quarta-feira, 15 de março de 2017

Representatividade e accountability

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

Os cidadãos têm de se mobilizar e pressionar os partidos políticos no sentido de tornar possível a existência de candidaturas independentes dos mesmos nas eleições para a AR.

É preciso sair do atoleiro

Representatividade e accountability

São bem conhecidos os inúmeros problemas que ensombram a sociedade e o desenvolvimento económico do país. Para já não falar na ausência de uma visão consensual para o país e de uma estratégia que lhe sirva de guia, são por demais evidentes as consequências nefastas de um sistema parlamentar de partidos quando capturado pelas lideranças destes e dos interesses que as sustentam. É um tal sistema eleitoral, baseado em listas partidárias que impossibilita candidaturas e eleição de cidadãos independentes, que faz com que ele surja como não representativo das aspirações e sentir dos portugueses e a causa determinante do mal-estar vigente.

Daí também o desinteresse crescente de grande parte da população, e em particular da classe média, pelo processo eleitoral e ainda mais pela política. A abstenção é crescente, atingindo níveis que nos permitem legitimamente interrogarmo-nos sobre a representatividade de quem nos governa, tanto mais que se vive num contexto em que a guerrilha partidária substituiu a prática política da convivência democrática. A questão central para uma democracia de qualidade pode, assim, resumir-se a uma questão política de representatividade e accountability. Sem isso, não existirão as condições mínimas que permitam assegurar uma governação eficaz, i.e., em que as reformas necessárias à resolução dos problemas prementes com vista ao desenvolvimento sustentável do país possam ocorrer e dar lugar a uma análise criteriosa das mesmas, concomitantemente com um escrutínio público do seu mérito e justificação.

É este o contexto e o caldo de cultura que explica e é responsável pelos problemas com que nos debatemos há décadas e que se traduzem numa economia praticamente estagnada, e em que se destacam: uma justiça lenta e ineficaz; uma administração pública burocrática e inapta para fazer face aos problemas decorrentes da necessária modernização do país; uma fiscalidade asfixiante, desincentivadora da poupança e do financiamento com recurso a capitais próprios; uma economia carente de dinamismo, já que pouco empreendedora e inovadora, e muito dependente de rendas e subsídios; enfim, uma sociedade civil sem vigor e largamente resignada. Em suma, um país onde a falta de accountability (i.e., representatividade e escrutínio ) o torna pouco estimulante para se viver, de tal modo que muitos dos mais aptos, qualificados e ousados o abandonam.

Apesar de tudo isto ser igualmente sabido e de não terem faltado estudos e reflexões de todos os matizes, bem como manifestos alertando e pugnando por alterações conducentes a reformas tidas por essenciais ou mesmo básicas, a situação persiste, praticamente imutável, porque o processo decisional está prisioneiro de interesses individuais e de grupo, e os mecanismos de regulação, supervisão e controlo vivem em total promiscuidade com os interesses que servem. Em face disto, os cidadãos olham para o lado, impotentes e resignados, como se tal não lhes dissesse respeito, à espera de um D. Sebastião ou de um milagre. Em suma, o grau de escrutínio da sociedade sobre todo este processo é diminuto ou inexistente.

Impõe-se, pois, alterar este estado de coisas e vencer a ignorância que lhe está subjacente, nomeadamente por parte dos cidadãos, tanto quanto possível organizados e com base em iniciativas conducentes a propostas de solução para os diferentes problemas, devidamente fundamentadas em termos das suas vantagens, benefícios e custos.  
Em particular, os cidadãos têm de se mobilizar e pressionar os partidos políticos no sentido de tornar possível a existência de candidaturas independentes dos mesmos nas eleições para a AR, embora devidamente enquadradas institucionalmente, por forma a assegurar uma representatividade mais consentânea com as suas aspirações e interesses. Terão igualmente de abandonar a atitude passiva de esperar que outros proponham e desencadeiem as reformas de que o país carece, e de se consciencializar de que os bloqueios existentes só poderão ser vencidos com a mobilização e participação esclarecida e empenhada de todos, como forma de vencer os interesses instalados em conluio com os atuais partidos e práticas políticas.

A ignorância e o alheamento das decisões que a todos interessam e da forma como são tomadas são atitudes perniciosas que a todos afetam e não permitem o desbloquear da situação com que há muito nos debatemos. É vital tornar Portugal não só o país de sol, acolhedor e com boa comida onde é agradável viver, como igualmente o país onde o funcionamento dos órgãos do Estado e demais instituições relevantes propicia um clima estimulante para o progresso económico e social, suscetível de conduzir aos níveis de solidariedade e desenvolvimento porque todos nós há muito ansiamos. Mãos à obra!
José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.

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