Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Eduardo Baptista Correia, hoje saído no jornal i.
Acredito em sistemas de igualdade de oportunidades: na educação, na justiça, na saúde e também no acesso aos lugares eleitos.
Hezbollah de cá
Portugal angariou ao longo dos séculos uma imagem no mundo que resultou no respeito que o país internacionalmente possui. Noto um reforço nesse magnífico respeito e simpatia sempre que viajo para fora da Europa. Naturalmente que a simpatia e a excelência de alguns dos portugueses atualmente referência no mundo realçam muito essa imagem e intensificam a responsabilidade do país em fornecer ao mundo exemplos de evolução civilizacional.
Na sociedade de acesso global à informação em que o mundo do séc. XXI se tornou, os cidadãos do mundo contemporâneo ambicionam modelos governativos que reforcem a qualidade e transparência da governação, assegurando que o Estado é o instrumento da realização de interesses gerais e não o trampolim para grupos ou fações satisfazerem as suas ambições. É isso que o cidadão informado de qualquer país exige dos respetivos governantes. Os eleitos só são legítimos representantes dos eleitores na medida em que saibam honrar esses fins.
Só há soberania onde há inteligência; e a inteligência e a soberania provêm da atividade social, cultural e profissional. Para isso é necessário garantir que o cidadão só deveria poder afirmar-se na vida política na sequência da sua pertença e destaque numa comunidade ou sociedade primária familiar, municipal, profissional, desportiva, cultural ou religiosa onde exerça atividade que o valoriza. Para que o conhecimento do cidadão eleitor seja efetivo, real e consequente no que aos candidatos a deputados diz respeito, é imprescindível que a eleição dos deputados seja feita no modelo de círculo uninominal. É também dentro deste contexto que defendo que as juventudes partidárias deveriam dedicar-se às causas sociais e ao voluntariado. É fundamental que os partidos deixem de ser instrumentos que grupos fechados usam para se servirem, transformando-se em organizações ao serviço da comunidade. É evidente que a qualidade dos políticos futuros que esse modelo de juventude partidária produziria em nada é comparável à qualidade do modelo atual, que continuadamente demonstra defender essencialmente o benefício e a proteção do ecossistema a que pertence.
Assistimos recentemente a mais uma demonstração dessa falta de legitimidade dos eleitos parlamentares para representarem os eleitores aquando da elaboração e aprovação da lei do financiamento partidário. Os partidos e os deputados mostraram de forma clara e evidente a sua aptidão para colocar os interesses de grupo à frente dos interesses da nação. Mostraram não ser capazes do exemplo de solidariedade nem de experienciar a brutalidade e agressividade das medidas fiscais que eles próprios criam, impõem e subscrevem para os cidadãos e empresas. Mostraram a sua falta de pudor em se autoproteger e beneficiar. Estou crente de que estes são sinais de um sistema à beira da falência. Que liderança se pode afirmar sem dar o exemplo?
Acredito em sistemas de igualdade de oportunidades: na educação, na justiça, na saúde e também no acesso aos lugares eleitos. Só um sistema que garanta de facto essa igualdade de direitos é protetor de uma democracia que assegure a arbitragem e transformação do conjunto indistinto dos interesses e aspirações particulares num modelo de governação que assegure a defesa do interesse geral. É para isso imprescindível que o modelo de governação e o respetivo sistema político evoluam de forma a assegurarem práticas governativas longe do barulho das palavras inúteis, da política estéril e da ruína do património nacional. Não creio numa democracia em que o financiamento dos candidatos a eleições seja desigual e privado. A democracia é um sistema evolutivo e exigente. Montantes de financiamento público iguais para todas as candidaturas é a única forma de, simultaneamente, assegurar acesso em plano de igualdade a todos os candidatos ao mesmo órgão eleito e independência face a grupos de pressão e interesse instalados cujo principal objetivo com o financiamento de candidaturas é, por norma, a defesa dos seus interesses particulares em detrimento da causa pública e geral.
É isso que fácil e habitualmente criticamos quando olhamos para os outros. Visitei na passada semana, no sul do Líbano, a sede-museu do Hezbollah. É evidente que são financiados por elementos externos ao Líbano com o intuito de defenderem posições externas ao Líbano, prejudicando em muito o desenvolvimento da paz, da economia e da segurança da região. É evidente que tanto lá como cá, por falta de cultura democrática, estas organizações colocam o interesse particular à frente do interesse geral. Por cá, estamos completamente reféns do sistema político fechado e autoprotecionista.
A democracia é complexa e exigente; para evoluir, necessita de ser estudada, pensada, transformada e vivida.
Eduardo BAPTISTA CORREIA
Activista político, Gestor e Professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"
NOTA: artigo publicado no jornal i
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