quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Quem cria emprego não são as empresas, são os consumidores?


Ontem fui a uma conferência sobre a reforma do IRC. Quase todos os intervenientes estavam de acordo sobre que muitas das medidas previstas na reforma fazem sentido, podem de facto ajudar as empresas simplificando-lhes a vida e tornando o imposto mais justo.

Já quanto à descida da taxa já em 2014, ninguém pôde defendê-la uma vez que no actual contexto de redução de rendimentos, salários e pensões e aumento de IRS, poucos poderão entender que, por exemplo a EDP, com lucros superiores a mil milhões de euros, pague menos impostos.

Depois da parte técnica da conferência, sobreveio um debate, entre por um lado, Francisco Almeida Mendes, do CDS e João Galamba, do PS.

O representante do CDS, colega de escritório de António Lobo Xavier, disse previsivelmente, que era uma boa reforma, e que a descida da taxa seria sempre uma boa noticia, ou não?

Já Galamba, do PS, atacou a reforma in totum, por entender que faz parte de um “compacto ideológico” do actual governo que consiste em desvalorizar o factor trabalho e valorizar o capital. Ora, declarou, quem cria empregos não são as empresas, são os consumidores, citando a revista Forbes.

Esta conversa levava-nos longe, mas, abreviando: de facto, sem procura solvente, não pode haver oferta, e portanto, sem consumidores, as empresas não tendo a quem vender, não empregam nem produzem. É verdade.

Mas porventura escapa a Galamba que a procura solvente pressupõe que os rendimentos dos consumidores estejam em linha com a sua produtividade, pois caso contrário, a única forma de financiar esse consumo é através do endividamento.

Por outro lado, não é verdade que os consumidores são também produtores de bens e serviços, e que as empresas onde trabalham só lhes darão emprego se o puderem manter através de um financiamento adequado à sua actividade?

A frase de Galamba pressupõe que bastaria ter uma politica expansionista de rendimentos, salários e pensões para permitir às empresas portuguesas produzir mais, vender mais e crescer.

Ora, isto não é verdade: existe em Portugal um legado acumulado de dívida que tem de ser pago pelas empresas e cidadãos, antes de estes poderem consumir mais. É a isto que se chama ajustamento: a correcção do excesso de capacidade de consumo em face do crescimento da produtividade.

Mas não deixa de ser verdade que, sem consumidores, as empresas portuguesas não têm a quem vender. Pois é! Mas, quais consumidores?

A frase de Galamba, pressupõe uma estratégia de crescimento baseada no crescimento do consumo interno; a politica do Governo consiste em encontrar fórmulas para permitir às empresas portuguesas ganharem competitividade no mercado internacional, ou seja, encontrar os consumidores que lhes faltam cá, lá fora, um crescimento baseado nas exportações.

João Galamba tem visivelmente em mente um artigo que saiu no Foreign Affairs, há uns meses, intitulado Austerity Doesn't Work, de Mark Blyth. O mesmo autor escreveu um livro intitulado The Austerity Delusion, no qual desenvolve a tese do artigo, que consiste em dizer que a estratégia de crescer através das exportações mercê de ganhos de competitividade advenientes da austeridade, pode funcionar para uma empresa ou para um país, mas não para todos ao mesmo tempo.

Evidentemente que essa «corrida para o fundo» - como Galamba e o dito Blyth lhe chamam - não funciona para todos, mas pode funcionar para os primeiros e deve funcionar ao menos para aqueles cujos preços relativos já sejam mais altos que os da concorrência.

A politica «austeritária» (como a esquerda adora dizer) foi implementada na Alemanha, pelo Chanceler Schroeder (SPD), com o sucesso assinalável que se verificou quando a Alemanha recuperou uma competitividade perdida nos anos 90 e explodiu de novo nos mercados mundiais.

Agora, esta politica implica uma aposta: a de que os sacrifícios de hoje darão frutos amanhã, o que significa que não chega corrigir os rendimentos, salários e pensões, é necessário criar condições de investimento que permitam às empresas investir e crescer.

Veremos se o Governo de Portugal é capaz disto - tenho dúvidas pelo que vi até agora - mas a «via Galamba» não me deixa dúvidas, é o caminho sem retorno, para o abismo, no meio de muitos iPads, iPhones, e «vestidinhos clixs». E que se lixe a troica, claro!
 

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