quarta-feira, 22 de julho de 2015

Um país bloqueado

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.

Há que saber com que políticas os dirigentes da actual maioria pretendem aumentar o investimento e as exportações, conter a dívida e reduzir o défice.


Um país bloqueado

Portugal encontra-se confrontado com uma crise de elevadas proporções, nos domínios económico, social e político, a qual é reconhecida pela generalidade da população e de que resulta o desencanto e progressivo afastamento da política por parte dos cidadãos.

É igualmente reconhecido que tal se deve a um conjunto lato de problemas de natureza estrutural, aos quais as instituições e órgãos do Estado não têm conseguido dar resposta efectiva. Esta falha é particularmente notória e grave a nível político, uma vez que num Estado democrático e de direito é a ele que cabem as responsabilidades últimas pelo desenvolvimento, progresso e bem-estar dos cidadãos.

O estado actual, a cerca de três meses das eleições legislativas, das propostas concretas e dos programas eleitorais dos diferentes partidos – e em particular dos pertencentes ao “ arco da governação” – por forma a tornar possível um debate aprofundado e esclarecedor das alternativas em jogo, é particularmente preocupante e até decepcionante. Isto é tanto mais grave quando tudo indica que nenhuma das forças partidárias em disputa conseguirá obter uma maioria absoluta no futuro parlamento, o que reforça a necessidade de os eleitores serem devidamente esclarecidos das verdadeiras intenções partidárias, por forma a poderem votar de forma consciente e responsável.

Face à gravidade dos problemas que defrontamos e às restrições que decorrem da nossa participação na UEM, tal informação é indispensável não só para o voto, mas também para ajuizar das reais possibilidades de compromissos pós-eleitorais, com vista à identificação e implementação de um conjunto coerente de políticas que permitam desbloquear a crise com que nos vimos debatendo. É este um dos grandes motivos de desalento. O cidadão tem de ver como é possível ultrapassar a crise e a incerteza que tanto o têm penalizado, para voltar a poder ter motivação e esperança. É que não basta proclamar a necessidade de confiança... é igualmente necessário fornecer as perspectivas e políticas concretas em que se possa alicerçar a dita esperança!

No momento actual, nenhuma das forças partidárias nos fornece uma perspectiva da sua visão e estratégia para o país, no quadro de um horizonte alargado. No que respeita a esta, ou é inexistente (para o caso da maioria dos partidos) ou é incompleta e algo contraditória (caso do PS, apesar do contributo dado com o documento “Uma Década para Portugal” ).

Com efeito, a coligação PSD-CDS, actualmente no governo, acena-nos com um “Caminho para um País Melhor”. Mas quando vamos à procura desse caminho, não encontramos nada de novo: apenas a reafirmação do rumo prosseguido nos últimos quatro anos que, sem dúvida, nos restituiu alguma credibilidade internacional – fruto de grande perseverança –, mas está longe de nos ter conduzido a uma situação de melhorias e progresso sustentáveis, como os próprios dirigentes políticos da maioria, aliás, reconhecem. Logo, mais do mesmo não chega.

Há que saber com que políticas os dirigentes da actual maioria pretendem aumentar o investimento e as exportações; conter a dívida e reduzir o défice; aumentar a competitividade, as qualificações profissionais e o emprego; reduzir a precariedade no mercado do trabalho e a emigração; melhorar a eficácia da função pública e da justiça; reduzir as assimetrias e desigualdades; e melhorar as condições de vida e o bem-estar da população e, em particular, dos mais desfavorecidos, para só citar algumas das questões fundamentais que permanecem sem solução.

Como é óbvio, a estas mesmas questões devem responder os demais partidos e, em particular, o PS, enquanto partido que aspira a constituir governo. Embora o PS, no campo das propostas, tenha conseguido destaque, o facto é que nem sempre é clara a coerência das medidas propostas com a credibilidade dos resultados visados, o que dificulta a compreensão e é fonte de perplexidades.

No âmbito deste esclarecimento impõe-se igualmente que os partidos clarifiquem devidamente as suas intenções relativamente à reforma do sistema eleitoral, de que tanto se tem falado e que é primordial para uma maior sintonia entre os políticos e o eleitorado. Este domínio, só o PS o inclui no seu programa eleitoral, mas em defesa dum sistema de círculos uninominais, o que pode ser a via mais simples para tudo permanecer na mesma. Como chegar a acordo (é necessária a maioria de dois terços) quanto à definição e número de círculos uninominais?

Pelos exemplos aqui referidos é fácil concluir que temos pela frente desafios de grande envergadura que não será possível ultrapassar sem a definição e clarificação dos grandes objectivos prioritários a prosseguir, bem como da forma (i.e. políticas) para os alcançar. Para tal é preciso clarividência, compromissos devidamente consubstanciados em documentos legais e empenhamento de uma larga maioria; ou seja, é absolutamente indispensável desbloquear o actual sistema partidário e os directórios de interesses em que se compraz. Urge, assim, alcançar um verdadeiro compromisso reformista interpartidário, assente no Estado de direito, na igualdade, na solidariedade e no progresso, que permita desbloquear a situação pantanosa em que nos encontramos.
O mínimo que o país exige é que não percamos mais esta oportunidade! Partidos, mãos à obra!

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL

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