sexta-feira, 3 de abril de 2015

Mas há mais...

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Luís Campos e Cunha, hoje saído no jornal i.

Será que alguém escolhe o cirurgião por ser o mais barato ou por pensar que é o melhor? Ou como se escolhe quem vai pintar as paredes lá em casa?

Mas há mais...

A reforma do sistema eleitoral e do financiamento dos partidos são os dois pilares da reforma do sistema político. Mas há mais.

A qualidade da nossa vida pública seria muito diferente, e para melhor, com aquelas duas reformas, no sentido que defendemos há muito e publicamente.

Mas há outros elementos que são muito importantes. Não serão tão óbvios, nem necessariamente tão populares, mas completam a reforma do sistema político.

Primeiro, há que financiar novos partidos de tal forma que os actuais sintam que há uma possibilidade real e efectiva de serem ultrapassados eleitoralmente por outros partidos que possam surgir. Isto, naturalmente, obriga os partidos actuais a serem melhores para evitarem a concorrência dos novos. Hoje, essa concorrência é evitada por asfixia financeira de quem quiser fundar um novo partido.

Como fazer? Há várias soluções que os politólogos estudaram e podem ser implementadas. Há uma, que recentemente me foi avançada numa das muitas conferências que tenho feito sobre a reforma do sistema político, que me mereceu especial atenção. Aos votos nulos e brancos (mais uma vez estes!) seria atribuído um valor destinado a financiar novos partidos, sendo que esses votos (não a abstenção) de pessoas que gostariam de votar nalgum partido, mas que não querem ser representadas por nenhum dos partidos concorrentes nesse momento, estão a sinalizar que desejariam ter outro partido para as representar. Desta forma, balizar-se-ia com o voto popular o montante financeiro para novos partidos.

Segundo, a acção política e os cargos públicos têm de ser devidamente remunerados. Eu sei que o povo está tão cansado dos actuais políticos que sugerir aumentos das suas remunerações parece implicar algum descaramento. Mas tal é necessário.

Será que alguém escolhe o cirurgião por ser o mais barato ou por pensar que é o melhor? Ou, mais simplesmente, como se escolhe quem vai pintar as paredes lá em casa? O mais barato, que poderá eventualmente roubar algum objecto por desonestidade? Ou um pintor melhor, certamente mais caro, a quem podemos entregar as chaves do apartamento? É disto que estamos a falar: temos de estar dispostos a pagar se queremos pessoas honestas, bons cidadãos e profissionais competentes a gerir metade do nosso dinheiro. É que os governos de Portugal gerem, sensivelmente, metade do nosso dinheiro.

Como fazer? Simplesmente pagar às pessoas que ocupam cargos públicos aquilo que elas declararam para IRS no ano anterior. Teremos, então, políticos mais bem pagos e poderemos atrair pessoas que ganham bem na vida privada porque são bons profissionais antes de serem políticos.

Com esta regra, ninguém iria para a política para ganhar mais, porque teria as mesmas remunerações. Também não teríamos pessoas a recusarem um cargo público porque, tendo assumido encargos na sua vida privada compatíveis com as suas remunerações, não os poderiam honrar se aceitassem ser ministro, por exemplo. Conheço pessoalmente vários casos destes: pessoas que teriam a maior honra e disponibilidade para servir o país, mas que não o poderão fazer porque o que o Estado lhes pagaria não daria para o colégio dos miúdos e para a prestação da casa ao banco. É triste! E o pior é que todos, e cada um de nós, ficámos a perder.

Pagar o que a pessoa declarou de rendimentos para imposto significa que não lhe estamos a fazer nenhum favor; apenas não queremos ficar-lhe a dever um favor.

Esta regra significaria que, possivelmente, algum ministro ganharia mais que o primeiro-ministro. E qual seria o problema? O primeiro-ministro é-o por escolha popular, não por ganhar mais umas centenas de euros que os seus ministros.

Haveria parlamentares com diferentes retribuições, obviamente. E qual seria o problema? Não estavam, antes de o serem, a ganhar salários diferentes? Problema nenhum, do meu ponto de vista.

Terceiro, há outros elementos de transparência da vida pública que considero essenciais. Desde logo, o papel das chamadas “agências de comunicação”, que podem distorcer a verdade das notícias. Se nem todas o fazem, ainda bem. Mas, dada a pobreza do meio, algumas conseguem fazer com que, em vez de notícias, tenhamos verdadeiras campanhas feitas contra políticos e políticas. Exemplo: certamente se recordarão de que, no tempo de Correia de Campos em ministro da Saúde, nasciam criancinhas, todos os dias, nas ambulâncias. E assim abriam todos os telejornais, todos os dias. Certamente era culpa dele, porque tal fenómeno desapareceu no dia em que deixou de ser ministro. Até hoje! Acredita nisso? Eu, que sou um herege, desconfio que o Pai Natal não existe!

Mas há mais. Porém, fica para outra altura.

Em conclusão, quem não estiver disposto a pagar a actividade política, a financiar partidos (os novos e os actuais), a remunerar devidamente o desempenho de cargos públicos, não se pode lamentar de os actuais políticos (com honrosas e ainda significativas excepções) serem medíocres nem da qualidade actual dos partidos. Se não gostam dos actuais, esperem mais uns anos e verão o que vos espera. Eu vejo-os na faculdade: os bons até têm vergonha de se meterem num partido; os que entram nas “jotas” são os desavergonhados que sobem na vida dessa maneira. Há sempre excepções, mas são cada vez menos. A culpa é nossa e vossa.
Luís CAMPOS E CUNHA
Professor da Universidade Nova de Lisboa

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