quinta-feira, 17 de março de 2016

Papa Francisco: "Contas são contas..."


O episódio é muitas vezes contado por Adriano Moreira, com fina ironia: o "esquecimento muito bem lembrado" de D Afonso Henriques, que deixou por pagar à Santa Sé o tributo anual a que se comprometera aquando do reconhecimento formal da nossa independência nacional.

A obrigação consta da bula Manifestis Probatum, que, em 23 de Maio de 1179, foi o instrumento do nosso reconhecimento internacional pelo Papa Alexandre III. É o que lê, sem margem para dúvidas, nesta tradução: «Para significar que o referido reino pertence a S. Pedro, determinaste como testemunho de maior reverência pagar anualmente dois marcos de oiro a Nós e aos nossos sucessores. Cuidarás, por isso, de entregar, tu e os teus sucessores, ao Arcebispo de Braga "pró tempore", o censo que a Nós e a nossos sucessores pertence.»

O blog "Tribo de Jacob" recorda brevemente esta deliciosa história no post 23 de Maio de 1179. Bula papal que reconhece a independência portuguesa. Vale a pena lê-lo.

Ora, quem conta, com mais pormenor, o incumprimento é o autor da expressão que Adriano Moreira tanto cita - o "esquecimento muito bem lembrado" do nosso primeiro Rei. Trata-se da contextualização e explicação feita por Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, no seu "Elucidário": «Porém não permaneceo este censo annual, que fazia o Reino de Portugal feudatário aos Sucessores de S. Pedro. Nos princípios do século XIII, e gozando já de luzes mais claras, os nossos Religiosíssimos Soberanos, guardada toda a reverencia para com a Sé Apostolica, reconhecerão a total independencia da sua Monarquia, e com hum esquecimento muito bem lembrado, sobreestivérão para sempre na solução de hum Tributo, injurioso á Coroa, e nada preciso ás necessidades e urgências da Igreja Santa.» [O original pode ser lido nas págs, 377-378 do "Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antiguamente se usárão e que hoje regularmente e ignorão", de Frei Joaquim Viterbo, no fim da entrada "Dinheiro de S. Pedro"].

Porquê estar a lembrar tudo isto agora?

O nosso Presidente da República vai, hoje, convidar oficialmente o Papa Francisco a visitar Portugal em 2017, isto é, já no próximo ano. E, já em Roma, anunciou que o vai fazer não só com referência ao Centenário das aparições em Fátima, mas também para testemunhar gratidão pela bula Manifestis Probatum que consagrou entre os Reinos cristãos a independência de Portugal.

Esta lembrança agradecida poderia despertar o Papa Francisco a apresentar a "facturinha", recordando a conta de uma "dívida" que já leva 836 anos de atraso - segundo parece, D. Afonso Henriques só pagou o primeiro ano, deixando depois sempre de mão estendida o Arcebispo de Braga, que era o cobrador. Face a certamente uma conta calada, seria um novo momento para Marcelo Rebelo de Sousa mostrar que tem a lição bem estudada e imbatível presença de espírito.

2 comentários:

Augusto Küttner disse...

Se a necessidade permanente, for encontrar o "erro" ou a "falta" em Marcelo Rebelo de Sousa, não vai ser dificil, dado que felizmente estamos a falar de um ser humano!!!!!!

A. Küttner disse...

Como é evidente pode sempre MRS fazer mais do quefez, mas se a idia em "insistência" for a procura do que "nao fez".....claro que haverá sempre onde encontar.....

Mas será muito pouco construtivo.....

Ou não!!!!!!