Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O imposto Mortágua vai precisamente discriminar e penalizar quem invista em habitações para arrendar às famílias portuguesas!
Não invistam em habitação!
Promover o investimento nos setores concorrenciais da economia, baseado nas poupanças de empresas e particulares, é um dos objetivos prioritários do nosso país.
Por isso o ministro da Economia ergueu o Programa Capitalizar, destinado a reforçar o músculo financeiro das empresas, como uma das bandeiras políticas da sua atuação governamental.
Surge assim como um completo absurdo, e uma flagrante contradição com as prioridades da política governamental, a instituição no OE de 2017 do designado adicional do IMI, mais conhecido por “imposto Mortágua”.
Desde logo porque, sendo um imposto sobre o património e independente da receita que possa, ou não, gerar, terá sempre um enquadramento de “confisco” que leva à destruição dos capitais próprios das empresas e dos cidadãos.
Ora, exercer esse confisco seletivamente apenas sobre o património constituído pela habitação dos portugueses vai também contra outro dos objetivos prioritários do governo, que é promover o investimento em habitações para arrendar, em especial em Lisboa e no Porto.
Pois o imposto Mortágua vai precisamente discriminar e penalizar quem invista em habitações para arrendar às famílias portuguesas!
Ou seja, quem invista as suas poupanças para proporcionar um lar e gerar emprego é, afinal, castigado, comparativamente a quem invista noutros setores ou que simplesmente deposite o seu dinheiro no banco, ou compre barras de ouro para ficar à espera que a respetiva cotação suba...
Mas mais: para um governo e para uma maioria parlamentar que fazem grande alarde da sua consciência social, é confrangedor verificar que um imóvel destinado a alugar para habitação é penalizado pelo imposto Mortágua, enquanto outro imóvel destinado a um bar de alterne dele está isento!
E esta constatação deriva diretamente do articulado da lei pois, no segundo caso, esta é considerada como uma atividade comercial e, como tal, não penalizado.
Vejamos mais algumas chocantes incoerências deste imposto:
– Foi definido como um objetivo do atual governo a recapitalização da banca, nomeadamente para poder fazer face aos seus “ativos tóxicos”, constituídos em grande parte por imóveis de habitação.
Assim, o imposto Mortágua cai fatalmente em cima dos bancos, descapitalizando ainda mais os seus balanços.
– Também muitas empresas de construção figuram entre os detentores dos “créditos malparados” concedidos pela banca.
E as empresas de construção têm um vasto património habitacional, pelo que este imposto vai penalizá-las, tornando ainda mais problemático o pagamento das respetivas dívidas à banca.
Sendo o Ministério das Finanças quem promoveu a recapitalização da banca, que na Caixa Geral de Depósitos provocou já um grave aumento da dívida pública, não se compreende como é que esse mesmo ministério, ao criar depois este imposto, vai colocar mais obstáculos a essa recapitalização em que todos fomos obrigados a participar.
Mas a aplicação deste imposto criou ainda outras situações de gritante injustiça.
De facto, para além da questão do património imobiliário detido em conjunto pelos membros de um casal, como tem sido ventilado na imprensa, há também o caso das “heranças indivisas”.
Pois o OE 2017 decidiu penalizar com o imposto Mortágua todas as “heranças indivisas cujo património total destinado à habitação ultrapasse os seiscentos mil euros”.
Quer isto dizer que, se um conjunto de seis herdeiros tiver uma herança constituída por seis andares alugados para habitação no valor de 101 mil euros cada, já paga este imposto.
E isto apesar de cada um destes seis herdeiros ter apenas um património de 101 mil euros, pelo qual também paga ao Estado IMI, taxas de esgoto, de proteção civil e IRS.
Para que tivessem sido isentos desta enormidade fiscal, o OE 2017 exigia que todos os herdeiros tivessem assinado, logo em maio passado, um documento dizendo que queriam ser coletados individualmente, bastando a falta de assinatura de um deles para que todos tivessem de pagar este imposto. E não houve da parte da Autoridade Tributária qualquer preocupação em avisar os contribuintes desta “novidade fiscal”.
Excelente forma de se promover o investimento para habitação, para cumprir os objetivos definidos pelo mesmo governo que também criou o imposto Mortágua!
Estamos, pois, perante um exemplo gritante de contradições estratégicas entre as várias políticas públicas.
Continuando hoje Portugal extremamente endividado, desde logo por parte do Estado, mas também por parte das famílias e das empresas, é necessário promover cada vez mais uma poupança que se converta em investimento produtivo. E isso não pode ser sabotado na prática através de outras medidas, como o imposto Mortágua, tomadas pelo próprio governo.
Pois só assim se pode reduzir progressivamente o endividamento e consolidar uma economia portuguesa na zona euro, sem a sombra de uma nova bancarrota como a de maio de 2011.
Uma democracia de qualidade tem de ter por objetivo que o conjunto das políticas públicas sejam coerentes entre si e transmitam aos agentes económicos uma metodologia eficaz para que a sociedade, no seu todo, seja mais próspera e socialmente mais coesa.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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