Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
É incompreensível que, na estratégia que delineou para recuperar o interior do país, o governo nada tenha feito para dissuadir os criminosos, preferindo massacrar ainda mais psicologicamente as vítimas.
Uma política de destruição do interior
É certamente difícil de entender para uma grande parte dos portugueses que vivem nas áreas metropolitanas do litoral o grau de destruição social e económica que se desencadeou em 36 mil quilómetros quadrados do nosso território como consequência dos terríveis incêndios que devastaram essas regiões em 17 de junho e em 15 de outubro do passado ano de 2017.
A já de si muito frágil e precária estrutura de sustentação económica anteriormente existente no minifúndio interior, nesse vasto território que começa no Tejo e vai até à raia transmontana, com populações residentes muito escassas e envelhecidas, foi dizimada com a extensão brutal da área ardida de mais de 550 mil hectares de terrenos agroflorestais, das casas e empresas reduzidas a cinzas e sobretudo com a enorme tragédia humana que os mais de 120 mortos então ocorridos representam e que destruíram a confiança de todas estas populações para se poderem sentir seguras para viverem e investirem nessas regiões.
É, por isso, totalmente incompreensível que o governo tenha optado, na estratégia que delineou para recuperar estas regiões, por dar prioridade política não a reprimir os incendiários, a agravar o respetivo quadro penal e a reforçar os meios de investigação para que cada vez mais esse tipo de crimes hediondos deixe de ficar impune, mas sim a reprimir e a complicar a vida dos pequenos e microproprietários rurais dessas zonas depauperadas do minifúndio do interior de Portugal.
O expoente máximo desta política de reprimir e massacrar psicologicamente os já massacrados pelos incêndios foi o tristemente célebre email dirigido pela Autoridade Tributária (sic) ameaçando com pesadas e reforçadas multas todos aqueles que tenham propriedades nessas zonas massacradas.
Ou seja, para dissuadir os criminosos, nada de novo se fez!
Mas para massacrar psicologicamente ainda mais as vítimas mobilizam-se todos os recursos do Estado, incluindo a Autoridade Tributária!
Felizmente que o Presidente da República, numa intervenção pública em Oliveira do Hospital, dias antes da data anunciada pelo ministro da Administração Interna para a “abertura da caça” aos bolsos depauperados dos desgraçados dos microproprietários do minifúndio do interior, veio declarar que “de facto, o governo não queria multar ninguém” e que a fatídica “data de 15 de março era, afinal, apenas indicativa e flexível”.
Foi muito oportuna esta intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, pois não se pode acreditar que qualquer governo responsável, que tem de ter no topo das suas prioridades a coesão económica e social de todo o território de Portugal, possa pôr no topo da sua agenda de combate aos fogos medidas preventivas de desflorestação tecnicamente atrabiliárias, como salientou o próprio relatório oficial sobre os incêndios de outubro, e que só destroem ainda mais a base da sobrevivência das populações rurais do minifúndio que ainda labutam e habitam nessas regiões.
Pelo contrário, o que deveria ter sido feito desde logo era promover a venda da biomassa semiardida através da eliminação do respetivo IVA e criar parques seguros para recolher a madeira queimada mas, até agora, nenhum desses 12 parques previstos saiu das meras intenções. De facto, nenhum foi instalado no terreno!
E como muito bem têm dito dois dos responsáveis máximos pelo Movimento Portugal Interior, os antigos ministros Jorge Coelho e Miguel Cadilhe, a prioridade terá também de ser, nesta hora de verdadeira emergência nacional, uma discriminação positiva relativamente às pessoas e às empresas que vivem e trabalham nestas regiões.
É isso mesmo que exige uma democracia de qualidade no nosso país.
A preocupação terá de ser definir políticas públicas que tornem menos penoso, para quem trabalha e investe nestas regiões, poder dar o seu contributo positivo para o conjunto do país.
O que se exige não é uma política assistencialista de dar esmolas, mas sim facilitar a vida e reduzir a carga fiscal e a pressão burocrática a quem trabalha e investe nessas regiões.
Reduzindo o IRC, isentando de IMT as operações de emparcelamento agroflorestal, facilitando a comercialização dos produtos agropecuários dos microprodutores do minifúndio, canalizando prioritariamente os fundos comunitários para apoiar os investimentos públicos e privados nestas regiões, e não para fazer ciclovias e outros adornos nas zonas mais prósperas do litoral que, obviamente, terão de ter outras fontes próprias de financiamento.
É isso que se exige e se espera com urgência de uma democracia de qualidade, para se poder salvar o Portugal interior!
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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