Na série de divulgação do
Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, hoje saído no jornal
i.
O actual modelo da geringonça, dependente de modelos políticos incompatíveis, é democraticamente insustentável, restando apenas saber de onde surgirão as maiores cedências e em que sentido.
O aventureirismo do poder
Iniciei a minha actividade política aos catorze anos, com a ideia de contribuir para um Portugal democrático, moderno e desenvolvido, que permitisse uma vida melhor às famílias portuguesas e sempre me considerei defensor dos ideais políticos da esquerda. Na minha juventude defendi esses ideais no PCP, por ser onde poderia lutar de forma mais consequente contra o anterior regime, partido que abandonei quando, em 1975, verifiquei que o objectivo era a tomada do poder e que para isso se dispunha a comprometer a democracia e a liberdade. Verifiquei então com surpresa que muitos camaradas comunistas acreditavam realmente ser possível melhorar a vida dos portugueses contra a sua vontade.
Mais tarde aderi ao Partido Socialista, por ser o partido defensor da liberdade, da democracia e da justiça social, tendo acabado recentemente por também abandonar o PS ao verificar que os objectivos democráticos do partido eram mais formais do que reais e que, através de sucessivas direcções partidárias, bem como de vários governos, o PS praticava com relativo sucesso uma ideia que me repugna: de que a vontade dos cidadãos pode ser manipulada através da informação disponibilizada e de algum controlo dos meios de comunicação, onde se incluem mais modernamente as redes sociais. Tal como no PCP, ainda que de forma diferente, no PS acredita-se ser possível controlar duradouramente a vontade dos militantes e a partir daí o pensamento livre dos portugueses, usando um modelo eleitoral onde todo o poder de escolha reside na direcção dos partidos.
Chegado aqui, continuo, tal como na juventude, a acreditar na democracia, na liberdade e na justiça social e a tentar perscrutar na história do último século a forma de compatibilizar os ideais sociais da esquerda com o progresso económico e, dessa forma, contribuir para melhorar, sustentavelmente, a vida dos portugueses, tendo aprendido nesse percurso de muitos anos que não há justiça social sem eficiência económica. Continuo pois a pensar e a defender o que sempre defendi e considero que sou um militante de esquerda, mas com um pequeno problema: os partidos oficialmente de esquerda, como aliás os de direita, lutam essencialmente para a obtenção do poder e, para isso, mistificam a realidade e manipulam a informação que é fornecida aos cidadãos e utilizam em pleno o controlo que exercem sobre o sistema eleitoral, que em todos os partidos é o do modelo do centralismo democrático, onde os chefes escolhem os eleitos e estes, agradecidos, escolhem os chefes.
Claro que, como democrata, mantenho dúvidas mais ou menos metódicas, muitas das quais o tempo se tem encarregado de esclarecer. Por exemplo, verifiquei ao longo do anos da minha vida que nenhum dos regimes políticos que fizeram o ideal do PCP e do Bloco de Esquerda sobreviveu e em todos o poder, enquanto durou, foi mantido à custa das liberdades públicas e num processo de crescente totalitarismo, acabando todos por perder a batalha do progresso económico e da justiça social relativamente aos regimes democráticos, ou seja, nenhum desses regimes políticos sobreviveu e os países que mais progridem são aqueles onde a democracia e a liberdade são os valores mais respeitados. Por outro lado, quarenta anos depois de termos um regime supostamente democrático, o atraso organizacional, económico e social de Portugal, relativamente aos outros países de democracia consolidada, aumentou. E que isso aconteceu à medida que o poder político português aprendeu a manipular a vontade dos cidadãos e a dominar o Estado e a sociedade através do enfraquecimento das suas instituições.
Em resumo, os ideais da esquerda não são concretizáveis através das ideologias de pensamento único e a história ensina-nos que o progresso económico e social dos povos passa pela diversidade e pela competição humana e empresarial, com alternância no poder através de modelos eleitorais livres que permitam a qualquer cidadão, oriundo de qualquer sector da sociedade, o acesso pleno ao poder político. O que significa que a actual governação de Portugal pela chamada geringonça não é de esquerda, seja porque o PS tudo tem feito para se manter no poder a qualquer preço e para isso privilegia o condicionamento da informação e utiliza leis eleitorais antidemocráticas, procurando com isso o benefício de grupos restritos da sociedade, seja porque o PCP, bem como o Bloco de Esquerda, continuam a acreditar na tomada do poder por minorias activas, como a forma legítima de governar para a utopia das vanguardas iluminadas, recusando a União Europeia e revendo-se no modelo venezuelano. Ora essa tomada do poder, como a história ensina, é tanto mais fácil quanto mais empobrecida estiver a economia de um país, sabendo-se que isso nunca aconteceu por processos democráticos duradouros, o que nos conduz à convicção de que o actual modelo da geringonça, dependente de modelos políticos incompatíveis, é democraticamente insustentável, restando apenas saber de onde surgirão as maiores cedências e em que sentido.
O condicionamento da liberdade de pensar de forma diferente a que temos assistido ultimamente e a tentativa de esmagamento do pensamento mais conservador é, para já, uma indicação. Os sinais de marginalização da actividade privada e as tentativas de estatização da economia, são outros sinais seguros que podem levar ao maior empobrecimento do país, ao mesmo tempo que as questões da dívida e as dúvidas sobre a União Europeia, se assumidas de forma leviana pelo PS, podem tornar viável o assalto ao poder. Ou seja, uma outra qualquer evolução negativa da política portuguesa, adicionada aos desastres resultantes dos erros das governações anteriores, de esquerda e de direita, criaram um terreno fértil ao aventureirismo do poder instalado. Veremos, mas com a certeza de que apenas uma democracia plena e de qualidade nos permitirá vencer o desafio do progresso económico e social e que para isso é essencial votar novas leis eleitorais.
Henrique NETO
Gestor