domingo, 23 de novembro de 2014

Uma questão de regime…


Atordoados e em choque. O choque é quase séptico. É como uma infecção silenciosa que há décadas nos devorasse as entranhas e subitamente tenha explodido à luz do dia, numa profusão odiosa de postulas fedorentas. Não estamos nada bonitos de ver ao espelho.

Décadas de impunidade judicial, processos mal cozinhados, acusações sem substância, investigações mal feitas, gente importante de mais para sequer investigar, boatos com ou sem fundamento, arquivamentos injustificados, prescrições por medida, cobardias, cumplicidades, maçonarias, máfias à solta no Estado, nos negócios, na sociedade, conduziram a duas certezas aos olhos dos portugueses, dos magistrados e dos culpados: os políticos, a classe politica e os «poderosos» são todos corruptos e ninguém lhes chega.

Num curto espaço de tempo, a primeira certeza saiu muito reforçada: o sistema em que vivemos está podre; a segunda, sofreu um imenso abalo sísmico: há quem lhes queira chegar.

O caso BES foi talvez o despertador das consciências. Já não há «too big to fail» em Portugal. Se o imensamente poderoso BES e o seu presidente Ricardo Salgado podem ser destruídos num fim de semana, então tudo é possível.

A demonstração da possibilidade mais a imensa indignação e impaciência com «isto» que tomou os portugueses, obrigam de facto a olhar de novo para «isto».

E agora, parece que a justiça, finalmente, como os golos do Ronaldo, veio de rajada, enfurecida.

Resta-nos esperar que os mais recentes show-offs mediáticos da justiça não sejam tiros de pólvora seca, como no passado, nem meros ajustes de contas de cobardes contra poderosos a quem tudo foi consentido por tempo demais, por medo ao seu poder, agora perdido.

O pior que nos podia acontecer, agora que parecem abertas todas as caixas de pandora, era constatar que as mais recentes acusações tinham apenas o cunho do oportunismo, da golpada politica ou da habitual má investigação criminal apenas baseada em «cheiros» sem substância.

Nesse caso, suspeito que a reacção seria justamente terrível. Quando os últimos recursos institucionais falham, restam todos os recursos da rua e da violência. 

Se isto é sério e a sério, avantti tutti, sem dó nem piedade, que o Regime necessita antes de mais de uma limpeza completa.

Dou um exemplo: não me venham dizer que o caso Technoforma prescreveu, porque se houve recebimentos indevidos, o prazo de prescrição da divida é de 20 anos, e cumpre ao Ministério Público promover a recuperação de dinheiros indevidamente pagos. Não será crime, mas é dinheiro que não pode ficar nas mãos de quem o recebeu indevidamente.

Ou esta sanha judicial, que nos dá uma esperança para o futuro da República, só é válida para ex-ministros e ex-primeiros ministros?

1 comentário:

José Ribeiro e Castro disse...

Caro João Luís:
Desculpa-me, mas tenho que te comentar que confundir isto (seja verdadeiro ou não) com a Tecnoforma (seja verdadeiro ou não) é muito mais do que apenas confundir estrada da Beira com a beira da estrada. Não tem nada a ver.