sexta-feira, 17 de março de 2017

O Elefante, o abat-jour, a mesinha de crapaud e o tapete da sala


               
O Elefante, o abat-jour...


Anda por aí muito boa gente que acha que José Sócrates é culpadíssimo de tudo o que o acusam, mas ainda assim acham que o comportamento da Justiça é uma vergonha.

Pessoalmente nada me move contra José Sócrates; devo-lhe até algumas gentilezas sem qualquer contrapartida ou propósito.

Não foi isso que me impediu, faz agora 8 anos, a 1 de Abril de 2009 de publicar um artigo intitulado «Dois pontos permitem traçar uma recta», em resposta a umas declarações do então Ministro Augusto Santos Silva que defendia de forma exacerbada a inocência do seu amigo e Primeiro-ministro José Sócrates no caso Freeport.

Nenhum jornal de referência, à época, aceitou publicar esse artigo; já não me lembro de onde é que o publiquei, mas foi numa folha de couve de muito pequena tiragem.

Da mesma maneira, quando José Sócrates impôs à PT, ameaçando usar a «golden share» a propósito da venda da Vivo e da compra de 25% da OI! no Brasil, publiquei noutra folha de couve em 1 de Julho de 2010, um artigo intitulado «O Fim da “golden share” e a fantasia colonial», onde afirmava que «A decisão de Governo de fazer uso do “direito” de veto constituiu assim uma afirmação barroca de nacionalismo económico. Bonito, mas totalmente inútil para os objectivos pretendidos - impedir a venda da Vivo à Telefónica - e brutalmente prejudicial a Portugal: como local para investir, Portugal tornou-se num lugar mal frequentado. Vamos pagar com língua de palmo o eleitoralismo do PS.»

Mais uma vez, nenhum jornal de referência, à época, aceitou publicar esse artigo.

Entretanto José Sócrates deixou de ser 1º Ministro. Em 2013 começou a ser investigado por vários crimes de lavagem de dinheiro, fraude fiscal e corrupção. Em 2017 continua a ser investigado.

Ao longo destes quatro anos aconteceu de tudo: uma detenção em directo para a televisão no dia de início do Congresso de consagração de António Costa como líder do PS; uma prisão preventiva de nove meses com base em fortes indícios, que afinal não permitem sequer acusá-lo; seis adiamentos do prazo máximo de investigação; milhares de manchetes de jornais; fugas seguidas e selecionadas para a imprensa promovidas obviamente pelo Ministério Público; Constituição de 26 arguidos alguns deles em casos que nada têm a ver com o «caso» José Sócrates… Um estendal de tudo aquilo que põe a Justiça sob suspeita. Entretanto para 99% dos portugueses Sócrates passou a ser «culpado de ser suspeito» …

Quando se examinam os principais crimes que a Procuradoria lhe aponta: adjudicações no âmbito da Parque Escolar ao Grupo Lena; uso de influências do Estado Português para a obtenção de vultuosos contratos na Venezuela; Separação entre a PT e PT Multimédia, opa da Sonae, venda da Vivo e compra da “OI!”, o choque da surpresa é imediato: todos esses assuntos foram tratados e discutidos à época em que sucederam, normalmente - e por influência de uma máquina de propaganda bem montada - com aprovação dos «comentadeiros» habituais, como Marcelo e outros, e eram “assuntos de Estado”, daqueles que ninguém se lembraria de pôr em causa do ponto de vista da idoneidade pessoal dos participantes.

Ninguém se lembraria de os pôr em causa por uma razão simples: é que se os motivos dessas decisões públicas e publicamente tomadas e assumidas não constituíssem – com boas ou más razões – o melhor entendimento que os decisores públicos pudessem ter sobre as matérias em presença, então seria todo o aparelho do estado que estaria corrupto e não só um homem.

Eu explico: como é que é possível pensar que José Sócrates pudesse ter influenciado a adjudicação de empreitadas ao grupo Lena se não contasse com a cumplicidade activa do Ministro da Educação, do Secretário de Estado com a Tutela das construções escolares, dos membros dos júris que presidiram aos concursos e por aí fora?

Como seria possível a Sócrates influenciar os diplomatas portugueses na Venezuela para beneficiar o Grupo Lena, sem a cumplicidade activa de Luís Amado ou já agora de Diogo Freitas do Amaral?

Como é possível acusar José Sócrates de ter falsificado documentos fazendo um RERT em nome de um amigo, sem ir perguntar a Sérgio Vasques, porque é que como Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais permitiu esse RERT?

Como seria possível que os membros do Conselho de Ministros deliberassem uma Resolução sobre a utilização da «golden share» sem que estivessem todos feitos uns com os outros? Ou eram todos imbecis?

Onde estavam António Costa, Ministro de Estado e da Administração Interna, Augusto Santos Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Manuel Pinho, Ministro da Economia, Maria de Lurdes Rodrigues, Ministra da Educação, Fernando Teixeira dos Santos, das Finanças, Alberto Costa, da Justiça, Mário Lino, José Vieira da Silva, onde estavam?!

Já esta semana João Miguel Tavares nas páginas do Público se interrogava sobre esse estranho elefante no meio da sala chamado José Sócrates e sobre a ausência de companhia do elefante…

E digo eu: e o resto dessa gente? Sim, o actual 1º Ministro, por exemplo, estava a banhos quando foi a OPA da Sonae? Era Ministro de que estado?

É que de facto se os crimes de José Sócrates são aqueles que, segundo os Advogados, o Ministério Público lhes apontou e vêm nos jornais, então o Réu chama-se XVII Governo Constitucional que tomou posse em Março de 2005.

A mim não me espantaria sobremaneira que o XVII Governo Constitucional tivesse sido, de facto, um empreendimento criminoso a avaliar pelo fim trágico que teve essa aventura chamada Socratismo, mas então ponham essa gente toda no banco dos réus, a começar por António Costa, Augusto Santos Silva, José Vieira da Silva, Eduardo Cabrita, Ana Paula Vitorino, e tantos outros que integraram os Governos de José Sócrates e a avaliar pela minuta de acusação do Ministério Público foram todos cúmplices no lameiro estadual em que Portugal se transformou.

É bem verdade que se fossemos por aqui, Portugal ficava sem Governo: uma boa parte dos membros do actual Governo foram cúmplices de José Sócrates…

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