segunda-feira, 24 de abril de 2017

Ils sont fous ces français



As eleições presidenciais francesas consolidam a Alemanha como a única referência digna desse nome no sistema europeu. É esta a principal conclusão de hoje à noite.

A Itália está como sabemos. O Reino Unido marcha pelos solavancos do Brexit. E a França acaba de fazer implodir o seu sistema partidário diante do olhar surpreendentemente festivo da generalidade dos comentadores e observadores. O que sobra de pilar é a Alemanha de Angela Merkel (e de Martin Schulz) - ou seja, da CDU/CSU e do SPD.

Com Marine Le Pen declarada como a intragável oficial, Emmanuel Macron tem a eleição presidencial garantida a 7 de Maio. A Europa suspira de alívio e saúda Macron, o renovador. Mas a festa é capaz de ser demasiado precoce. Marine é um perigo, mas Macron tem qualquer coisa que não inspira, nem merece confiança - ou seja, é outro perigo.

O banqueiro socialista parece-se demasiado com tudo e o seu contrário para nos deixar imaginar o que vai realmente ser, o que irá fazer, o que vai dar. Para já, cresceu, à esquerda, sobre os cacos do PSF e, no centro e direita, em cima da fragilidade provocada pelos escândalos Fillon. E vai ganhar o Eliseu unicamente por ser o sobrante anti-Le Pen. Maria José Nogueira Pinto diria que "até o Rato Mickey" venceria a Le Pen. Dizendo de outro modo: a sua eleição será mais o resultado de uma sortuda gincana táctica do que o fruto de uma grande esperança, nova. Vai ter bem menos votos do que Chirac contra o papá Le Pen, em 2002. E, por conseguinte, Marine vai ter muitos mais votos do que o pai Jean-Marie, como já aconteceu nesta primeira volta - e as sondagens apontam, em ainda maior volume, para a segunda.

As incógnitas são, portanto, demasiadas na noite de hoje, para conseguir ver quaisquer motivos de festejos ou de confiança. O discurso de vitória de Macron, perante os seus entusiasmados apoiantes, confirmou a sua impressionante vacuidade, com o bornal cheio do habitual chorrilho de lugares-comuns brilhantes e de banalidades luminosas. Ganhará certamente a eleição, mas, a seguir, virá tudo o resto.

A 11 e 18 de Junho, teremos as legislativas. A direita afunda-se de vez? Ou recupera no pós-Fillon? E o PSF desaparece ou reergue-se? Reergue-se com quem? O movimento de Macron consegue uma maioria parlamentar folgada ou fica a meio-caminho? Ficando a meio-caminho, alia-se a quem e como? E o Front National, com a embalagem de Marine, consegue finalmente irromper pelo Parlamento ou voltará a ser travado pelo sistema eleitoral francês? Como é um Parlamento e uma sociedade que não têm deputados de um movimento antigo que tenha ultrapassado os 30% nas presidenciais? A democracia aguenta-se assim?

Macron precisará de muito mais do que palavreado para governar a França na difícil situação em que está, cheia de desafios financeiros, económicos, sociais e de segurança. E o seu novel movimento ainda não mostrou capacidade e consistência para preencher o vazio de um sistema partidário em implosão à esquerda e à direita. Macron não é um De Gaulle. Não tem nem a sua estatura, nem o seu carisma, nem a sua densidade, nem o seu mito. Também ainda não mostrou pensamento. Apenas estilo e ambição, o que é pouco.

Por hoje, passados os suspiros e os festejos, parece que França só merecerá interesse nos próximos cinco anos pela curiosidade. Será provavelmente uma enorme e prolongada incógnita.

Os franceses terão aberto as portas para saírem da V República; mas, com Macron, não vão conseguir chegar à VI. Emmanuel Macron tem toda a aparência de um intervalo. Veremos se se apresentam outras companhias para conseguirem acabar a viagem até à VI República.

Como diria o grande e imortal Obélix, esse, sim, um grande sábio, "ils sont fous ces français!"

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