quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

A democracia do cúmulo das indecências

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Fernando Teixeira Mendes, saído ontem no jornal i.

O veto presidencial foi de grande importância, com um grande sentido de conivência com a sociedade civil e grande sentido de honestidade democrática.


A democracia do cúmulo das indecências 

Muito se tem escrito sobre as negociações secretas dos deputados da Assembleia da República em 2017, para finalizarem mais um acordo sobre financiamento dos partidos políticos. Muito aprecio os votos contra do CDS e do PAN e volto a escrever nestes artigos que o nosso Estado tem, e bem, o controlo sobre os rendimentos das pessoas, das famílias e das empresas, mas não sobre os proveitos dos partidos políticos.

Ao apertar da malha da supervisão bancária responderam a maioria dos partidos com um acordo que incluía, entre outros aspetos, deduções adicionais de IVA e, sobretudo, uma outra, que também muito critico, a da eliminação do montante máximo dos proveitos. Tudo feito no maior dos secretismos. Os deputados que, de facto, com este sistema eleitoral, não são nossos, mas exclusivamente dos partidos, mostraram mais uma vez do que são capazes!

O veto presidencial foi de grande importância, com um grande sentido de conivência com a sociedade civil e mesmo com um grande sentido de honestidade democrática, porque certamente ajudará a reduzir a excitação de muitos partidos por verem os seus orçamentos aumentados.

Quando escrevemos o importante “Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade”, em devido tempo inserimos o “Ponto 2 - Alteração do sistema de financiamento dos partidos políticos”, que sinto obrigação de citar neste momento. Alertámos, na época, para que “este é um problema fundamental do nosso doente sistema democrático’’ e, no seguimento de argumentação já acima explicitada, advogámos que: 
“Há que aperfeiçoar o quadro atual do sistema de financiamento partidário:

- Receitas de fonte maioritariamente pública, com verbas alocadas pelo Orçamento do Estado.

- Receitas privadas apenas por contributos de pessoas individuais em moldes estritamente regulamentados na lei (quotizações, donativos limitados ou eventos de angariação de fundos) e permitindo a respetiva fiscalidade pública, nomeadamente pelas deduções na coleta em sede de IRS ou por outros mecanismos de cruzamento com o sistema tributário.” 
Advogámos ainda que fosse um corpo de auditores especiais, no âmbito da Procuradoria-Geral da República, ou uma secção especializada do Tribunal de Contas a auditar as contas dos partidos políticos. Contudo, fogem dessa auditoria como o diabo da cruz, vá-se lá saber porquê!
O sistema, tal como descrevemos, dificultaria enormemente que as empresas andassem à procura de indivíduos para efetuarem os seus donativos aos partidos.

Está, além disso, demonstrado que, com receitas maioritariamente públicas, com verbas alocadas no Orçamento do Estado, se consegue que o financiamento partidário seja mais barato para os cidadãos e mais justo para os pequenos partidos que não têm acesso ao poder.

Atendendo ao comportamento de grande parte dos deputados, que mais não fazem do que seguir incondicionalmente os chefes para não ficarem fora das listas seguintes, só a sociedade civil, com o apoio do senhor Presidente da República, conseguirá atingir o importante objetivo que traçámos.

A outra enorme vergonha vivida e que a sociedade civil não pode tolerar sem uma atuação mais decidida tem a ver com as declarações de, entre outros, a ministra da Justiça e Carlos César sobre a possível não renovação do mandato da procuradora-geral da República.

Uma elevadíssima percentagem de portugueses tem um dever de enorme agradecimento pelo trabalho feito pela dra. Joana Marques Vidal. Foi graças a ela, ao seu nível de exigência e de honestidade e à sua capacidade de liderança à frente daquela procuradoria-geral que o nosso Estado deixou de ser fraco com os fortes que, desavergonhadamente e das mais variadas maneiras, se apoderaram do dinheiro de indefesos, com consequências que afetarão várias gerações.

Foi também graças a ela que se desenvolveram processos como a Operação Marquês e vários outros, e a generalidade da sociedade civil sabe bem que tal evolução não seria possível, e não foi mesmo possível, antes de Joana Marques Vidal se ter tornado procuradora-geral da República. Aliás, não quero deixar de registar com preocupação que até Rui Rio, num debate a que assisti recentemente, não elogiou como devia o trabalho de Joana Marques Vidal ao pretender mencionar que esperava mais do Ministério Publico, o que até se pode compreender. Eu também espero muito mais do Ministério Público e o que não quero, nem desejo que aconteça, é que se volte à situação vivida anteriormente.

Antevejo que, tal como na reação do Estado aos incêndios, vá ter de ser o nosso Presidente da República a formar e a formatar a ação do governo para que este consiga compreender quais são, em cada momento, as prioridades de ação vistas da ótica da sociedade civil interessada no desenvolvimento do nosso país.

Democracia decente só com a melhoria da classe política e isso só virá a acontecer se vierem a implementar-se círculos uninominais na eleição dos deputados para a Assembleia da República, tal como defendemos no importante “Manifesto Por uma Democracia de Qualidade”. Contactos e informações através do email: porumademocraciadequalidade@gmail.com
Fernando TEIXEIRA MENDES
Empresário e gestor de empresas, Engenheiro
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i

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