Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
As casas que arderam, bem como os currais, os armazéns e as oficinas que foram inutilizados pelo fogo, vão ter que pagar o IMI em 2018.
Os mortos também têm de pagar IMI!
Num artigo publicado a 8 de Novembro de 2017, fiz algumas propostas concretas para revitalizar a malha humana e o tecido económico dos 40.000 quilómetros quadrados do Portugal do interior que se encontram hoje num verdadeiro “estado de calamidade” devido aos trágicos fogos florestais do Verão de 2017. Porque mais importante do que atribuir donativos é fazer com que as pessoas, como agentes económicos, se sintam motivadas para trabalhar e investir nos concelhos devastados pelos incêndios e em atividades que acrescentem valor à economia nacional.
Pensei na altura que não iria ter de revisitar este tema tão cedo. Mas, enganei-me!
A gravidade de algumas atuações do governo, e a ausência de medidas concretas urgentes para reforçar a coesão social destes territórios, obriga-me infelizmente a retomar este tema.
Vejamos que, para além dos bonitos discursos de circunstância, nada se avançou em relação às prioridades concretas de atuação:
a) O número de ignições florestais em Portugal é absurdamente elevado, mesmo se o compararmos com Espanha, pelo que se impõe que o crime de fogo posto florestal seja equiparado ao crime de terrorismo. Isso abrirá a possibilidade a medidas preventivas e penais mais agravadas e dissuasoras, e sobretudo dará uma prioridade máxima à investigação deste tipo de crimes. Fala-se muito em concursos para contratar aviões para combater os fogos “por ajuste direto”, mas nem uma palavra para reprimir e dissuadir previamente os incendiários ;
b) Os concelhos mais atingidos pelos fogos florestais do passado Verão têm que ver incentivado o emprego e a atividade produtiva do minifúndio. Por isso, estes concelhos deviam ter sido contemplados no Orçamento de Estado de 2018 com políticas públicas excecionais com claros desígnios estruturantes de médio e longo prazo, como a redução para 5% da TSU a cargo dos trabalhadores e a isenção total do IRC para todas as micro e PME instaladas nestes concelhos;
c) Outras medidas estruturantes para dinamizar as atividades económicas do minifúndio:
- Conceder um regime fiscal simplificado às pequenas produções agrícolas, pecuárias e florestais para que tenham que declarar às empresas a que vendam os seus produtos apenas o seu número fiscal individual. Se, no final do ano, o total das vendas registado na Autoridade Tributária, acrescido de eventuais reformas e pensões, não for superior ao limite de isenção do IRS, nada mais lhes seria exigido em termos fiscais;
- Para promover o emparcelamento das propriedades rústicas do minifúndio, isentar do IMT e de todas as taxas e emolumentos atualmente aplicáveis a compra de propriedades rurais até se atingirem áreas consolidadas de 50 hectares;
- Isentar de IVA a venda de lenha e de biomassa comercializadas nestes concelhos, assim facilitando o escoamento dos milhares de toneladas de destroços florestais que ficaram espalhados por este território.
No Orçamento de Estado para 2018 recentemente promulgado, desgraçadamente nenhuma destas medidas foi contemplada.
Mas, mais dramático ainda do que esta grave omissão, foi o facto de o Governo ter recusado isentar do pagamento do IMI as propriedades situadas nos concelhos devastados pelos incêndios do Verão passado. Ou seja, as casas que arderam, bem como os currais, os armazéns e as oficinas que foram inutilizadas pelo fogo, vão ter que pagar o IMI em 2018, o mesmo se passando com as propriedades florestais e agrícolas que foram reduzidas a cinzas. E, caso estes impostos não sejam pagos, as Finanças, de acordo com os mecanismos aplicáveis, irão executar implacavelmente eventuais atrasos.
Confesso que me custa a acreditar que o governo tenha ponderado a vertente, verdadeiramente inumana e quase macabra, de aplicar tal rigor fiscal mesmo que os proprietários tenham lamentavelmente morrido queimados nesses incêndios, como tragicamente aconteceu nalguns casos! Ou seja, aqueles que morreram tragicamente queimados naqueles dias fatídicos de 17 de Junho e de 15 de Outubro de 2017 devido ao colapso do Estado português que então se verificou, terem agora de ir pagar, através dos seus herdeiros, a esse mesmo Estado que os deixou morrer, o IMI das casas e das propriedades que também foram destruídas!
É inacreditável, mas é isto que irá acontecer em 2018 em todos estes concelhos em que os respetivos Presidentes não tomem entretanto a decisão excecional de não cobrar o IMI em 2018.
Para todos os milhares de portugueses que vivem e trabalham nestas terras, promovendo assim a coesão social no coração de Portugal, esta decisão é uma verdadeira punhalada nas costas que contradiz frontalmente as palavras bonitas de conforto que os políticos gostam de debitar quando visitam estas terras martirizadas.
Não é com donativos pontuais, por louváveis que sejam, mas com o trabalho duro e persistente de investimentos a longo prazo que se irá reestruturar a presença humana e o tecido produtivo do interior, pelo que esta lamentável atuação é também um sinal claro da falta de Qualidade da Democracia portuguesa, que urge corrigir rapidamente para bem de todos nós.
Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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