quarta-feira, 15 de abril de 2015

Os oligopólios e a qualidade da democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
A sociedade portuguesa enfrenta, pois, com a gestão das empresas oligopolistas, um dilema que põe à prova a qualidade da nossa democracia.

Os oligopólios e a qualidade da democracia 
Os oligopólios são constituídos pelas empresas que têm condições para prosperar fora da competitividade aberta ditada pelas "leis do mercado".

E isso pode acontecer quer pelas características intrínsecas dos sectores em que actuam, quer pela forma como o poder político estabelece regras que definem a actuação e o sucesso desses oligopólios.

Estes sectores estão, pois, nos antípodas das empresas de bens transaccionáveis que têm de "lutar para sobreviver", quer no mercado interno quer no mercado externo. Mas são exactamente estas empresas habituadas a sobreviver em mercado aberto, conquistando os clientes exclusivamente pelas qualidades e pelo preço dos bens e serviços que vendem, que criam os empregos economicamente sustentáveis e que foram decisivas para salvar a economia portuguesa quando, no auge da crise da "catastroika", em 2012 e 2013, muitos vaticinavam uma "espiral recessiva imparável".

Num país de pequena dimensão como Portugal, e que, além disso, tem um Estado muito antigo e psicologicamente muito forte, os sectores oligopolistas adquiriram, nos últimos 15 anos, um peso crescente.

E isto é tanto mais curioso quanto se registou neste período um processo de privatizações destinado a "diminuir o peso do Estado na economia".

Só que, em termos estratégicos, não foi nada disso que aconteceu nos 15 anos que antecederam o pedido de assistência financeira à troika, feito em Maio de 2011 pelo anterior governo socialista de José Sócrates.

Pelo contrário, nesse período de 15 anos, foram os sectores dos bens não transaccionáveis que mais beneficiaram com o aumento de recursos financeiros disponíveis, proporcionado pela entrada de Portugal na moeda única, o euro.

A sociedade portuguesa enfrenta, pois, com a gestão das empresas oligopolistas, um dilema que põe à prova a qualidade da nossa democracia.

Por um lado, as empresas públicas que beneficiam de um monopólio/oligopólio natural são, em regra, ineficientes e consumidoras de recursos. Veja-se, por exemplo, o caso dos caminhos-de-ferro, em que os sindicatos "dominam" a gestão estratégica das empresas de forma a proteger "os direitos adquiridos" dos trabalhadores já instalados e a inviabilizarem qualquer forma de aplicação de uma moderna gestão competitiva, valendo-se para isso do recurso frequente às greves, cujo sucesso é facilitado por os comboios terem de "circular nos carris" e, assim, apenas um comboio parado poder bloquear toda uma linha.

Mas, por outro lado, um oligopólio privado só contribui de uma forma verdadeiramente eficiente para o conjunto da economia se o poder político tiver qualidade, isenção e independência para aplicar as regras que o obriguem a adquirir uma eficiência idêntica à que "seria obrigado a ter se funcionasse em mercado aberto".

É certo que muitos em Portugal acreditaram que os reguladores independentes seriam capazes, só por si, de desempenhar esse papel.

Mas a experiência destes últimos 15 anos em sectores tão diferentes como a energia e a banca revela bem que os reguladores independentes, só por si, não são capazes de impor esse paradigma. Como no caso da electricidade, em que a ERSE foi totalmente incapaz de impedir o completo desastre provocado nas tarifas eléctricas pelo apoio do Estado à instalação descontrolada das eólicas intermitentes .

E a experiência dos factos demonstra também, e infelizmente de forma muito concreta, que existe o risco de captura de alguns decisores políticos pelo poder económico e social que os oligopólios tendem a conferir a quem os controla.

Assim, só uma melhoria do nosso sistema político e da qualidade da nossa democracia pode vir a assegurar que os oligopólios sejam postos ao serviço da competitividade da economia portuguesa, no seu conjunto.

E essa maior qualidade do sistema político passa obrigatoriamente, também neste caso, por um maior grau de intervenção dos cidadãos na escolha personalizada de deputados, distinguindo aqueles que tenham demonstrado no respectivo currículo a competência, a isenção, a seriedade e a coragem que possam ser aplicadas na avaliação rigorosa do funcionamento dos oligopólios, tanto públicos como privados.
Clemente PEDRO NUNES
Professor do Instituto Superior Técnico

NOTA: artigo publicado no jornal i.

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