Deslumbrado com a paixão parlamentar, fui investigar. A prolífica produção era fruto de projetos, respetivamente, do CDS, do PSD e do PS – daí serem três. Não havendo efeméride a assinalar nem facto político aparente, estranhei a intensidade da coisa. Escavei um pouco. E verifiquei tratar-se de acontecimento mais prosaico. Por isso, não teve projeção; e apesar do vigor, “3-Resoluções-3”, ninguém glosou o acontecimento, nem cavalgou uma nova política que houvesse. Os três textos serviram apenas de resposta política a projetos de lei do PCP e do BE que queriam conceder benefícios ao ensino do português no estrangeiro: eliminação de propinas, gratuitidade dos manuais, redução de alunos por turma.
Nas praxes parlamentares, gerou-se este costume de partidos que vão rejeitar uma iniciativa de outro apresentarem projetos de resolução, sem efetividade jurídica, a fim de não ficarem mal na fotografia. Assim foi: os projetos de PCP e BE deram entrada em junho; o do PS, em novembro, quando o destino daqueles já estaria marcado; e os de PSD e CDS, em fim de dezembro, para balizarem o discurso em cima da hora de votar. Cumpriu-se o ritual: a 6 de janeiro foram chumbados os primeiros e aprovados os segundos que, na forma de Resoluções, alcançaram em fevereiro a suprema glória do Diário da República.
O texto das resoluções é bom. O problema, infelizmente, é não poder ser levado a sério. A nossa língua terá sido usada como bola de trapos de um bate-boca parlamentar. Na democracia sem qualidade em que vivemos, é assim: as resoluções foram cancela, desvio de outras ideias.
Se estivéssemos numa democracia de qualidade, as Resoluções valeriam pelo seu valor facial. Não teríamos três ao molho, mas uma que tudo condensaria. E a Assembleia estaria agora empenhada em fazer acolher e bem seguir a orientação fixada. Se estivéssemos numa democracia de qualidade, podíamos acreditar que os deputados que propuseram acreditavam e lutariam para a tornar realidade. Podíamos confiar que, ao exigir
“tornar a Língua Portuguesa uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas”, velariam, ao menos, por defender o português enquanto língua oficial da União Europeia.
Só podemos ter dúvidas, para dizer o mínimo. Os três partidos que propuseram estas três resoluções bonitinhas – PSD, PS e CDS – são os mesmos três partidos comprometidos nos dois regimes europeus mais lesivos da nossa língua e seu estatuto. O BE também borrou, em parte, a pintura, no segundo desses regimes. O PCP, que eu saiba, é o único com registo sem mancha.
No fim de 1993, Bruxelas aprovou o
Regulamento (CE) n.º 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária. Este “regime de Alicante” – assim conhecido por o organismo europeu para as marcas, Instituto de Harmonização do Mercado Interno, ter sede em Alicante – foi a primeira grande machadada europeia na nossa língua. Dispõe que
“as línguas [elegíveis para o processo]
são o alemão, o espanhol, o francês, o inglês e o italiano” – o português, terceira língua europeia global, não cabe dentro das cinco eleitas… Excluído! O Regulamento já foi revisto, em 2009 e 2015. Nenhum dos partidos portugueses no poder mexeu nisto.
Recentemente, houve dossiê mais sério. É uma matéria semelhante às marcas, mas pior, porque, nas patentes, a exclusão da nossa língua desqualifica-a gravemente como língua de ciência e tecnologia e desvaloriza-a no panorama das línguas globais. Em 2011, foi feita uma golpada miserável: o Conselho adotou a
Decisão 2011/167/UE, para permitir, ilegalmente, uma “cooperação reforçada” na área da patente unitária, impondo um regime linguístico violador dos Tratados, sob a aparência de os não violar. Portugal votou a favor – contra si próprio. No “regime de Munique” (onde é a sede do Instituto Europeu de Patentes), as línguas consagradas são três: alemão, francês e inglês. A terceira língua europeia global não cabe nas três eleitas.
O processo seguiria: o
Regulamento (UE) n.º 1257/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2012; e, assinado em Bruxelas a 19 de fevereiro de 2013, o
Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes. Foi
aprovado pela Assembleia da República em abril de 2015 e
ratificado pelo Presidente da República em agosto. Votei contra; e lutei por que o Presidente deixasse o assunto para o sucessor – não havia pressa. Nada a fazer.
Em batalhas fundamentais para a nossa língua no quadro europeu, os nossos governantes não estiveram à altura – apesar dos Tratados e até contra estes. Ao dizer “governantes” abranjo governos, Presidentes da República, Assembleias da República e representações no Parlamento Europeu, à exceção de vozes minoritárias. O problema nem é tanto a Europa decidir contra nós; é nós votarmos com o resto da Europa contra nós. Isso é que mostra que não prestamos.
Decidi não continuar deputado, não me candidatar. Em 2011, o CDS batera-se valentemente contra este último atentado ao estatuto europeu da língua. Apresentámos propostas, liderámos o debate, com a companhia do PCP. Perdemos, com a razão do nosso lado, apenas porque PS e PSD se juntaram, tal como anos antes nas marcas. Formado, porém, um governo PSD/CDS e atribuídos os Negócios Estrangeiros a Paulo Portas, líder do CDS, cabendo também ao CDS os Assuntos Europeus, pensei que o dossiê seria revisto, revertido ou adiado. Não. Sem debate nem informação, a alta direção do CDS enfileirou no cortejo e fez os deputados carimbar, quando chegou o tempo do voto parlamentar.
Essa é a questão que as três novas Resoluções nos colocam: são mesmo novas? São para levar a sério? Os três partidos autores tiveram um rebate de consciência portuguesa? PS, PSD e CDS vão reverter os erros feitos na União Europeia e ser plenamente consequentes com
“a afirmação da nossa Língua enquanto língua de trabalho nas grandes organizações multilaterais”? Era bom.
1 comentário:
PÚBLICO 11. MARÇO. 2017
Estamos a consumir demasiado e a crédito
Voltámos a um certo consumo excessivo e em simultâneo a fazê-lo a crédito.
Estamos a ir pedir emprestado dinheiro que teremos de mais tarde de pagar, em situações, ao que parece, que não são assim tão essenciais, e que nos comprometem o futuro.
Muito do que consumimos a crédito é importado.
Dinheiro que sai e que não é para investimentos produtivos ou poupanças futuras!
Claro que o Governo anterior teve “prazer” em nos amesquinhar, em nos fazer pobretes, em cortar para além do que os nossos credores externos exigiam, vulgo troika, e ainda para agravar deixou “situações” descontroladas, que hoje estão a ter de ser resolvidas, como off shores e não só.
Mas como sempre a “culpa irá morrer solteira”.
O Governo actual bem tentou dar ânimo às pessoas, num tempo difícil. Mas tudo terá d ter um limite, para não estarmos a aumentar créditos malparados.
Temos de ter qualidade de vida — que nem sempre dinheiro para grandezas nos dará —, mas dentro de limites exequíveis.
Esperamos também ter futuro, ou seja, amanhã — e amanhã não viver só para minguar às dívidas feitas hoje.
A. Küttner de Magalhães, Porto
Enviar um comentário