1.ª página da edição de hoje do jornal i 19 de Agosto de 2013 |
Continua animada a trapalhada político-judiciária da estação em torno da querela da limitação de mandatos. E nem sempre a cobertura jornalística da coisa tem ajudado ao esclarecimento da opinião pública - antes pelo contrário.
Hoje, o jornal i faz destaque de capa com o assunto, dedicando-lhe notícia desenvolvida e editorial, na linha da manchete:"a grande confusão foi discutida em apenas 3 minutos". Pois bem... Não é verdade.
Os deputados, já se sabe, têm as costas largas. Sabe sempre bem arrear-lhes nos costados. É desporto popular desancar no Parlamento. Mas, aqui, as coisas não foram bem assim, nem é dos deputados a principal responsabilidade da trapalhada que está gerada.
Estou à vontade, pois não era deputado na altura e não tive, portanto, participação ou intervenção directa no assunto. Mas, a partir do portal da Assembleia da República, não é nada difícil reconstituir o que efectivamente se passou. Está tudo aqui, quanto ao processo legislativo da actual Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto.
Além disso, a comunicação social dispõe de jornalistas parlamentares que seguem os debates; e devia dispor da capacidade editorial suficiente para, oito anos depois, recordar, com independência e rigor, a efectiva verdade dos factos e não se ter deixado (como deixou) instrumentalizar pelos manobrismos e tentativas de intoxicação que se intrometeram. Uma boa imprensa é sempre um excelente antídoto social contra a má-fé e a falsa arte de trampolineiros e charlatães - o que, neste caso, infelizmente não aconteceu.
Bem sei que à época o jornal i não existia - por isso, não podia, ele, carregar essa memória editorial. Mas outros existiam; e podiam (deviam) ter ajudado, com isenção e objectividade, a recordar os factos exactos e evitar que "amnésias" selectivas e interpretações manhosas poluíssem (por interesse próprio) o debate, gerando o caos a que assistimos.
Indo à notícia de hoje:
Os "três minutos" que fazem a manchete do i, aconteceram na verdade. Mas foram os últimos três minutos de longos trabalhos e debates parlamentares - e até um luxo extra que, às vezes, muito raras vezes, é concedido no tempo da votação na especialidade e votação global final dos diplomas. Além disso, foram certamente três minutos extra por cada grupo parlamentar interveniente - e não apenas três minutos "a mata-cavalos", como a manchete e a notícia dão a entender.
Aliás, a lei teve dois dias de debate no plenário da Assembleia da República e não só esses "3-minutos-3" do último momento do segundo desses dias. Esteve em debate em plenário, primeiro, no dia 5 de Maio e, depois, nesse dia 28 de Julho.
Recapitulando o processo legislativo:
- A lei resultou basicamente da Proposta de Lei n.º 4/X, que entrou na Assembleia da República no dia 21 de Abril de 2005.
- A proposta de lei foi apreciada em conjunto com dois projectos de lei do Bloco de Esquerda (Projecto de Lei 34/X e Projecto de Lei 35/X), que versavam sobre a mesma matéria e que haviam dado entrada a 14 de Abril de 2005.
- Estas iniciativas baixaram logo à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que as apreciou, aprovando o respectivo relatório/parecer no dia 3 de Maio de 2005.
- Subiram a debate na generalidade em plenário no dia 5 de Maio de 2005. Aqui, houve abundantes intervenções: Pedro Silva Pereira (Ministro da Presidência), Francisco Louçã (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP), António Montalvão Machado (PSD), Heloísa Apolónia (PEV), António Montalvão Machado (PSD), Jorge Coelho (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Jorge Coelho (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Abílio Dias Fernandes (PCP) e Ricardo Rodrigues (PS). Quais "três minutos"!? Muito mais do que isso: bem mais de uma hora.
- Nesse dia, os textos foram aprovados na generalidade, recebendo apenas votos favoráveis do PS e do BE (por razões que não cabe aqui desenvolver) e baixaram de novo à comissão, agora para a especialidade.
- Estiveram em apreciação na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias durante cerca de dois meses e meio (quais "três minutos"!?), acabando aí por concluir-se que a votação na especialidade seria feita no próprio plenário, em vez de na comissão, uma vez que prevaleceu a tese de apresentar dois textos de substituição: um para os mandatos autárquicos, em que havia a possibilidade da maioria necessária de 2/3; e outro quanto aos mandatos do primeiro-ministro e dos presidentes de Governos Regionais, em que essa possibilidade de maioria qualificada não existia.
- Esses textos só foram ultimados no próprio dia 28 de Julho de 2005 (v. imagem no fim deste post). É pena, mas não é raro que assim aconteça. Até pode ser sintoma do contrário do que se procura dar a entender: esteve-se até à última a afinar o texto final que seria votado.
- E, de facto, como diz a notícia do i, haveria ainda um outro texto de substituição PS/PSD apresentado já em cima da hora, com o plenário a decorrer. Não é uma prática muito saudável, é verdade. Mas este outro texto de substituição, como poderá verificar-se, tinha o único alcance de aditar que a lei só se aplicaria a partir de 1 de Janeiro de 2006, não afectando, assim, o mandato autárquico que estava em curso para o efeito da contagem dos mandatos. Recorde-se que ia haver eleições locais em Outubro desse ano. Os tais três minutos extra de debate concedidos para esta ronda final destinaram-se justamente a tornar tudo claro, antes de votar. E, de facto, assim foi.
- Na sessão plenária de dia 28 de Julho, procedeu-se, então, em primeiro lugar, à votação na especialidade e ao respectivo debate, em que foram concedidos e usados três minutos por cada partido interveniente. Aqui, intervieram: Luís Marques Guedes (PSD), Vitalino Canas (PS), Osvaldo de Castro (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP), Vitalino Canas (PS), Paulo Castro Rangel (PSD), Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE), Augusto Santos Silva (Ministro dos Assuntos Parlamentares) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP). Quais "três minutos"!? Muito mais do que isso, certamente perto de mais uma hora.
- E, nessa mesma sessão plenária de dia 28 de Julho, ainda se procedeu, em segundo lugar, à votação global final e com outro pequeno debate ex post, em que intervieram (declarações de voto orais): Vitalino Canas (PS), Luís Marques Guedes (PSD) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
Como se vê, não foi por falta de debate parlamentar, nem por correrias de última hora que a lei ficou como ficou.
Sem dúvida que a lei poderia ter ficado com melhor e mais clara redacção. Mas a ninguém terá ocorrido que, passados oito anos, quando a lei viesse a ser aplicada pela primeira vez, houvesse tanta "falta de memória" quanto ao que efectivamente se discutira e decidira.
A imprensa podia ter ajudado a combater essa amnésia, cruzada com manipulação politiqueira. Infelizmente, porém, não o fez - e tem até, objectivamente, colaborado na confusão e no caos.
Mas a responsabilidade da coisa não é obviamente da comunicação social, antes dos aprendizes de feiticeiro que semearam ventos, para a todos nos fazerem, agora, colher a tempestade. Maus dirigentes.
Sobre a matéria já escrevi um primeiro e um segundo artigos no jornal PÚBLICO. Escreverei ainda um terceiro.
Os textos de substituição apresentados e votados no dia 28 de Julho de 2005. Um foi aprovado; outro não. |
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