I want a piece of the action!
Desde ontem à noite, em estado de choque, o país desatou a verberar os vistos gold, como se eles fossem a fonte de todos os males. Que cheira a podre, cheira, mas o cheiro não vem dos cidadãos estrangeiros que decidiram apostar no nosso país como um possível destino de residência, ou de refúgio consoante os casos. Não. O cheiro vem da função pública e dos seus escalões mais elevados.
Tal como está concebido, o programa dos vistos gold é bom e funciona, como se vê. Nem Portugal é único na oferta deste programa (só na Europa, mais dez países oferecem coisas parecidas), nem os sistemas de controlo são ineficientes, nem os cidadãos em questão são criminosos – precisamente, se fossem, não podiam obter o visto.
A questão está em que o dinheiro que chega é fortemente disputado por mafias do imobiliário, que da noite para o dia subiram os preços anémicos da sua oferta para o dobro, ou o triplo, pagando comissões principescas a quem lhes traga clientes. Aqui é que está a questão.
Corruptos não são os cidadãos que demandam o nossos país. Na sua grande maioria são membros da classe média alta dos seus próprios países, que por razões diversas – em muitos casos, a garantia do acesso dos filhos aos sistemas universitários europeus – procuram vistos de residência permanente no exclusivo espaço Schengen.
A corrupção nasce nos meandros das agências imobiliárias, dos agentes de imigração chineses e dos escritórios de advocacia que instituem os seus poderosos cambões, seja junto dos consulados portugueses no estrangeiro, seja junto dos operadores imobiliários em Portugal.
Os cidadãos estrangeiros que procuram um visto gold, são um belo mercado, e um mercado muito ignorante daquilo que o espera, dos preços de mercado daquilo que adquirem, particularmente susceptíveis a ser guiados e orientados para a compra pelos agentes que os rodeiam, como moscas à volta de açúcar.
É desse caldo de cultura que provém a corrupção, não para a obtenção do visto, mas para a captura do cliente. Aí vale tudo: cambões nas agências bancárias, nos consulados e nas altas esferas da Administração Pública. Que escritório não desejaria poder fazer valer perante potenciais clientes o seu acesso privilegiado ao poder de decisão?
O afluxo de dinheiro foi muito grande e muito súbito e pôs muitas cabeças à roda. Um bocadinho como a vaga inicial dos fundos comunitários, fosse para a agricultura, fosse para a formação profissional. Subitamente, a questão era como molhar o bico nesse fluxo imparável.
Basta percorrer os sites das agências imobiliárias para concluir que simples apartamentos que há dois anos se vendiam a preços de miséria ou não se vendiam, estão agora à venda por valores absurdos de 6 e 7.000 euros por metro quadrado. São evidentemente os preços para «chinocas» que pagam 510.000 € por um apartamento que seria caro a 300.000 €, escorrendo comissões de 100.000 e 200.000 para os intermediários que trazem o cliente. Ora aí está.
Não é corrupção, nem é ilegal, mas – um grande mas, nada como criar redes que garantam que o «senhor cliente» lá vai parar. É aí que entra a função pública: através de redes consulares, bancos, e vários serviços públicos, detectam-se mais facilmente os clientes potenciais e depois, é só empurra-los (com a conivência das agências chinesas, cuja ganância não é difícil de espicaçar) para os braços dos agentes imobiliários.
Vítima, no meio disto tudo, são os estrangeiros que compram verdadeiramente gato por lebre.
2 comentários:
Creio que concordará que é um duplo problema. Por um lado, a ganância malfazeja que premia as práticas comerciais fraudulentas que destroem a confiança no mercado. Por outro, a falta de regulação, e questões importantes estarem em "ângulos mortos" entre as atribuições dos reguladores.
Já estive no sector do imobiliário,gostava de voltar mas parece que nada mudou.
Concordo com este comentário de Nelson Mendes.
Enviar um comentário