- mais formação, mais transparência, mais respeito pelos tempos de trabalho, mais reuniões internas entre as hierarquias das várias empresas e instituições e os vários patamares de hierarquização dentro dessas organizações.
Defender não as incompatibilidades, mas e em vez disso, apostar num futuro com mas futuro para todos.
E isso por certo, com uma comunicação constante e pré-definida entre empregados e empregadores, mas não unicamente no âmbito de mais salário, mas antes em mais qualidade no trabalho, melhor ambiente de trabalho, mais respeito por todos e cada um, mais formação permanente, melhor qualidade e não só quantidade!
Mas se estas mudanças acontecessem quer no PCP, quer nos seus Sindicatos por certo haveria o risco de ambos colapsarem, dado que existem por não mudarem! Ou não!

Augusto Küttner de Magalhães