quarta-feira, 11 de abril de 2018

Democracia e populismo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído hoje no jornal i.
É urgente criar um modelo de democracia capaz de selecionar os melhores, aqueles que, possuindo as motivações transcendentes de devoção ao bem público, têm um passado que o demonstre. 
Democracia e populismo

Os regimes democráticos mostram-se hoje incapazes de escolher democraticamente os cidadãos mais bem preparados e com melhor formação humana e competência para dirigir os destinos dos povos. Isto tornou-se bem visível na escolha de governantes como George Bush e Donald Trump nos Estados Unidos, Durão Barroso na União Europeia e José Sócrates em Portugal.

Como resultado deste fenómeno, vivemos hoje num planeta crescentemente mais perigoso, por força da generalização da existência nas democracias de dirigentes mundiais desqualificados, imprevisíveis ou mesmo perigosos, como é o caso de Putin, Trump ou Erdogan. Com a nota curiosa de que os dirigentes europeus, sendo muitos deles igualmente pouco recomendáveis, são bastante menos perigosos.

No caso de Portugal, é reconhecida a curva descendente da qualidade dos nossos governantes dos últimos 30 anos, dentro do modelo europeu de baixa perigosidade – isso, claro está, se considerarmos de forma benevolente a trágica continuidade de políticas que nos afastam progressivamente dos avanços sociais e económicos de outros povos, ou a incapacidade de prover à necessária segurança dos cidadãos.

Sendo este um fenómeno global, as causas são naturalmente complexas e difíceis de quantificar, podendo não ser exatamente as mesmas em todos os países. Todavia, acredito que a causa principal seja originada pelo aparecimento de poderosos meios de comunicação, para mais aliados a uma inexistente racionalidade de largas franjas de cidadãos eleitores que não estão preparados, porventura nunca estiveram, para a responsabilidade do voto democrático – razão pela qual são altamente influenciados por esses mesmos meios de comunicação, não sendo indiferente que em Portugal, como noutros países, nenhum candidato ao poder político terá sucesso se não tiver passado por uma ampla e prévia exposição mediática. Não direi que as poderosas empresas de comunicação, ou as redes sociais, possam criar um líder político vencedor da mesma forma que vendem cereais de pequeno-almoço, mas será difícil, senão impossível, vencer uma eleição relevante sem a visibilidade que apenas a comunicação de massas permite.

O perigoso motivo desta situação, que representa o resultado de uma certa evolução das sociedades modernas, é que a concorrência pelo poder político favorece os vendedores de banha da cobra e os mentirosos compulsivos, quando não os delinquentes irresponsáveis do modelo de Donald Trump e Silvio Berlusconi ou de José Sócrates – situação em que os candidatos mais racionais, responsáveis e sérios têm uma crescente dificuldade em fazerem-se ouvir, logo em sobreviver, na selva mediática.

Por outro lado, este fenómeno foge aos padrões ideológicos tradicionais de esquerda e de direita para dar lugar ao populismo, igualmente presente nos dois lados da equação – com a opinião pessoal de que a escola, idealmente fornecedora de conhecimentos e de comportamentos, raramente cumpre em ambos os casos o seu papel de ensinar a pensar, além de estar envenenada nas universidades pela confusão criada pelas chamadas ciências sociais, o que conduz largas camadas da população para uma certa e preocupante anarquia intelectual, ignorante dos valores básicos do método científico; além da ignorância pura e dura que ainda sobrevive em muitas sociedades, como é o caso da portuguesa.

Penso que estes são os fatores que estão a generalizar o fenómeno do populismo, como os últimos atos eleitorais demonstram de forma preocupante em vários países – populismo a que não foge a atual política portuguesa da geringonça, seja porque, não tendo uma direção estratégica, diz e faz tudo o que for necessário para se manter no poder e, como substituto da racionalidade e da competência, usará a propaganda ao limite, seja porque beneficia de um sistema eleitoral que permite a escolha dos candidatos dentro da própria oligarquia do sistema, seja porque não permite a possibilidade de entrada de quaisquer candidaturas imprevisíveis ou indesejáveis. Para o bem e para o mal, é um sistema que impede a entrada em cena de um qualquer palhaço profissional, ainda que favoreça bastante os palhaços que não têm profissão conhecida.

Em resumo, é urgente criar um modelo de democracia capaz de selecionar os melhores, aqueles que, possuindo as motivações transcendentes de devoção ao bem público, têm um passado que o demonstre – o que, entre nós, passa por abrir o castelo partidário à concorrência e ao voto verdadeiramente democrático de todos os portugueses, como defendido no “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”.

Fica para outro texto a necessidade de criar uma escola de seres pensantes, capazes de fazerem escolhas inteligentes e de intervir conscientemente no sentido do progresso humano, social e económico da coletividade. Que é, aliás, a forma de desenvolver uma comunicação social mais qualificada, mais livre e mais idónea. 

Henrique NETO
Empresário
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


NOTA: artigo publicado no jornal i.

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