Na série de divulgação do
Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José Ribeiro e Castro, hoje saído no jornal
i.
Foi mais uma eleição, foi mais uma prova. Depois das autárquicas de 2013 e das europeias de 2014, foi a vez das regionais madeirenses de 2015.
Cada cavadela, minhoca!
Os sinais de desagregação do sistema político continuam, perante a soberana indiferença dos titulares do poder.
O ano abrira com dois novos partidos: o JPP, Juntos pelo Povo, e o PDR, Partido Democrático Republicano, de Marinho Pinto. Recentemente, mais dois apresentaram-se a registo no Tribunal Constitucional: o Nós, Cidadãos, um projecto em desenvolvimento há meses, e o surpreendente PURP, Partido Unido de Reformados e Pensionistas, que não pode deixar de ser visto como consequência directa da fractura geracional promovida a partir do poder político – ainda estamos para ver todos os efeitos desse disparate na coesão social e política do país.
Quatro novos partidos em quatro meses são sinal claro do fervilhar na base da sociedade. Mas o sinal mais eloquente veio das eleições regionais na Madeira, em 29 de Março.
Eram eleições de rara importância: Alberto João Jardim, que dominou a política madeirense desde que assumiu a presidência do governo regional, em 1978, e que ganhara tudo o que havia para ganhar, com sucessivas maiorias absolutas, retirava-se da vida política. Eram eleições abertas, como não havia há quase 40 anos.
Seria de esperar grande mobilização eleitoral, extraordinária afluência às urnas. Ia começar um novo ciclo de poder e escolher-se o novo senhor ou a ausência de senhorio. Nada disso! A abstenção foi esmagadora. Os madeirenses, em primeiro, votaram com os pés – e afastaram-se das mesas de voto.
Mais de 50% não foram votar – os votantes ficaram pelos 49,7%. Nas primeiras eleições regionais, em 1976, a abstenção foi de 25%; agora foi o dobro. Nas primeiras eleições regionais com Jardim, em 1980, a abstenção foi de 19%; agora, 2,5 vezes mais.
Existe a ideia de que, quanto mais próximos os órgãos de poder e os políticos a eleger, maior é a participação eleitoral. Foi ao contrário: nas legislativas de 2011 a abstenção do eleitorado madeirense fora de 45,7%; agora, 5 pontos mais.
Os dois partidos mais votados, PSD e CDS-PP, perderam, cada um, 4 pontos percentuais face às regionais anteriores. O PSD baixou 15 mil votantes e o CDS-PP 8500. O Partido Socialista, que se coligou com este mundo e o outro para tentar ao menos recuperar o segundo lugar, levou para contar: no conjunto dos coligados, perdeu 11 pontos percentuais e conseguiu recolher menos 2500 votos do que o PS sozinho há quatro anos! É obra! No conjunto, os coligados perderam 18 500 votos, mais do que colheram agora. O PSD perdeu um deputado, o CDS-PP perdeu dois e PS & Companheiros perderam cinco.
A estas eleições regionais concorreram mais cinco partidos do que em 2011. Dir-se-ia que haveria mais participação. Foi ao contrário: houve mais por onde escolher, mas foram menos os que votaram. Os madeirenses não quiseram saber: num universo eleitoral de 250 mil inscritos, houve mais 20 mil abstencionistas do que há quatro anos.
Os votos brancos e nulos subiram de 2,7% para 4,3%, uma subida semelhante às da CDU e do BE.
A estrela do dia foi o estreante JPP-Juntos Pelo Povo, que ultrapassou 10% dos votos e elegeu cinco dos deputados em disputa. Um fenómeno político local lançado pelos irmãos Sousa (Élio e Filipe), depois de ter ganho a Câmara Municipal de Santa Cruz em 2013, regista-se como partido político nacional e conquista logo a posição de quarto partido regional, quase ultrapassando o PS.
Não é só bate-papo de comentador, boca de jornalista ou discurso de analista, encartado ou de ocasião. Foi mais uma eleição, foi mais uma prova. Depois das autárquicas de 2013 e das europeias de 2014, foi a vez das regionais madeirenses de 2015. Cada cavadela, minhoca! Os sinais de crise do sistema representativo estão lá todos: quebras acentuadas nos partidos do sistema, fragmentação partidária e do voto, baixíssima participação eleitoral, sucesso instantâneo de fenómenos novos.
Está na hora de uma reforma significativa do sistema eleitoral. Não qualquer uma, mas a reforma que restitua confiança nos eleitos, devolvendo-nos uma democracia realmente representativa. Uma reforma como aquela que é proposta pelo
Manifesto “Por uma democracia de qualidade”: uma reforma que, graças à intervenção decisiva dos eleitores, force os partidos a mudarem de vida, a abrirem-se genuinamente na participação interna e a melhorarem métodos de funcionamento e escolha. Uma reforma que conduza naturalmente os partidos a reconstruírem os elos de confiança e efectiva representatividade com as suas bases e o eleitorado em geral.
Só há duas alternativas à reforma do sistema eleitoral com maior personalização e responsabilização dos mandatos: uma é o pântano, outra a implosão. Venha a reforma, portanto.
José RIBEIRO E CASTRO
Advogado, Deputado
NOTA: artigo publicado no jornal i.
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